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Trump joga gasolina no clima de tensão nos Estados Unidos

Apesar dos pedidos do governo local, presidente visita cidade onde negro foi baleado pelas costas pela polícia

Trump fez uma comparação entre policiais que reagem com violência a golfistas que "pipocam", durante uma entrevista para a Fox News (Tom Brenner/Reuters)

Trump fez uma comparação entre policiais que reagem com violência a golfistas que "pipocam", durante uma entrevista para a Fox News (Tom Brenner/Reuters)

Janaína Ribeiro

Janaína Ribeiro

Publicado em 1 de setembro de 2020 às 17h20.

Última atualização em 1 de setembro de 2020 às 19h45.

O presidente Donald Trump abriu a primeira semana de campanha depois das convenções partidárias inflamando ainda mais os ânimos de um país que atravessa um dos momentos de maior tensão racial em décadas.

Trump visitou a cidade de Kenosha, estado de Wisconsin, onde Jacob Blake, negro, foi alvejado com sete tiros nas costas, disparados por um policial branco, há nove dias. Blake, que estava desarmado, perdeu os movimentos das pernas.

“As pessoas estão vendo o que acontece em cidades [governadas por] democratas e estão enojadas. Elas não acreditam no que está acontecendo em nosso país.”

Trump não visitou a família de Blake — cujos três filhos pequenos estavam no carro quando ele foi vítima dos tiros —, supostamente porque ela teria pedido a presença de um advogado.

O presidente visitou um negócio que foi incendiado nos distúrbios que se seguiram à divulgação do vídeo de Blake sendo baleado e depois reuniu-se com autoridades de segurança locais.

A viagem presidencial aconteceu horas depois de mais uma entrevista controversa, em que Trump descreveu cidades que “queimam há décadas”, classificando o movimento Black Lives Matter de marxista e sugerindo teorias da conspiração em relação a seu adversário, Joe Biden.

Falando na noite de segunda-feira a Laura Ingraham, Trump também fez uma comparação que deixou muita gente incrédula — inclusive a própria entrevistadora, uma de suas mais ferrenhas defensoras na rede Fox News. Policiais que reagem com violência extrema são como golfistas que “pipocam”, que erram uma “tacada a 1 metro do buraco”, disse o presidente americano. Golfe é o esporte predileto de Trump. Em três anos e meio, ele jogou pelo menos 275 vezes, segundo a CNN.

“Eles podem fazer 10.000 coisas ótimas, e aí uma maçã podre, ou um pipoqueiro... eles pipocam. Atirar nas costas várias vezes. Você não poderia fazer algo diferente, tentar dominá-lo? Bem, ele [a vítima] poderia estar tentando pegar uma arma. Mas eles [os policiais] pipocam... como num campeonato de golfe, eles erram uma tacada a 1 metro do buraco”, afirmou Trump. “Você não está comparando [o incidente] com golfe. Porque é claro que é isso o que a mídia vai dizer”, afirmou Ingraham, aparentemente tentando dar uma chance para que o presidente repensasse seus comentários. Mas Trump aparentemente gostou da metáfora, pois repetiu o termo na visita a Kenosha.

Foi uma das poucas vezes em que Trump se referiu diretamente ao incidente envolvendo Blake. O tema da visita não teve quase nenhuma menção ao que motivou os protestos na cidade — que saíram do controle nas madrugadas de segunda e terça-feira da semana passada. O único interesse do presidente era falar dos distúrbios.

O episódio com Blake ocorreu no domingo 23, desencadeando uma nova onda de protestos em Kenosha e em outras cidades do país. Dois dias depois, um jovem de 17 anos foi preso acusado de envolvimento em dois homicídios.

Kyle Rittenhouse, o adolescente detido, estava armado com um rifle semiautomático e foi a Kenosha supostamente para “defender propriedades”. Em vídeos que circulam nas redes sociais, ele está sendo perseguido por outros manifestantes, quando cai no chão e abre fogo.

Em Portland, no extremo noroeste do país, protestos também vêm acontecendo diariamente há três meses. No final de semana passado, um grupo de apoiadores de Trump desviou da rota planejada para uma carreata e se dirigiu ao centro da cidade — onde se concentravam os manifestantes que pediam justiça racial.

Das caçambas de suas picapes, eles dispararam balas de paintball e spray de pimenta contra pessoas na calçada. Um dos manifestantes pró-Trump, Aaron Danielson, foi morto com um tiro no peito. Ele fazia parte do grupo de extrema direita Patriot Prayer, que apoia Trump.

Questionado sobre a presença de civis armados sob o pretexto de defender propriedades e garantir segurança nas cidades conflagradas, Trump afirmou: “Sei que havia muitos apoiadores [meus], mas eram protestos pacíficos. A tinta [das balas de paintball] é um mecanismo de defesa. Trump também não condenou os Rittenhouse, suspeito de matar duas pessoas em Kenosha, afirmando que o jovem agiu em legítima defesa. “Ele caiu, foi atacado violentamente e provavelmente teria sido assassinado”, afirmou o presidente americano.

Comentaristas políticos de quase todo o espectro político mais uma vez expressaram incredulidade com as palavras escolhidas por Trump.

Num momento em de extrema tensão racial, o presidente se recusa a fazer pedidos de união e calma — pelo contrário. Sua estratégia é desviar as atenções da pandemia do coronavírus, que já deixou mais de 180.000 mortos nos Estados Unidos, para tentar culpar os democratas pelos protestos violentos — que são pontuais.

Biden responde

Em um raro evento de campanha, o candidato da oposição, Joe Biden, fez um discurso na segunda-feira em Pittsburgh, repudiando as declarações do adversário.

“O presidente é incapaz de falar a verdade, encarar os fatos ou aliviar o sofrimento [do país]. Ele não quer jogar luz, ele quer gerar calor”, afirmou Biden. “Ele pode achar que matraquear as palavras ‘lei e ordem’ o fortalece, mas ao não pedir que seus apoiadores parem de agir como milícias armadas ele demonstra como é fraco.”

O democrata vem sendo criticado por não viajar mais pelo país. Desde o início da pandemia, Biden, de 77 anos, raramente saiu de Delaware, seu estado. A pouco mais de dois meses da eleição, a hashtag #whereisjoe vem sendo usada pelos eleitores de Trump para descrever um candidato ausente.

Trump também faz parte do grupo de risco por causa da idade (ele tem 74 anos), mas vem viajando o país e visitando estados que podem ser decisivos no colégio eleitoral, como Wisconsin.

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