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'Trumpulence': efeito Trump tem vários lados e deve beneficiar Brasil, diz Marcos Troyjo

Ex-presidente do banco do Brics avalia ainda que cenário poderá beneficiar o Brasil de duas formas

Marcos Troyjo, ex-presidente do NDB, o banco do Brics (Um Brasil/Divulgação)

Marcos Troyjo, ex-presidente do NDB, o banco do Brics (Um Brasil/Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 24 de abril de 2025 às 14h21.

Última atualização em 24 de abril de 2025 às 16h19.

O mundo passa por um momento de turbulência econômica, gerada pelas medidas do presidente dos EUA, Donald Trump, que deve esfriar o crescimento global, como apontou o FMI nesta semana. Para Marcos Troyjo, ex-presidente do New Development Bank (NDB), o banco dos Brics, o cenário atual poderia ser descrito como uma "Trumpulence", uma turbulência que tem vários lados e consequências.

Um deles é uma incoerência. Trump busca mudar as regras globais em favor dos Estados Unidos, que ele diz que estariam prejudicando seu país. No entanto, os Estados Unidos vivem um momento singular de grande riqueza. Nos últimos anos, a renda americana se afastou muito da europeia, e mesmo o estado americano mais pobre, o Mississippi, tem renda per capita maior do que quase todos os países da Europa.

Troyjo foi secretário especial de Comércio Exterior durante o governo de Jair Bolsonaro. Também foi diplomata brasileiro por dez anos, quando atuou na ONU, e diretor do BRIClab, centro de estudos sobre o Brics da Universidade de Columbia. Ele avalia que o movimento atual poderá trazer benefícios ao Brasil. Veja abaixo a entrevista, feita após um evento da Eurocâmaras em São Paulo, nesta quinta, 24.

Na palestra, o senhor citou o termo "Trumpulência" para definir o cenário atual em relação aos efeitos das tarifas de Trump. Poderia detalhá-lo?

O termo "Trumpulência" é um jogo de palavras com três ideias. Essa turbulência em alguns casos não é necessariamente negativa. Se essa chacoalhada conduzir uma modernização da organização mundial dos métodos de trabalho e da eficiência, será um resultado bem-vindo. Se você tiver uma melhor distribuição orçamentária, na contribuição de cada estado-membro para o esforço de defesa da Otan, é um resultado bem-vindo. Apesar de você ter um método turbulento, ou 'Trumpulento', o resultado, no limite, pode ser bem-vindo. Mas o conceito brinca com duas outras ideias.

Quais são elas?

Uma é a ideia de opulência. Os Estados Unidos, em muitas métricas, têm um desempenho impressionante: tem PIB de 30 trilhões de dólares. O seu estado mais pobre, o Mississippi, tem uma renda per capita superior a quatro dos sete membros do G7. Das 10 maiores empresas do mundo por market cap [valor de mercado] 9 são norte-americanas, então tudo isso mostra o momento de que, ao contrário do que entendem alguns, não há declínio econômico americano. Pelo contrário, há uma apreciação do poder relativo dos Estados Unidos. Mas a existe também a ideia de incoerência.  Você tem internamente um movimento muito robusto de desregulamentação, desburocratização, uma tentativa de barateamento da energia disponível, de retomar a industrialização, e há um movimento de corte de impostos.

Quais serão as consequências disso?

Quando isso é colocado ao lado de uma política comercial muito restritiva, e vamos lembrar que nenhum país tem tantas empresas multinacionais como os Estados Unidos, uma parte importante do investimento americano externo em anos recentes vai passar por um processo de depreciação artificialmente acelerada. Isso vai ter que ser registrado nos resultados contábeis e quando isso é acrescido pela necessidade de você remontar parques fabris em outras partes do mundo, e particularmente no próprio território americano, isso vai exigir um novo esforço de caixa que vai mais uma vez machucar o desempenho do pagamento de dividendos e, portanto, dos índices dos mercados de ações nos Estados Unidos.

Quais poderão ser os efeitos dessa transição para o Brasil? O país poderá se beneficiar?

A gente deve esperar um aumento do fluxo de exportações brasileiras para a China. Ao longo do século 21, o principal exportador de alimentos para a China foram os Estados Unidos. Até mais ou menos 2018, 2019, quando o Brasil ultrapassou os Estados Unidos. Mas até recentemente eles ainda eram um fornecedor importante.
No momento em que o governo chinês retalia os Estados os americanos, em áreas como sorgo, milho, soja, carne bovina, suína, de frango, talvez o único país do mundo que tenha a capacidade tanto em termos de velocidade, quanto que temos em escala de fornecer um substituto quase que automático, é o Brasil.

Além das exportações, poderá haver outros benefícios ao Brasil?

Hoje existem muitas restrições ao investimento chinês na Europa e nos Estados Unidos. Os chineses não estão exatamente satisfeitos com seus investimentos no continente africano. Tudo isso realça a atratividade de um país que tem grandes complementaridades com a China como o Brasil. Além disso, a minha impressão é que se você fizer uma espécie de geografia dos polos interessantes de investimento novo, os dados da OCDE mostram a China vem declinando vertiginosamente na preferência de investidores. A Rússia não é necessariamente uma opção. Há uma incerteza em relação ao mercado americano. Tudo isso realça também o Brasil.

E haveria possíveis efeitos negativos ao país?

Quando o clima a economia global esfria, como o Fundo Monetário Internacional projetou nesses últimos dias, isso tende a ser ruim para todo mundo, mais para uns do que para outros. No Brasil, é curioso, porque o cenário atual, em geral, é bastante arriscado, tem muita incerteza, mas ele não é necessariamente ruim para o Brasil.

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