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Ucrânia debate sobre uso de esperma de soldados mortos na guerra

Legislação adotada em novembro estabelece que todas as amostras sejam destruídas em caso de morte; país enfrenta uma séria crise demográfica há mais de uma década

Até hoje, não há números absolutos sobre quantos ucranianos morreram desde o início da guerra (Sergey Bobok/Getty Images)

Até hoje, não há números absolutos sobre quantos ucranianos morreram desde o início da guerra (Sergey Bobok/Getty Images)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 29 de janeiro de 2024 às 16h18.

Última atualização em 29 de janeiro de 2024 às 16h36.

Parlamentares na Ucrânia anunciaram nesta segunda-feira um projeto de lei para mudar as regras de armazenamento e uso de esperma ou óvulos congelados de soldados que morreram lutando na guerra contra a Rússia. Uma legislação aprovada em novembro estabelece que o material deve ser destruído em caso de morte dos combatentes, mas parentes dos militares apontam que as novas regras, que entram em vigor em março, comparam a lei a uma violação de direitos.

De acordo com a vice-presidente do Parlamento, Olena Kondratyuk, o projeto vai modificar a legislação de novembro, suprimindo o trecho do texto original sobre o descarte de material de militares que tiveram a morte confirmada em combate.

"Espero que uma onda de indignação pública convença os deputados a aprová-la [a modificação ao projeto original]", escreveu Kondratyuk no Facebook. Ela ainda revelou que o Ministério da Saúde "emitiu um comunicado oficial afirmando que os materiais biológicos em clínicas públicas e privadas não serão destruídos". O restante do projeto original, que dispõe sobre o fornecimento gratuito de serviços de armazenamento de esperma e óvulos, não será modificado.

Pais mortos na guerra

Aprovado sem grande alarde, o texto de novembro foi alçado a um lugar central no debate nacional na semana passada, quando a advogada Olena Babych apresentou, no Facebook, o relato da viúva de um soldado que tentava usar o material biológico de seu marido morto para uma inseminação artificial.

"Como explicar a uma mulher aflita que, literalmente há alguns meses, fazia planos com o marido para ter um filho, e que enquanto o marido defendia o Estado e morria, os nossos legisladores literalmente privaram-no do direito de ser pai após a sua morte", escreveu Babych. "Sinto muito, mas ainda não consigo entender o motivo dessa proibição. Porque é que o Estado, em vez de lhe oferecer apoio, obriga as viúvas a procurar 'alternativas' para ter um filho tão desejado de um homem amado que morreu defendendo este mesmo Estado?!"

O uso de células reprodutivas de militares enviados a conflitos armados não é algo novo. A própria Rússia, que desde fevereiro de 2022 conduz uma invasão de larga escala contra a Ucrânia, oferece gratuitamente serviços de congelamento e armazenamento de esperma aos soldados "mobilizados", e permite o uso desse material mesmo em caso de morte.

Durante os períodos mais intensos das guerras do Iraque e Afeganistão, clínicas privadas ofereceram gratuitamente esse tipo de serviço aos militares dos EUA, e o Pentágono usou esse "benefício" para atrair novos recrutas. E em Israel, existe a possibilidade dos parentes de pessoas mortas pedirem a extração de esperma após a morte, um serviço cuja demanda aumentou exponencialmente após os ataques de 7 de outubro do ano passado. Na publicação no Facebook, Kondratyuk sinalizou apoio a novas emendas à legislação ucraniana, que permitam, além de esposas e maridos, que os pais do morto possam usar o material armazenado para "continuar a sua linhagem".

Crise demográfica

Até hoje, não há números absolutos sobre quantos ucranianos morreram desde o início da guerra. Em agosto do ano passado, representantes da inteligência dos EUA declararam ao New York Times que mais de 70 mil militares do país morreram. O número de feridos supera os 100 mil. Entre os civis, estimativas giram em torno de 10 mil e 20 mil pessoas, sem contar as cerca de 6 milhões pessoas que seguiram para outras regiões do mundo. Para um país que já enfrentava uma crise demográfica antes mesmo da invasão de Vladimir Putin, a guerra pode ter um efeito assustador para o futuro.

De acordo com um relatório da Comissão Europeia, de julho do ano passado, a Ucrânia tinha 41 milhões de pessoas em 2021, mas agora tem cerca de 35 milhões, e o número pode cair para até 29 milhões nas próximas três décadas. Em 2021, a taxa de natalidade era de 1,16 filho por mulher, bem abaixo dos 2,1 considerados pela ONU como necessários para se manter o patamar populacional. E estima-se que dos 6 milhões de refugiados, em grande parte pessoas mais jovens e economicamente ativas, apenas 1 milhão estão de volta ao país.

"Não estamos prontos para perder 6 milhões de refugiados [para sempre]", disse, em outubro, a ministra da Economia, Yuliia Svyrydenko.

Para Kondratyuk, mais do que apenas aumentar as taxas de natalidade, as mudanças no projeto sobre o esperma dos militares mortos são uma forma de permitir a sobrevivência da nação ucraniana.

"Temos de dar à nossa nação uma hipótese de sobreviver. Quando na linha da frente morrem os melhores, quando as crianças são deportadas em massa para um país agressor, quando milhões de nossas mulheres com crianças se assimilam na Europa, temos de fazer tudo para que o fundo genético ucraniano não se perca", escreveu a parlamentar. "Este tema é realmente muito difícil, mas é hora de decisões difíceis que não podem mais ser adiadas."

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