Redação Exame
Publicado em 11 de setembro de 2024 às 10h52.
Última atualização em 11 de setembro de 2024 às 11h05.
Após cerca de 12 horas de intenso debate, interrompido por manifestantes que invadiram a Câmara e uma tentativa da oposição de subir à tribuna, o Senado do México aprovou nos primeiros minutos desta quarta-feira a questionada reforma do Poder Judiciário que, a partir de 2025, permitirá a eleição de juízes por voto popular.
A reforma proposta pelo governo do presidente Andrés Manuel López Obrador, que envolve a alteração da Constituição do México, foi aprovada com 86 votos a favor do governante Movimento de Regeneração Nacional (Morena) e de seus aliados, os Partidos do Trabalho (PT) e Verde Ecologista (PVEM), e 41 contra os partidos de oposição Ação Nacional (PAN), Revolucionário Institucional (PRI) e Movimento Cidadão (MC).
Após essa votação, os senadores iniciaram o debate especificamente sobre 60 artigos reservados no parecer da reforma, que serão discutidos nesta quarta.
O partido no poder procurará agora replicar o mesmo modelo de reforma nos congressos dos 32 estados do México.
Em uma sessão que terminou na antiga sede do Senado mexicano, no Centro Histórico da capital, fortemente vigiada por dezenas de policiais, os senadores do Morena e aliados, junto com os opositores, discutiram ampla e fortemente a polêmica reforma.
À 'supermaioria' do governo no Senado faltou um voto para os 86 exigidos pela maioria qualificada, dois terços dos 128 senadores, mas o senador da oposição Miguel Ángel Yunes, do PAN, votou a favor e a reforma pôde avançar.
A longa jornada foi interrompida durante a tarde por um grupo de opositores à reforma judiciária que invadiu o Senado entre agressões e empurrões para tentar impedir a aprovação do texto, o que obrigou os parlamentares a se deslocarem para a antiga sede da Câmara Alta para prosseguir com a sua sessão legislativa.
Os manifestantes conseguiram acesso ao Plenário do Senado, onde gritaram palavras de ordem e perturbaram a sessão em curso, que precisou ser transferida para a antiga sede daquela câmara, onde também tentaram entrar e em cujo entorno entraram em confronto com a polícia.
O grupo de manifestantes se identificou como trabalhadores do Poder Judiciário, que estão em greve há quase três semanas em protesto contra esta reforma.
Em uma última tentativa de travar a discussão da reforma judicial, por volta das 22h (hora local), os senadores de PRI, PAN e MC tentaram tomar a tribuna do Senado, mas os deputados do Morena e aliados conseguiram impedir.
A reforma judicial, que, além de estabelecer a eleição dos juízes por voto popular, cria um órgão disciplinar para monitorar as sentenças proferidas, é vista por seus detratores como uma tentativa de violar a independência judicial, a democracia mexicana e a divisão de poderes.
As críticas não vieram apenas da oposição mexicana, mas também de organizações da ONU, associações como a Human Rights Watch, organizações internacionais de advogados e parceiros de tratados de América do Norte, Estados Unidos e Canadá.
Aprovada a reforma, haverá eleições populares e campanhas no Poder Judiciário a partir de 2025, o número de membros da Suprema Corte será reduzido de 11 para nove e será criado um Tribunal de Disciplina Judicial.
A discussão no Senado mexicano começou em meio a reclamações da oposição, que acusava o partido no poder, incluindo o Ministério Público, de intimidar os legisladores para garantir os 86 votos, dois terços do total de 128, necessários para modificar a Constituição.
O presidente López Obrador buscou que o Senado aprovasse esta reforma, já referendada pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira, antes de entregar o cargo no próximo dia 1º de outubro à presidente eleita, Claudia Sheinbaum.
A parte central e mais polêmica é a eleição popular de juízes e ministros, incluindo os do Supremo Tribunal.
Serão eleitos em votações extraordinárias, em 2025 e 2027, entre candidatos apresentados pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Até agora, os membros do Supremo Tribunal eram nomeados pelo presidente e aprovados pelo Senado, enquanto o Conselho Federal da Magistratura nomeava juízes e desembargadores após exames e concursos de mérito.
López Obrador garante que as eleições buscam livrar o Judiciário da corrupção, mas a oposição, ONGs e os Estados Unidos alegam que a medida mina a independência judicial e deixa os juízes vulneráveis ao tráfico de drogas, que já afeta a política.
A eleição popular de cerca de 1.600 juízes e magistrados federais, além de membros do Supremo Tribunal, é um caso único.
"Não existe em outros países", afirma Margaret Satterthwaite, relatora especial das Nações Unidas para a independência de juízes e advogados e crítica do projeto.
Embora nos Estados Unidos alguns estados elejam juízes locais, o caso mais semelhante ao do México é o da Bolívia, onde os ministros dos tribunais superiores são eleitos pelo voto popular. Juízes de primeira instância, no entanto, são nomeados por um conselho da Magistratura.
Porém, a independência dos magistrados eleitos foi questionada durante a disputa entre o presidente Luis Arce e seu mentor e ex-presidente socialista Evo Morales (2006-2019).
A reforma reduz o número de ministros do Supremo Tribunal de onze para nove e seus mandatos de 15 para 12 anos.
Também elimina a pensão vitalícia dos ministros e proíbe que seus salários sejam superiores ao do presidente, medida já existente mas não aplicada.
A reforma elimina o Conselho Federal da Magistratura, que administra e fiscaliza a conduta dos funcionários judiciais, e determina a criação de um órgão administrativo e de um Tribunal Judicial Disciplinar.
Este tribunal avaliará e investigará o desempenho dos juízes, encaminhará possíveis casos criminais ao Ministério Público e solicitará julgamentos políticos dos magistrados à Câmara dos Deputados.
No México, onde há cerca de 80 homicídios por dia, a impunidade ultrapassa os 90%, segundo o Supremo Tribunal, que chama a atenção para a necessidade de melhorar as capacidades dos órgãos de investigação antes de promover uma "demolição" do Poder Judiciário.
A reforma incorpora juízes sem rosto ou anônimos para preservar a sua segurança e identidade nos processos contra o crime organizado.
Esta figura é criticada pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no México, por considerar que impede o reconhecimento da idoneidade e competência dos juízes.
A medida foi aplicada em outros países da região. Na Colômbia, foi adotada no final da década de 1980 para enfrentar uma escalada terrorista do tráfico de drogas, mas sua eficácia na proteção dos juízes e na garantia da justiça foi questionada.
Em El Salvador, como parte do estado de exceção promovido pelo presidente Nayib Bukele, as autoridades foram autorizadas a prender milhares de supostos membros de gangues sem mandado, que em seguida são apresentados a juízes sem rosto que podem prorrogar a prisão preventiva.
*Com informações de EFE e AFP