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Transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém é uma boa ideia?

Promessa de campanha de Bolsonaro, transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém causa angústia entre aliados e parceiros comerciais

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (Menahem Kahana/Pool/Reuters)

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (Menahem Kahana/Pool/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 9 de abril de 2019 às 06h00.

Última atualização em 9 de abril de 2019 às 12h13.

São Paulo – Uma possível transferência da embaixada do Brasil em Israel, hoje baseada em Tel Aviv, para Jerusalém, cidade disputada por árabes e israelenses é uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro que vira e mexe volta aos holofotes. Há poucos dias, não foi diferente: durante viagem do presidente à Israel, foi criada a expectativa de que essa medida seria oficializada.

No entanto, Bolsonaro voltou atrás e anunciou apenas a abertura de um escritório brasileiro de negócios em Jerusalém, algo significativamente menor do que transferir a representação diplomática oficial, que tampouco foi retirada da mesa. Poderia até ser uma saída discreta, mas acabou sendo o suficiente para causar ansiedade entre aliados e importantes parceiros comerciais.

Especialistas ouvidos por EXAME avaliam que, se o governo Bolsonaro seguir adiante com o plano de levar a embaixada para Jerusalém, terá de se preparar para os impactos negativos de ordem econômica, diplomática e política. Entre os entrevistados, a mera possibilidade de que isso poderá acontecer é vista com preocupação.

“A colaboração entre Brasil e Israel na área da ciência e da tecnologia é boa, mas não acredito que o país deva se envolver politicamente no Oriente Médio, uma das regiões mais complexas do mundo”, diz o diplomata Marcos Azambuja. Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Ele classificou a ideia brasileira como “perigosa” e uma “perturbação” na relação com o mundo árabe, até então estável e equilibrada.

A criação de uma atmosfera de desconfiança com esses países talvez seja o primeiro e mais imediato impacto da consolidação dessa transferência, uma vez que também enxergam Jerusalém como uma cidade sagrada, tal qual os judeus e cristãos. A questão é que países do Oriente Médio e a Turquia representam um importante mercado de exportação do Brasil, avaliado em 16 bilhões de dólares. Desse total, menos de 3% são de Israel.

Uma possível retaliação por parte dos árabes, portanto, atingiria em cheio grandes empresas brasileiras que atuam nesse mercado e é algo que já está agitando os ânimos da bancada ruralista, uma das maiores fiadoras do governo no Congresso. Os sinais estão na mesa: a Liga Árabe, que reúne países como Arábia Saudita, Egito e Líbano, já disse que irá reagir se essa transferência se consolidar.

Para o cientista político americano Peter Hakim, do centro de pesquisas The Inter-American Dialogue e um dos maiores pesquisadores de política externa da América Latina, a atitude do governo brasileiro também traz riscos para a imagem do país ante a comunidade internacional, especialmente entre os países comprometidos com a paz no Oriente Médio.

Não à toa, lembrou, a maioria dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) mantém as embaixadas em Tel Aviv, cidade que é considerada pela comunidade internacional como a capital de facto de Israel. Na contramão, está o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cujos passos vêm sendo seguidos de perto pelo presidente brasileiro.

Trump anunciou a transferência da embaixada americana para Jerusalém em 2017 e foi quase que imediatamente seguido por um grupo pequeno de países como Paraguai, Guatemala e Honduras. Ao considerar mudar a sua embaixada, diz Hakim, o governo Bolsonaro mostra que o Brasil está perdendo a capacidade de agir como ator independente na política externa, um rompimento da sua histórica tradição diplomática.

“Qualquer país que deseje ter uma presença e uma influência internacional precisa estabelecer uma política externa consistente, e isso é algo que o Brasil fez por muitos anos apesar dos enormes desafios que enfrentou até a ascensão de Bolsonaro”, diz o especialista. O momento, agora, é de ameaça ao prestígio internacional que o país conquistou.

É bem verdade que a ideia de transferir a embaixada não é novidade. Durante sua campanha, Bolsonaro falou abertamente sobre o tema na tentativa de conquistar o eleitorado conservador evangélico, aproveitando para se aproximar de Trump para alavancar relações bilaterais com os EUA e estreitar laços com Israel.

Na medida em que a realidade das relações exteriores se impôs aos anseios presidenciais, contudo, o fato é que Bolsonaro reduziu o tom, anunciando, por enquanto, apenas a abertura de um escritório em Jerusalém. Ainda assim, a possibilidade de transferência não foi totalmente rejeitada pelo governo, apesar de as vantagens dessa iniciativa não serem claras.

“Eu não vejo qualquer benefício nessa história”, diz Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV, lembrando que Israel nunca considerou a transferência uma pré-condição para manter uma boa relação com o Brasil. “O país tem uma excelente relação com a Índia, por exemplo, que reconhece a Palestina enquanto Estado”, afirma.

Ainda segundo o especialista, pesquisador da relação entre o Brasil e o Oriente Médio, a estratégia de Bolsonaro de anunciar o escritório acabou sendo pior do que o debate sobre transferir ou não a embaixada. De uma vez, o governo desagradou o eleitorado evangélico, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e todo o mundo árabe. “A foto com Netanyahu ficou ótima, mas isso não vai resolver as angústias que o governo criou”, diz Casarões.

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