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Ucrânia fala em paz e cobra: ‘Brasil deve usar relação com Rússia para ajudar a acabar com guerra’

Governo Zelensky trabalha para conseguir alta adesão à reunião convocada pela Suíça para discutir proposta de paz sem a presença da Rússia; Lula não participará do evento, confirmam fontes

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 28 de maio de 2024 às 08h53.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e os principais membros de seu Gabinete trabalham em ritmo frenético com um objetivo principal em mente: que seja um sucesso a reunião convocada pela Suíça para discutir em meados de junho, sem a presença da Rússia, uma proposta de paz para pôr fim à guerra iniciada em 24 de fevereiro de 2022. Enquanto o chefe de Estado visita Espanha e Portugal nesta semana para reforçar os pedidos de ajuda ao esforço de guerra ucraniano e tentar ampliar as adesões para o encontro — ao qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confirmaram fontes diplomáticas em Brasília, nunca cogitou ir —, seus ministros telefonam diariamente para governos estrangeiros, redobrando as pressões. Entre autoridades ucranianas que lideram a ofensiva diplomática de Zelensky, praticamente não se fala em outra coisa.

"Nosso maior desafio é a Cúpula da Paz, na Suíça. Estamos falando intensamente com todos os países para que participem e já temos 80 confirmações (de um total de 162 convidados) ", disse nesta segunda-feira o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, em conversa com jornalistas latino-americanos na sede do Ministério das Relações Exteriores, em Kiev.

Perguntando especificamente pela negativa do Brasil em participar e pelo papel que a Ucrânia desejaria que o governo Lula tivesse numa eventual negociação, Kuleba foi direto ao ponto:

"O Brasil tem um importante papel global, com extensas relações com a Rússia, e deve usar sua boa relação com Moscou para ajudar a acabar com a guerra. Se todos os países com boas relações com a Rússia usarem essa relação para ajudar a acabar com a guerra, a Rússia se sentiria mais isolada".

Nas reuniões com altos funcionários ucranianos, uma coisa fica bem clara: o pedido de incluir a Rússia nas conversas, feito por países como Brasil e China, não será atendido. O governo Zelensky quer liderar sozinho o esforço de iniciar uma negociação de paz e, para isso, está em busca de aliados para a reunião na Suíça. Kiev aceitaria, em todo caso, um convite ao governo de Vladimir Putin para um futuro encontro, quando já se tenha uma proposta concreta.

"Os que querem, como o Brasil, que a Rússia esteja de cara na mesa de negociações se baseiam nos livros da diplomacia tradicional. Nós nos baseamos na realidade da Rússia. A Rússia só tem boa-fé quando se sente fraca no campo de batalha".

Durante uma visita à Espanha nesta segunda-feira, o presidente ucraniano pediu ao Ocidente que use “todos os meios” para forçar Moscou a aceitar uma proposta de paz unilateral e reiterou seu pedido de mais ajuda econômica e envio de armas, em momentos em que uma ofensiva russa se fortalece na região de Kharkiv, segunda maior cidade da Ucrânia, na região nordeste. Madri prometeu € 1 bilhão (R$ 5,58 bilhões) em ajuda militar ao país.

"Devemos intensificar o trabalho conjunto com nossos parceiros para conseguir mais: segurança e coerção tangível à Rússia para alcançar a paz por todos os meios", instou Zelensky durante entrevista coletiva ao lado do premier Pedro Sánchez.

A visita de Zelensky à Espanha estava inicialmente marcada para 17 de maio, mas foi adiada devido à ofensiva do Exército russo no nordeste ucraniano. Nesta terça-feira, ele vai a Portugal.

Kuleba admitiu que nos telefonemas a ministros estrangeiros costuma dizer que cada dia de demora no envio de armas, recursos econômicos ou de apoio de outros países à Ucrânia “mais vidas são perdidas em nosso país”. O chanceler ucraniano é um diplomata de carreira de longa experiência e que, em momentos de descontração, consegue relaxar e até mesmo reconhecer que seu sonho é viver uma vida similar à do famoso chef argentino Francis Mallman, de quem é fanático e seguidor nas redes sociais. Mas são apenas alguns segundos de desconexão da agenda intensa centrada, nas próximas semanas, no esforço diplomático pelo sucesso da reunião na Suíça.

Frustração explícita

O Brasil é visto pelo governo ucraniano como um país importante na equação, e suas mais altas autoridades não escondem a frustração de não contar com um apoio contundente de Lula em sua disputa com a Rússia.

"O Brasil deve ocupar um lugar digno, uma solução [ para o conflito] também está nas mãos de Lula. Esperamos que o Brasil participe [da reunião], seja com Lula ou com algum alto representante do presidente, afirmou o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal.

Em Kiev, autoridades do governo Zelensky dizem não acreditar no que Kuleba definiu como uma estratégia de “Rússia paz e amor” por parte de Putin e questionam o fato de países como o Brasil olharem para a guerra, em palavras do chanceler ucraniano, “a partir do prisma de sua relação com a Rússia”.

"Estive com o assessor especial do presidente Lula [o ex-chanceler Celso Amorim], e vemos que o Brasil vê a guerra na Ucrânia a partir do prisma de sua relação com a Rússia. Pedimos ao Brasil que olhe para a Ucrânia sem óculos russos. Se a Rússia vencer na Ucrânia, quem vai se beneficiar? Ninguém", disse Kuleba, que não gostou nem um pouco da proposta conjunta de busca da paz apresentada semana passada por Brasil e China, durante uma visita de Amorim a Pequim.

"Não se fala em respeito à integridade territorial, isso é um posicionamento", frisa o chanceler ucraniano.

Para Kiev, o que considera supostos esforços da Rússia pela paz são cortinas de fumaça, e a única maneira de forçar Putin a aceitar uma negociação é isolando o país. Ciente de que não contará com Brasil nem China como aliados em sua empreitada, o governo da Ucrânia busca reforçar laços com países latino-americanos como a Argentina de Javier Milei e o Chile de Gabriel Boric, ambos chefes de Estado abertamente defensores da causa ucraniana.

Mas quando o Brasil surge na conversa, o tom dos ucranianos é amável, afinal, ninguém em Kiev está pensando em estremecer relações com os importantes atores mundiais. Pelo contrário, o primeiro-inistro ucraniano disse esperar que o Brasil convide Zelensky para participar da cúpula de chefes de Estado do G20, no Rio, em 19 de novembro. A presença de Putin não foi confirmada, mas Kiev quer enviar seu presidente. A dúvida é se o Brasil de Lula fará o convite.

 

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