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Trump está no caminho do impeachment?

David Cohen Apostas não são exatamente uma ciência capaz de prever o futuro, mas fornecem uma razoável análise do humor geral – pois refletem não apenas o que as pessoas dizem, mas em que cenários estão dispostas a arriscar seu dinheiro. E, desde a semana passada, aumentou bastante a cotação de apostas de que o […]

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Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2017 às 10h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.

David Cohen

Apostas não são exatamente uma ciência capaz de prever o futuro, mas fornecem uma razoável análise do humor geral – pois refletem não apenas o que as pessoas dizem, mas em que cenários estão dispostas a arriscar seu dinheiro. E, desde a semana passada, aumentou bastante a cotação de apostas de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não vai cumprir o seu mandato inteiro.

De acordo com o site de apostas irlandês Paddy Power, a probabilidade de que ele sofra um impeachment subiu para assombrosos 60%. Ela já era bastante alta antes, em 52%, mas a demissão de James Comey do cargo de diretor do FBI, a agência de investigações federal, elevou as perspectivas a um nível impressionante para um presidente tão no início do mandato.

Para dar uma ideia de a que ponto a crise de confiança chegou, basta dizer que a primeira comparação que os analistas fizeram foi com o “massacre de sábado à noite”, quando o então presidente Richard Nixon demitiu o procurador especial Archibald Cox e aceitou as renúncias do procurador geral e de seu vice – que haviam se recusado a cumprir a ordem de mandar Cox embora.

Na época, Nixon queria interromper a investigação sobre o escândalo de Watergate (o caso do arrombamento dos escritórios do Partido Democrata para fazer espionagem durante a campanha eleitoral). O tiro saiu pela culatra. As investigações continuaram e, dez meses depois, ele seria obrigado a renunciar à presidência.

Talvez seja exagero comparar as duas situações neste momento, mas a imprensa já começa a avaliar, consistentemente, as possibilidades de remoção do presidente. A revista New Yorker publicou um artigo nesta terça-feira 16 dizendo que, se Trump fosse o CEO de uma empresa aberta, o conselho de administração “provavelmente concluiria que não tinha escolha a não ser demiti-lo, para proteger a reputação da companhia e evitar mais danos”.

Não é que a hipótese já não estivesse no radar. O índice de aprovação de Trump é de 40%, o menor para um presidente recém-eleito desde que o Instituto Gallup começou a fazer a medição. No início da semana passada, a mesma New Yorker já havia publicado um longo artigo avaliando os dois caminhos que a Constituição prevê para a demissão de um presidente (um é o impeachment, outro é a caracterização de deficiência mental para exercer o cargo).

O que a demissão de Comey, no dia 9, fez foi exacerbar as críticas. Uma pesquisa da empresa Public Policy Polling aponta que 48% dos americanos são favoráveis à abertura de um processo de impeachment – e praticamente todos os grandes jornais e revistas publicaram artigos aventando a possibilidade. Há análises tanto contra como a favor. Mas o simples fato de elas existirem revela o tamanho do problema.

Há uma crescente pressão sobre os congressistas republicanos para que parem de apoiar o presidente; há uma perspectiva real de que, graças aos desvarios de Trump, os democratas ganhem a maioria em pelo menos uma das casas do Congresso nas eleições de 2018. E há uma quase estabelecida noção de que Trump não tem o equilíbrio necessário sequer para ser síndico de um condomínio, que dirá ser o líder da potência mais poderosa do planeta.

Os argumentos mais claros na defesa dessa última linha foram delineados em um artigo de opinião do New York Times, no dia 15, com o sugestivo título de “Quando o mundo é governado por uma criança”. Detalhe: seu autor, David Brooks, é um comentarista político de visão conservadora.

Segundo Brooks, a maioria dos adultos aprende a ter autocontrole, e Trump tem a impaciência de um garoto de 7 anos, incapaz de manter o foco necessário para aprender e dominar os fatos. A Trump também falta, diz Brooks, um senso de quem ele é, o que o torna completamente dependente de demonstrações de afeto. “Ele está em uma busca perpétua por aprovação, contando histórias heróicas fabulosas sobre si mesmo.”

Finalmente, ele não tem capacidade de perceber os outros. Isso o torna, de acordo com Brooks, extremamente transparente e fácil de manipular.

