Donald Trump, presidente dos EUA, durante reunião do G7, no Canadá (Suzanne Plunkett/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 19 de junho de 2025 às 08h00.
Uma questão que definirá o futuro do conflito entre Irã e Israel é se os Estados Unidos vão entrar ou não no conflito para valer. No entanto, esta decisão não depende apenas do presidente Donald Trump: ele precisa de aval do Congresso para declarar guerra, mas pode buscar formas de contornar isso e usar outras ferramentas.
O cenário segue bastante incerto. Na quarta, 18, pela manhã, Trump disse estar em dúvida se iria ordenar um ataque americano ao Irã. "Posso fazer. Posso não fazer. Quer dizer, ninguém sabe o que vou fazer", respondeu Trump, ao ser questionado por repórteres na Casa Branca sobre uma possível intervenção.
Para Leonardo Paz Neves, pesquisador de relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Trump poderá usar uma tática adotada pelo presidente russo Vladimir Putin, no começo da Guerra da Ucrânia, em 2022.
“Putin usou a retórica de ‘operação especial’. Se ele [Trump] optar por realmente tomar parte em ações mais agressivas, ele provavelmente vai tentar chamar de todos os nomes menos de guerra”, afirma, em entrevista à EXAME.
Neves é cientista político e integra o Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV. Ele foi coordenador executivo do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon/Ucam).
Na conversa, ele debate vários cenários possíveis para o avanço do conflito, como o confronto poderá moldar o futuro do Oriente Médio e como Rússia, China e Brasil podem se envolver na questão.
Quais são os cenários possíveis para o desdobramento da crise entre Israel e Irã?
Podem acontecer muitas coisas. Se os Estados Unidos entram no conflito, entra com um conjunto muito grande de equipamento militar, com um poder de destruição muito maior que Israel tem, o que adicionaria uma pressão muito forte no Irã e faria com que o conflito fique muito mais letal curto no curto prazo. Mas se os Estados Unidos vão estar dispostos a se comprometer com isso, é muito difícil saber. Talvez o país esteja mais disposto a atacar a famosa usina de Fordo, supostamente a joia da coroa do programa nuclear iraniano. Se Fordo for destruído, se supõe que o programa nuclear iraniano, pelo menos no médio prazo, vai para o espaço. Então, talvez esse seja um objetivo concreto dos Estados Unidos. Para Israel, um dos objetivos é derrubar o governo do Irã, seja via guerra civil ou eliminando de fato as suas lideranças. Isso pode jogar o país o irá numa situação de completo desarranjo, pois possíveis guerras civis podem surgir a partir daí. Temos o Iraque como um potencial exemplo.
Trump precisa de aval do Congresso para um ataque?
Para os EUA entrarem em guerra de fato, precisa passar pelo Congresso. Para fazer alguns ataques militares, algumas missões específicas, não precisa. Para operações pontuais, o presidente tem autonomia. Eu acho que ele vai dar uma de Putin, que demorou muito tempo para falar em guerra na Ucrânia e usou a retórica de ‘operação especial’. Se ele [Trump] optar por realmente tomar parte em ações mais agressivas, ele provavelmente vai tentar chamar de todos os nomes, menos de guerra. Até porque sair das guerras do Oriente Médio era a plataforma política dele. Ele dizia que o Obama iria fazer uma guerra no Irã só para aumentar a sua popularidade. Então, acho que ele adiaria o máximo possível dizer que estaria entrando em guerra, para não ter o custo do congresso e nem o custo retórico.
Os Estados Unidos poderiam enviar tropas?
A probabilidade é muito baixa, porque é muito custoso, financeiramente e do ponto de vista de vida de soldados americanos. Se ele [Trump] for fazer alguma coisa, ele deve fazer mais à distância, via missões ou usando a Força Aérea.
Como vê a atuação americana até agora?
Até agora, os Estados Unidos têm parte no conflito, mas uma parte defensiva. Eles ajudam os israelenses a abater os mísseis e drones, assim como os britânicos e franceses. Mas, até agora, ninguém concordou em fazer uma ajuda ofensiva, atacar de fato. Quando a gente fala dos Estados Unidos entrarem no conflito, estamos falando de ação ofensiva, com mísseis, avião e drones americanos entrando no conflito.
E se os EUA seguirem sem envolvimento direto?
No contexto onde o Israel fica sozinho, a coisa fica mais prolongada. Israel não tem capacidade de acabar sozinho com o projeto nuclear iraniano. Israel já mostrou que pode causar danos pesados e matar lideranças políticas e militares do Irã, mas o Irã também tem um pacote de mísseis e pode gerar um custo muito forte a Israel com os ataques de mísseis balísticos, e não sei se Israel também estaria disposto a sofrer esse peso todo. Isso pode acabar levando esse conflito para talvez mais de algumas semanas ou meses, até ver quem estaria disposto a ceder primeiro.
