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Crise na Venezuela gera "falsa Guerra Fria" entre Moscou e Washington

Para Thomas Posado, doutor em Ciência Política, disputa acontece sobretudo por interesses econômicos e não ideológicos

Manhattan, Nova York: manifestação de apoiadores de Nicolás Maduro seguram uma bandeira com imagens do falecido ex-presidente da Venezuela Hugo Chavez, do próprio Maduro e do líder militar Simon Bolívar (Drew Angerer/Getty Images)

Manhattan, Nova York: manifestação de apoiadores de Nicolás Maduro seguram uma bandeira com imagens do falecido ex-presidente da Venezuela Hugo Chavez, do próprio Maduro e do líder militar Simon Bolívar (Drew Angerer/Getty Images)

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AFP

Publicado em 30 de janeiro de 2019 às 14h27.

Última atualização em 30 de janeiro de 2019 às 14h28.

A crise política na Venezuela gerou um ar de Guerra Fria, com dois blocos opostos, um liderado por Washington e o outro, por Moscou, mas este confronto diplomático não tem nada a ver com o que abalou o mundo no século 20, afirmam analistas.

Desde que o presidente do Parlamento venezuelano, Juan Guaidó, autoproclamou-se presidente interino da Venezuela ante Nicolás Maduro, Estados Unidos e Rússia escolheram seu lado: Washington apoia Guaidó, e Moscou respalda Maduro.

E os dois países receberam cada um o suporte de seus aliados tradicionais: Europa e Canadá, com Donald Trump; China, com Vladimir Putin. Tudo isto permite pensar no início de uma nova Guerra Fria, mas os analistas descartam a ideia.

"Há um ar de Guerra Fria", admite Thomas Posado, doutor em Ciência Política da Universidade Paris VIII, "mas é muito menos ideológica".

"A especificidade desta crise venezuelana é que há interesses econômicos muito atuais, vinculados ao pagamento da dívida venezuelana, da qual os dois países são credores", completa.

"Não é uma Guerra Fria. Não há uma política anticomunista americana como nos velhos tempos, porque o comunismo já não existe", afirma o analista britânico Richard Lapper, do think thank Chatham House.

Para Isabelle Facon, da Fundação para a Pesquisa Estratégica (FRS), não se pode considerar que China e Rússia formem um bloco. A posição de Moscou e Pequim é explicada por sua ferrenha oposição ao intervencionismo americano.

"Desde meados dos anos 1990, Moscou e Pequim defendem o princípio da Carta das Nações Unidas, a não interferência, o respeito da soberania dos Estados-membros. Então, se unem na denúncia no que consideram uma propensão dos Estados Unidos e da Europa de intervir para mudar regimes", explica, antes de destacar que fazem isto por interesse próprios.

Para Lapper, a situação atual deixa em evidência a "política cada vez mais agressiva da China na região".

"Como no resto do mundo, querem dominar a América Latina, uma região em que os Estados Unidos perderam espaço", destaca.

Doutrina Monroe?

Quanto aos americanos, a política externa de Donald Trump, inclusive com seus aliados tradicionais, impede qualquer ideia de um bloco homogêneo.

Posado observa na crise atual uma "reativação" da Doutrina Monroe, nome pelo qual ficou conhecida a política externa adotada por Washington para os países latino-americanos no século XX.

Uma demonstração disto, segundo o analista, é a designação pelo governo Trump do diplomata Elliot Abrams como enviado especial responsável por "restaurar a democracia" na Venezuela. Na década de 1980, Abrams participou das campanhas anticomunistas na América Central.

Além do aspecto geopolítico, o componente econômico também é importante, destacam os analistas.

"As empresas russas fizeram grandes investimentos na região. A China tem interesses na América Latina por seus recursos naturais. E investiram muito na Venezuela", explica Richard Lapper. É o mesmo caso dos Estados Unidos, que têm grandes interesses na Venezuela.

Para Thomas Posado, Moscou e Pequim "continuarão apoiando Maduro, porque, se for instaurado na Venezuela um governo próximo aos Estados Unidos, é provável que parte das dívidas contraídas por Maduro nos últimos tempos seja questionada e renegociada".

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