Trump vs. Comey

Esse perfil ajuda a explicar a mais recente crise de seu governo. Trump, dizem analistas citando fontes próximas a ele, acreditava que a demissão de Comey seria festejada até pelos democratas, e não duramente criticada. Afinal de contas, não era o que eles tanto queriam?

Ironicamente, é bastante provável que Trump deva a Comey o cargo que tem. Na reta final da campanha eleitoral, Comey notificou o Congresso de que o FBI havia encontrado um novo lote de emails que pareciam ter relação com a investigação sobre vazamento de informações da candidata democrata, Hillary Clinton, do tempo em que era secretária de Estado do governo Obama.

Alguns dias depois, ele declarou que não, não havia indícios suficientes para a reabertura da investigação. Mas àquela altura o estrago já estava feito. Inúmeras histórias, a maioria falsas, sobre Hillary circularam pela internet, com origem duvidosa. Isso teria custado algo entre 3 e 4 pontos percentuais na votação dos democratas, segundo analistas políticos, principalmente desestimulando eleitores progressistas a comparecer às urnas.

Investigações preliminares apontam para a Rússia como um polo de notícias falsas, com a deliberada intenção de influenciar a eleição americana em prol de Trump. E foi aí que Comey – antes festejado por Trump pela “coragem” de anunciar uma possível reabertura do caso contra Hillary – começou a irritar o presidente: era ele quem chefiava a investigação sobre a interferência russa na eleição americana, e se membros da equipe de Trump estariam de alguma forma vinculados a isso.

Segundo uma notícia que o New York Times publicou ontem, com base no testemunho de duas pessoas próximas a ele, Comey escreveu um memorando em fevereiro dizendo que o presidente lhe pediu que interrompesse a investigação sobre o general Michael Flynn, o conselheiro de segurança nacional nomeado por Trump. Flynn renunciara alguns dias antes, quando vieram à tona evidências de que ele escondeu do presidente o teor de suas conversas com o embaixador russo nos Estados Unidos. Comey não atendeu o pedido: Flynn continua a ser investigado por ligações financeiras com a Rússia e com a Turquia.

Outro ponto de atrito foi que Comey desmentiu a acusação de Trump de que, durante as eleições, o presidente Barack Obama havia mandado colocar escutas nos telefones dele.

Mais tarde, Trump desistiu de processar Hillary por causa da resistência de Comey. Durante a campanha, Trump havia dito que se fosse eleito colocaria sua adversária na cadeia por conta do vazamento de emails (Hillary usava um telefone particular para enviar mensagens sensíveis do governo, em vez do telefone criptografado que era obrigada a usar).

A gota d’água parece ter vindo no início de maio, quando Comey prestou testemunho a um comitê do Senado e disse sentir-se “levemente nauseado” ao pensar que sua decisão de notificar o Congresso sobre os emails de Hillary “possa ter tido algum impacto na eleição”. Ao assistir aos noticiários da TV no domingo sobre o assunto, Trump ficou furioso. Na semana seguinte, pediu ao procurador geral e ao vice-procurador geral que encontrassem um motivo para demitir Comey.

Trump vs. sua própria equipe

Comey estava no cargo havia três anos. Seu mandato era de dez. O período é longo justamente para evitar que o Poder Executivo tenha uma influência determinante sobre alguém que pode se ver na situação de investigar o presidente.

Entretanto, faz parte dos poderes do presidente demitir um diretor do FBI. E Comey parecia ter atingido uma certa unanimidade: desgostava democratas e republicanos. O problema não foi tanto a demissão, e sim os motivos.

A primeira impressão – dado o espírito intempestivo de Trump – era que Comey tinha sido mandado embora porque se recusou a encerrar uma investigação que é no mínimo embaraçosa para o presidente, sobre o apoio russo para a sua eleição. Ao contrário, pouco antes de ser demitido ele pediu mais recursos para prosseguir na investigação.

Os russos, que os americanos enfrentaram durante meio século numa Guerra Fria e em quem até hoje não têm plena confiança, são uma espécie de fantasma político no país – basta ver uma das séries de maior sucesso atualmente na TV a cabo, Os Americanos, sobre um casal de espiões russos infiltrados no país na década de 1980.

