A tragédia, que comoveu a sociedade senegalesa, transformou-se no segundo maior desastre marítimo civil da história (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 3 de outubro de 2013 às 19h49.
Dacar .- O Senegal lembra nesta quarta-feira o décimo aniversário do naufrágio da embarcação ''Le Joola'', no qual morreram 1.863 pessoas, enquanto os familiares das vítimas ainda clamam por justiça.
''Para nós continua viva a dor causada pela morte dos nossos parentes. Acrescentamos a isso um sentimento de profunda frustração pelo tratamento das autoridades ao caso'', disse à Agência Efe Idrissa Diallo, presidente de uma das associações de famílias das vítimas.
A tragédia, que comoveu a sociedade senegalesa, transformou-se no segundo maior desastre marítimo civil da história, depois do acidente do ''MV Doña Paz'',em 1987, nas Filipinas, que terminou com quatro mil mortos.
As vidas humanas perdidas no naufrágio da embarcação senegalesa superaram amplamente as do ''Titanic'' - a terceira pior catástrofe marítima civil - cujo naufrágio em 1912 matou mais de 1.500 pessoas. Uma série de cerimônias religiosas em igrejas e mesquitas; reuniões cívicas e recitais de poemas em lugares públicos; atividades culturais e esportivas estão previstos para lembrar a tragédia.
Além disso, familiares das vítimas organizaram visitas aos cemitérios de Dacar e das localidades de Zinguichor e Kafountine, assim como em Banjul (capital da Gâmbia), onde estão sepultados alguns dos mortos do naufrágio.
''Le Joola'', de propriedade estatal, fazia a rota entre Dacar e Ziguinchor, capital da região de Casamance, e afundou por conta de uma tempestade na noite de 26 de setembro de 2002 em frente à costa da Gâmbia, país rodeado pelo território senegalês.
Entre os quase 2 mil passageiros de 11 países que viajavam no barco, havia 400 estudantes que voltavam de suas férias, e dezenas de turistas europeus, mas só 64 pessoas sobreviveram.
''Dez anos depois, as vítimas permanecem no fundo do mar junto com a embarcação, pois o governo se nega a içar o navio para recuperarmos os corpos e sepultá-los'', lamenta Diallo, que perdeu três filhos no desastre.
Após uma operação de resgate que durou vários dias, as autoridades senegalesas conseguiram recuperar 600 corpos, sendo que a maioria não pôde ser identificada.
''As operações de resgate dos serviços oficiais foram tardias, mal organizadas e com uma péssima coordenação, já que o alerta foi dado com atraso de várias horas'', disse à Efe Nassardine Haidara, que perdeu quatro filhos no desastre.
Uma investigação oficial chegou à conclusão de que apesar das fortes ondas, o acidente foi produto da ''negligência e de numerosos erros humanos'', pois a embarcação tinha capacidade para 550 passageiros.
Além disso, o navio, fabricado na Alemanha e adquirido em 1990, tinha retomado suas operações três semanas antes do naufrágio após uma revisão nos seus motores.
Os investigadores concluíram que ''Le Joola'' não estava dentro das normas de segurança em matéria de navegabilidade, e portanto não deveria estar operando.
A comissão de investigação chegou a acusar de negligência a marinha mercante, a marinha e a força aérea senegalesas.
Os ministros de Infraestrutura do Estado e Defesa, responsáveis pela gestão técnica e administrativa da embarcação, renunciaram por conta da pressão popular, que exigia punições contra os responsáveis em manifestações pelas ruas de Dacar.
O chefe da marinha foi destituído e vários ocupantes de altos cargos do exército, inclusive o chefe do Estado-Maior, seguiram seus passos.
No entanto, não foram aplicadas punições judiciais ou administrativas contra os responsáveis. O procurador-geral do país decidiu encerrar o caso após afirmar que o principal causador do acidente, o capitão do navio, também morreu na tragédia.
Entretanto, os familiares das vítimas não se esquecem: ''só a fé em Deus nos permite superar a dor causada pela tragédia'', comenta Haidara, autor do livro ''Às vítimas do naufrágio da embarcação Le Joola, a homenagem de um pai'', publicado em 2003.
''No entanto, continuamos exigindo aos novos dirigentes do país o julgamento do caso, assim como içar do navio e a construção de um mausoléu em homenagem às vítimas''.
Diante da passividade da justiça senegalesa, parentes de dezenas de vítimas francesas apresentaram um requerimento perante os tribunais de seu país, ainda sem data de julgamento, no qual poderiam ser processados sete responsáveis civis e militares senegaleses.
O presidente do Senegal na época da tragédia, Abdoulaye Wade, admitiu a responsabilidade do Estado no fato e ofereceu uma indenização equivalente a cerca de US$ 11.500 por cada vítima.
Mas a oferta foi rejeitada por 20% dos familiares, que acreditam que a vida dos seus parentes não tem preço.