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Tarifaço de Trump deve provocar impacto similar ao da covid nos EUA

Até meados de maio, empresas terão de repor estoques. Grandes varejistas, como Walmart e Target, alertaram em reunião na semana passada com o presidente que podem faltar produtos nas gôndolas

Agência o Globo
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Publicado em 28 de abril de 2025 às 14h30.

Última atualização em 28 de abril de 2025 às 14h46.

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A ofensiva tarifária do presidente Donald Trump vem agitando Washington e Wall Street há quase um mês. Se a guerra comercial persistir, a próxima onda de turbulência atingirá muito mais de perto o cotidiano dos americanos.

Desde que os Estados Unidos aumentaram as tarifas sobre a China para 145% no início de abril, as importações de produtos chineses para o mercado americano despencaram — talvez em até 60%, segundo uma estimativa. Essa drástica redução no fluxo de mercadorias de um dos maiores parceiros comerciais dos EUA ainda não foi sentida pela maioria dos americanos, mas isso está prestes a mudar.

Até meados de maio, milhares de empresas — grandes e pequenas — precisarão reabastecer seus estoques. Grandes varejistas como Walmart e Target disseram a Trump, em uma reunião na semana passada, que os consumidores provavelmente enfrentarão prateleiras vazias e preços mais altos.

Torsten Slok, economista-chefe da Apollo Management, alertou recentemente sobre a possibilidade iminente de “falta de produtos semelhante à da covid” e demissões significativas em setores como transporte rodoviário, logística e varejo.

Embora Trump tenha dado sinais nos últimos dias de que estaria disposto a flexibilizar as tarifas de importação impostas à China e a outros países, pode ser tarde demais para impedir que um choque de oferta reverbere por toda a economia americana — e que talvez dure até o Natal. Nesta segunda-feira, o secretário de Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou que 'cabe à China reduzir a escalada' na guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.

— O relógio está definitivamente correndo — disse Jim Gerson, presidente da The Gerson Companies, uma fornecedora de decorações natalinas e velas para grandes varejistas dos EUA, com 84 anos de história.

A empresa, sediada em Olathe, Kansas, obtém mais da metade de seus produtos da China e atualmente tem cerca de 250 contêineres aguardando embarque.

— Precisamos resolver isso — disse Gerson, que representa a terceira geração de sua família à frente da empresa, que gera aproximadamente US$ 100 milhões em vendas anuais. — E, espero, muito em breve.

Retomada provocará atrasos e alta nos custos

Mesmo quando as hostilidades diminuírem, reiniciar o comércio transpacífico trará riscos adicionais. A indústria de frete reduziu sua capacidade para se ajustar à demanda mais fraca. Isso significa que um aumento de pedidos provocado por um relaxamento entre as superpotências provavelmente sobrecarregará a rede, causando atrasos e aumentando os custos.

Um cenário semelhante se desenrolou durante a pandemia, quando os preços dos contêineres quadruplicaram e um excesso de navios cargueiros congestionou os portos.

— Haverá um aumento nos portos e, consequentemente, para os caminhões e trens, criando atrasos e gargalos — disse Lars Jensen, CEO da consultoria de transporte marítimo Vespucci Maritime. — Os portos são projetados para fluxos estáveis, não para os deslocamentos de volume intermitentes.

Meses críticos para as encomendas do varejo

As tarifas dos EUA sobre a China chegaram em um momento crítico para o setor de varejo. Março e abril são os meses em que os fornecedores começam a aumentar os estoques para o segundo semestre do ano, para atender aos pedidos de compras de volta às aulas e Natal. Para muitas empresas, os primeiros produtos para o Natal devem estar a caminho dos EUA em cerca de duas semanas.

— Estamos paralisados — disse Jay Foreman, CEO da fabricante de brinquedos Basic Fun em Boca Raton, na Flórida, que abastece grandes clientes de varejo, como Amazon e Walmart.

Ele chamou as tarifas de um “embargo de facto” e disse que os clientes têm, por enquanto, apenas pausado os pedidos, mas ele espera que comecem a cancelá-los se as tarifas sobre a China permanecerem nesse nível por muito tempo.

— Temos pela frente algumas semanas, depois começa a doer de verdade — disse Foreman, cuja empresa gera cerca de US$ 200 milhões em vendas por ano e obtém cerca de 90% dos produtos da China. — Estamos em um período em que o dano é gerenciável, mas a cada semana o nível de dano vai aumentar.