O assunto já seria sensível o bastante, mas Trump ainda o torna mais delicado com constantes declarações de admiração a Vladimir Putin, um ex-agente da KGB, a polícia secreta soviética, que se tornou primeiro-ministro, depois presidente, depois primeiro-ministro, depois presidente de novo e está no poder há 18 anos na Rússia.

Dado o potencial de crise da demissão de Comey e ante as primeiras reações de susto, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, apressou-se em declarar que Trump havia demitido Comey seguindo as claras recomendações do procurador geral e do vice-procurador geral.

Não foi nem preciso investigar muito para derrubar essa versão da história. O próprio Trump a desmentiu, numa entrevista com a rede de TV NBC, dizendo: “não importa a recomendação, eu ia demitir Comey”. Pior. Revelou o motivo: “Quando decidi simplesmente fazer isso, eu disse a mim mesmo que Trump e Rússia é uma história fabricada”.

Trump vs. a inteligência

A essa altura, a grande questão já não é tanto se Trump ou sua equipe tramaram com os russos para influenciar a eleição americana (algo pouquíssimo provável), mas se ele tentou obstruir uma investigação (algo muitíssimo provável).

Basta lembrar que esta acusação foi central nos dois processos de impeachment que o país teve nos últimos 50 anos – de Nixon e do presidente Bill Clinton, que quase perdeu o cargo por ter cometido perjúrio, ao dizer que não havia tido relações sexuais com Monica Lewinsky, então uma trainee da Casa Branca.

“Acho que estamos em território de impeachment”, disse na CNN o analista político David Gergen, que já foi assessor de quatro presidentes, tanto republicanos quanto democratas (inclusive Nixon).

A possibilidade de um processo ainda é pequena, mas Trump não se cansa de trazer lenha para a fogueira. No dia 12, ele sugeriu em seu Twitter que poderia ter gravações de suas conversas com Comey. Imediatamente começaram as pressões para saber se há gravações e, em caso positivo, exigir que elas sejam entregues ao Congresso.

Três dias depois, o jornal Washington Post afirmou que Trump revelou ao embaixador e ao ministro do Exterior russos, na semana passada, informações altamente secretas da comunidade de inteligência dos Estados Unidos.

A informação tinha a ver com um plano de ataque do Estado Islâmico, de acordo com dois funcionários do governo. Aparentemente, foi obtida pelo serviço de espionagem de Israel, e era tão delicada que havia sido compartilhada com pouquíssimas pessoas do governo americano, e não havia sido passada para países aliados.

Trump a teria revelado aos russos por um descuido, quando estava se gabando da eficiência de seu governo. O que ele fez não é ilegal, mas vai contra a etiqueta dos serviços de inteligência e poderia comprometer as relações entre aliados. Até porque a Rússia tem laços com países árabes onde a informação foi provavelmente colhida e poderia estragar os esforços israelenses.

O incidente foi mais uma ranhura na relação entre Trump e a comunidade de inteligência. Primeiro, as invectivas de Trump contra os imigrantes e suas tentativas de barrar a entrada de estrangeiros de países muçulmanos tornam muito mais difícil arregimentar colaboradores e informantes, como escreveu o ex-vice-diretor da CIA David S. Cohen (nenhum parentesco com o autor deste artigo) em artigo no New York Times. Seus elogios a autocratas como Putin, Abdel el-Sisi (do Egito) e Recep Erdogan (Turquia) também solapam a imagem dos Estados Unidos como campeões da luta pelos direitos humanos e pela justiça, o que prejudica ainda mais o recrutamento de espiões.

A demissão de Comey transformou esse desconforto em irritação, tanto no departamento de Justiça quanto no FBI, disseram agentes das duas instituições ao Washington Post. Não apenas a demissão foi vista por muitos funcionários como injustificada, mas a maneira como foi implementada foi considerada desrespeitosa: um guarda-costas de Trump foi entregar uma carta a Comey, e não o encontrou no escritório; ele estava em viagem a Los Angeles e ficou sabendo de sua demissão pela TV.

Um dos agentes que trabalham nas investigações sobre espionagem russa disse ao jornal que o pessoal está “mordido”, e mais determinado que nunca para trabalhar nesses casos. “Trump essencialmente declarou guerra a um monte de gente no FBI”, disse outro agente. “Acho que vai haver um esforço concentrado para responder na mesma moeda.”

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