Montagem com imagens dos presidentes Lula e Donald Trump (Evaristo Sá e Jim Watson/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 21 de novembro de 2025 às 14h32.
O recuo do presidente dos EUA, Donald Trump, em relação às tarifas de importação impostas ao Brasil teve duas razões principais: a aproximação do líder americano com o presidente Lula e as pressões internas da política americana. A avaliação é de Roberto Uebel, professor de relações internacionais da ESPM.
Nesta quinta-feira, 20, Trump assinou uma ordem executiva para remover a tarifa adicional de 40% sobre mais de 200 itens exportados pelo Brasil, o que anula os efeitos do tarifaço deste ano sobre esses itens. A lista inclui carne, café, frutas, castanhas e vários outros produtos agrícolas. Segundo a Amcham, as isenções beneficiam cerca de 40% da pauta de exportações do Brasil para os EUA.
"A pressão inflacionária dos produtos que foram tarifados, sobretudo frutas, carnes e cafés afetou o comportamento do consumidor norte-americano, o que poderia se transferir para maior insatisfação política contrária a Trump, o que é crucial há menos de um ano para as eleições de midterms", diz Uebel, que também é coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Americanos da ESPM.
Veja a seguir mais trechos da conversa.
Quais foram as principais razões para Trump mudar de postura em relação ao tarifaço?
Há duas condicionantes para esta mudança de postura por parte do governo Trump: primeiro, a própria abertura do canal de diálogo com o governo brasileiro, Trump ficou realmente com uma boa impressão do presidente Lula, além da percepção por parte dele e de seus assessores de que aquele cenário apresentado pela oposição brasileira não correspondia com a realidade institucional e comercial do Brasil, eles viram de fato que os EUA possuem superavit comercial com o Brasil em vários setores.
Segundo, a pressão inflacionária dos produtos que foram tarifados, sobretudo frutas, carnes e cafés afetou o comportamento do consumidor norte-americano, o que poderia se transferir para maior insatisfação política contrária a Trump, o que é crucial há menos de um ano para as eleições de mid terms, que poderão colocar a liderança das duas casas do Congresso ou não nas mãos de republicanos e garantir total governabilidade para Trump.
Avalia que ele poderia mudar de rumo novamente, dado que a prisão de Bolsonaro está próxima?
É um cálculo cujas variáveis, neste momento, não indicam uma mudança de postura com relação às tarifas; no entanto, poderíamos ver a manutenção ou ampliação da Lei Magnitsky contra outros membros do STF.
No entanto, há o componente comportamental de Trump: ele não gosta de ser vinculado a figuras políticas que, no seu entendimento, seriam consideradas “losers” ou enfraquecidas, o que justifica inclusive a mudança de postura com relação a Lula , a quem ele tem proferido elogios e inclusive demonstrado certa simpatia com a sua trajetória política recente.
O que os setores que ainda estão sob tarifas podem fazer para também ficarem isentos?
Há alguns setores que estão sentindo fortemente os impactos das tarifas: coureiro-calçadista, móveis e máquinas. O caso mais emblemático é o do Estado do Rio Grande do Sul, cuja base industrial se sustenta nestes três setores e, caso não haja uma reversão, poderá causar centenas de demissões e o fechamento de indústrias.
Há uma grande expectativa e pressão destes setores para que a isenção de tarifas seja ampliada. Contudo, com a assinatura recente do acordo comercial entre EUA e Argentina, talvez esta isenção para os brasileiros não esteja no horizonte e talvez sequer na própria agenda dos negociadores norte-americanos, infelizmente.
Como as tarifas repercutiram na política americana? Elas afetaram a popularidade de Trump?
É preciso enxergar o impacto das tarifas de maneira contextualizada: o shutdown de mais de um mês, a proximidade das midterms, a derrota dos republicanos nas eleições municipais de Nova York e estaduais na Virgínia e New Jersey e o caso recente dos arquivos de Epstein, têm custado um grande capital político para Donald Trump.
Então, as tarifas se agregam ao aumento dos preços ao consumidor, que percebeu esta inflação causada pelas tarifas rapidamente em seus produtos da cesta básica de consumo, isto é, alimentos de grande demanda, como café, carnes e frutas.
Nesse sentido, o tarifaço significou também uma revisão das estratégias de Trump e seu novo nacionalismo econômico para com outros países, por isso, a pressão de Washington por acordos exclusivos bilaterais. No fim do dia, a política tarifária também teve um custo político quase irreversível para o presidente norte-americano.