Leonardo Paz Neves, pesquisador de relações internacionais da FGV (Divulgação)
Vê chances de o Irã voltar a negociar?
É a opção mais razoável e pragmática, embora com probabilidade baixa: conseguirem algum cessar-fogo em torno da promessa de que o Irã volte a negociar, mas em uma circunstância diferente, de mais fragilidade e, por consequência, mais disposto a aceitar um acordo pior. Basicamente, banir qualquer tipo de enriquecimento de urânio ou coisa parecida dentro do seu território. Não sei se o governo iraniano toparia isso, porque o fragilizaria bastante diante da opinião pública interna.
Como este conflito pode afetar o futuro do Irã?
O Irã está em uma situação fragilizada, mas não acho que perderia uma guerra nesse contexto. Israel não tem condições de ganhar uma guerra do ponto de vista clássico. Israel tem um décimo da população do Irã e teria de passar por vários países para levar suas tropas e tanques. Israel consegue fazer ataques com sua aeronáutica, que é muito sofisticada, mas a do Irã também é. O Irã conseguiu substituir as lideranças militares que foram mortas e retaliar o ataque de Israel. Também é importante ver o quanto os países da região podem ajudar o Irã, seja de forma financeira ou material. Isso é menos custoso do que combater diretamente Israel e os Estados Unidos. Mas são muitos cenários possíveis. Não tem solução fácil para o Irã.
Este conflito poderá mudar o futuro do Oriente Médio, em termos mais amplos? Como vê o papel de Israel nisso?
Israel hoje é um ator de estabilização no Oriente Médio, através de sua retórica de defesa do território. O país encontrou oportunidade de abater grande parte dos seus principais inimigos sem grandes condenações internacionais. A coisa só começou a piorar um pouco em função do nível de violência que eles estão praticando em Gaza. Israel tem poucos amigos na região. Há relação diplomática basicamente só com Jordânia e Egito. Vinha havendo um esforço forte, antes do ataque do Hamas, para articular uma normalização das relações com Israel e vários atores da região, com os Acordos de Abraão com países como Marrocos, Arábia Saudita e Emirados, para que houvesse algum tipo de interação econômica entre eles. Essa interação seria um cimento dessa relação e gerasse lucro para todas as partes. Após o atentado de 7 de outubro, Israel se engaja em um conflito para tentar eliminar o Hamas e resolver a questão com os palestinos em Gaza, que está gerando uma condenação de grande parte do mundo em relação à campanha de limpeza étnica que ele [Israel] vem promovendo. Israel aproveita esse contexto e ataca Síria e o sul do Líbano, onde estava o Hezbollah. Também ataca o Iêmen e o próprio Irã, desde o ano passado. Foram quatro países atacados sem nenhuma condenação efetiva do exterior.
Há chance de a Rússia se envolver no conflito atual?
A Rússia ainda tem relação com o Irã, mas a situação da Rússia não é simples. A Rússia está em um conflito há anos e não consegue sair dele. O relógio estava do lado da Rússia, até que eles sofreram aquele ataque cinematográfico da Ucrânia com drones em seu território. A Rússia não tem capacidade de oferecer muita ajuda neste momento. Ao contrário: o Irã que vinha ajudando, ao enviar drones para a Rússia. Ao mesmo tempo, a Rússia está sendo pouco lembrada agora. A atenção americana e de outros países está focada em Israel, e a Rússia seguirá avançando o máximo que podem na Ucrânia.
Qual o papel do Brasil neste cenário, especialmente no âmbito do Brics? Em julho, uma reunião de cúpula do grupo será realizada no Rio de Janeiro. O evento poderá servir como um fórum para debater o conflito?
Certamente o assunto vai surgir, até porque agora o Irã faz parte do Brics. Supõe-se que haverá algum tipo de declaração final que vai condenar a invasão israelense, afinal o Israel atacou primeiro e não havia nenhuma ameaça concreta direcionada a Israel. Ao contrário: o Irã estava na mesa de negociação com os Estados Unidos. Uma negociação difícil, é verdade. Você não tinha o Irã aceitando as primeiras propostas americanas que eram duras, mas estavam numa situação de discussão. Agora, alguma ação concreta, a probabilidade é muito baixa. Países como Brasil, Índia e África do Sul certamente vão tentar reduzir um pouco o tom de crítica a Israel, para tentar não configurar o BRICS como uma plataforma anti ocidente.
A China pode se envolver de alguma forma no conflito?
A China por enquanto está bastante quieta, em uma postura de compasso de espera. Aparentemente, tem enviado alguns materiais para o Irã e os países em volta, mas nada significativo para o conflito. Eles não têm interesse em que o Irã seja um país em colapso. O Irã já foi um parceiro muito mais importante para a China do que é hoje, pois a China aumentou as relações diplomáticas na região, mas o Irã ainda é um ator importante para os chineses.