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Seul: a ameaça mora ao Norte

Flávia Furlan, de Seul O dia 9 de setembro era só mais uma sexta-feira comum e agradável de outono em Seul, a capital da Coreia do Sul. Na praça central, em frente ao prédio da Prefeitura, acontecia uma grande feira cultural. Barracas de madeira de diferentes cidades vendiam produtos típicos, como potes de mel e […]

DECK DE OBSERVAÇÃO NA COREIA DO SUL: atração turística de onde se vê uma cidade que serve como propaganda do regime norte-coreano / Kim Hong-Ji/ Reuters (Kim Hong-Ji/Reuters)

DECK DE OBSERVAÇÃO NA COREIA DO SUL: atração turística de onde se vê uma cidade que serve como propaganda do regime norte-coreano / Kim Hong-Ji/ Reuters (Kim Hong-Ji/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 14 de setembro de 2016 às 16h00.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.

Flávia Furlan, de Seul

O dia 9 de setembro era só mais uma sexta-feira comum e agradável de outono em Seul, a capital da Coreia do Sul. Na praça central, em frente ao prédio da Prefeitura, acontecia uma grande feira cultural. Barracas de madeira de diferentes cidades vendiam produtos típicos, como potes de mel e garrafas de soju, o destilado do arroz típico do país. Turistas compravam ingressos para visitar o Palácio de Deoksugung, uma das construções do século XV que sobreviveram à ocupação japonesa. A tradicional cerimônia de troca da guarda, aos sons de tambores e trompetes, saiu pontualmente às 11h. Logo as crianças sairiam de uniforme azul-marinho das escolas e os trabalhadores interromperiam o expediente para almoçar o bibimbap, prato coreano que mistura numa tigela arroz, carne e vegetais num molho apimentado. Rotina, enfim.

Mas o dia não tinha nada de normal – pelo menos, não aos olhos do resto do mundo. Naquela mesma manhã de sexta-feira, exatamente às 9h30, a Coreia do Norte fez o quinto e maior teste nuclear de sua história, na data que celebra o aniversário do regime comunista, instaurado em 1948. A televisão estatal norte-coreana anunciou que o teste era uma resposta às sanções que as Nações Unidas fizeram ao país em março, quando ocorreu o último teste nuclear do país. Desde então, está proibido o fornecimento de todos os tipos de combustível de aviação e a locação ou fretamento de navios e aviões para a Coreia do Norte.

Após o novo teste, o Conselho de Segurança das Nações Unidas se reuniu para tratar de novas sanções. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que as provocações teriam consequências sérias. O primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, afirmou que o teste era absolutamente inaceitável. A China chamou o embaixador norte-coreano em Pequim para prestar esclarecimentos. Na Coreia do Sul, a presidente Park Geun-hye tomou os testes como um desafio contra a comunidade internacional. Disse que o líder norte-coreano está apresentando um ‘atrevimento maníaco’.

O ditador Kim Jong-Un assumiu em dezembro de 2011, após a morte do pai, Kim Jong-il. Segundo as fofocas que circulam em Seul, aos 33 anos, Kim Jong-un já fez cerca de seis cirurgias plásticas para ficar mais parecido com o pai. O motivo: ele não é adorado como o antecessor. Por isso, usa da força para manter o poder. Não poupa nem mesmo os familiares. Executou um tio em 2011 pelas críticas que fez a projetos megalomaníacos do ditador, como um resort de esqui e um parque aquático, diante da situação ruim da economia do país. E matou envenenada a tia em 2013, depois que ela reclamou da morte do marido.

Seul mantém uma rotina incrivelmente normal, mas a tensão é crescente. O Chosun Ilbo, maior periódico da Coreia do Sul e que tem uma linha mais conservadora, defende que o ditador Kim Jong-un seja derrubado à força. O Hankyoreh, de esquerda, afirma que as sanções não bastam e que é preciso pensar numa nova estratégia. Cerca de 1 milhão de pessoas no Sul esperam pela permissão para visitar os parentes no Norte, mas as autorizações estão suspensas. O complexo industrial de Kaesong, que funcionava desde 2004 na fronteira entre os países, fechou em fevereiro. As 123 empresas sul-coreanas do setor de confecção, eletrônico e químico ali instaladas tiveram os bens bloqueados. Cerca de 53.000 norte-coreanos e 900 sul-coreanos trabalhavam ali. Uma linha de trem que liga Seul a Pyongyang, construída em 2001, está fechada. Há estação, há trilhos, há trem, mas ninguém passa da fronteira.

De certa forma, a divisão das Coreias se transformou num assunto interessante e exótico para todo o mundo – e o Sul sabe se aproveitar disso. Todos os dias, ônibus de agências de turismo saem numa viagem de 50 minutos de Seul até a província de Gyeonggi para visitar a Zona Desmilitarizada da Coreia, uma faixa de segurança que protege a fronteira dos países com extensão de 4 quilômetros de largura e 238 quilômetros de comprimento. De dentro do ônibus, não é permitido tirar foto e é preciso apresentar o passaporte para entrar na zona. Meninos de 18 a 25 anos, vestidos com a roupa do exercito sul-coreano, sobem ao ônibus para checar a identificação de cada passageiro. Uma das atrações é o observatório de onde é possível ver a Coreia do Norte, o mais perto que se pode chegar do país. Ali, os sul-coreanos contam a história de quando hastearam uma bandeira e o Norte, logo em seguida, construiu uma haste maior, numa disputa quase infantil. Também é possível visitar um dos quatro túneis construídos pelo Norte para invadir o Sul. Um lugar quente, apertado e com marcas amarela na parede, onde, nos planos megalomaníacos do regime, seriam colocadas dinamites para mandar os vizinhos pelos ares.

Entre os moradores de Seul, a reação dos idosos é muito mais forte às ameaças vindas de cima. No dia seguinte ao teste nuclear, eles eram maioria numa manifestação que queimou imagens do ditador norte-coreano. Enquanto os mais velhos ainda se ressentem da guerra que separou a Coreia, na década de 1950, e sentem a falta dos parentes do outro lado da fronteira, os mais jovens simplesmente deixaram o assunto para lá. Estão mais preocupados em estudar como loucos para abrir o próprio negócio e fundar o próximo Facebook — a nova moda em Seul é ter uma startup.

Pesquisas recentes conduzidas no país mostram que 75% dos sul-coreanos acreditam que é quase impossível resolver o problema entre os países. Em agosto do ano passado, o americano Paul Sneed, professor do Departamento de Literatura da Universidade de Seul, deu uma entrevista de rua à televisão coreana dizendo que estava assustado com os testes norte-coreanos e que queria que a situação entre os países se resolvesse. “Os colegas na universidade acharam graça”, afirma. “Como a ameaça está ali a vida toda, eles simplesmente resolveram seguir em frente.” Entre testes nucleares e bibimbaps, Seul segue seu rumo.

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