Choque de oferta

A ponta desse choque de oferta é evidente na Ásia. Atualmente, há cerca de 40 navios cargueiros que recentemente pararam nos portos da China e agora estão a caminho dos EUA, uma queda de cerca de 40% desde o início de abril, de acordo com o rastreamento de navios compilado pela Bloomberg.

Esses navios estão carregando cerca de 320 mil contêineres, segundo os dados, cerca de um terço a menos do que logo após Trump anunciar que aumentaria as tarifas sobre quase todos os produtos da China para 145%.

Judah Levine, chefe de pesquisa na plataforma de reservas de carga Freightos, disse que muitos importadores dos EUA estarão antecipando pedidos de outros parceiros comerciais americanos durante o período de 90 dias de moratória sobre as chamadas tarifas recíprocas de Trump. Isso pode ajudar a amortecer qualquer choque centrado na China por meio dos portos e redes logísticas.

Com os produtos chineses muito caros, alguns proprietários de carga nos EUA estão recorrendo a fornecedores no Sudeste Asiático.

A Hapag-Lloyd AG, a quinta maior transportadora de contêineres do mundo, disse em um comunicado por e-mail na semana passada que está vendo cancelamentos de cerca de 30% das reservas da China para os EUA. Mas os negócios aumentaram consideravelmente com exportadores do Camboja, Tailândia e Vietnã, disse a empresa, com sede em Hamburgo, Alemanha.

No entanto, o efeito rebote na economia ainda pode ser difícil de navegar nos próximos meses, disse Levine.

— É provável que haja uma desaceleração significativa, e o reinício pode causar algum congestionamento, com a força da recuperação e a interrupção resultante provavelmente correlacionadas à duração da pausa — disse ele.

Com a demanda por produtos da China para os EUA caindo rapidamente, os transportadores de carga reduziram a capacidade para evitar que as tarifas de frete marítimo desabassem. Em abril, houve cerca de 80 cancelamentos de viagens da China para os EUA, aproximadamente 60% mais do que qualquer mês durante a pandemia de covid, segundo dados citados por John McCown, um veterano executivo da indústria.

— O setor de transporte marítimo de contêineres nunca enfrentou os ventos macroeconômicos que enfrenta agora — disse McCown em uma nota de pesquisa recente.

A Organização Mundial do Comércio alertou que os bens negociados entre os EUA e a China podem diminuir até 80%, apoiando a descrição do Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, de que a situação atual é essencialmente um embargo comercial.

Analistas entrevistados pela Bloomberg esperam que as importações caiam a uma taxa anual de 7% no segundo trimestre — o que representaria a maior queda desde o início da pandemia.

O choque de oferta iminente levou os economistas a revisar suas previsões de inflação, porque isso poderia pressionar os preços para cima. Executivos dizem que os preços dos produtos da China podem dobrar em alguns itens. E isso aconteceria em um momento em que o sentimento do consumidor está se deteriorando rapidamente.

Se a guerra comercial dos EUA com a China continuar por mais algumas semanas, fornecedores e varejistas terão de tomar algumas decisões difíceis sobre o segundo semestre do ano, incluindo quais produtos enviar e quanto aumentar os preços.

Os fornecedores esperam que muitos pedidos sejam cancelados. Isso fará com que os varejistas busquem produtos nos EUA e em outros mercados para preencher as prateleiras, mesmo que sejam de Natal passado. Também será um grande impacto financeiro que muitas empresas provavelmente responderão cortando custos, incluindo empregos, ou assumindo dívidas caras.

Para Foreman, as últimas semanas lhe lembram a pandemia, mas há diferenças importantes. O bloqueio causado pela covid foi um choque, mas as cadeias de suprimento globais se recuperaram relativamente rápido e vários setores, incluindo brinquedos, tiveram anos recordes.

Agora, o quadro tem potencial de ser “mais traiçoeiro porque, quanto mais isso durar, mais catastrófico será”, disse ele. A covid também estava cheia de muitas incógnitas sobre o vírus e quanto tempo demoraria para a recuperação. Esse dilema poderia ser amenizado se Trump removesse as tarifas a qualquer momento.

— Os efeitos prolongados podem ser piores. Mas a solução pode vir muito mais rápido — disse Foreman.

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