Membros da Guarda Nacional da Venezuela: Jean Carlos César Parra, Carlos Eduardo Zapata e Jorge Luis González Romero mostram suas identidades militares (Ricardo Moraes/Reuters)
AFP
Publicado em 25 de fevereiro de 2019 às 08h45.
Última atualização em 25 de fevereiro de 2019 às 08h47.
O sargento Carlos Eduardo Zapata transformou a ordem de impedir a entrada da ajuda humanitária enviada do Brasil para a Venezuela em uma chance de desertar, cansado de uma vida em que falta de tudo, dentro e fora do quartel.
"Nos comandos (quartéis) militares, não há comida. Não tem colchões, nós os sargentos da Guarda Nacional, estamos dormindo no chão", disse o agora ex-soldado das forças de governo de Nicolás Maduro.
"Estamos cobrindo nossas necessidades com nossos soldos, comprando uniformes e botas. Não temos dinheiro para comprar um litro de leite para nossos filhos, os filhos estão magros", acrescentou.
Zapata deixou no domingo o destacamento fronteiriço onde estava designado, se desfez do uniforme e, depois de caminhar por várias horas por trilhas sob um sol inclemente, entrou em Pacaraima, em solo brasileiro, para pedir refúgio.
Não foi uma decisão fácil, nem repentina. Vinha pensando nisso há tempos, desde que começou a decadência dramática da vida na Venezuela.
"Têm que entender que nós temos medo e tememos por nossos familiares pelo que possa acontecer", disse a jornalistas.
A morte, há cinco dias, de um sobrinho, "em um hospital porque não havia medicamentos"foi a gota d'água. Foi quando decidiu sair.
Segundo ele, a demolidora combinação de hiperinflação e escassez afeta também as patentes baixas das forças armadas.
Zapata foi o terceiro sargento da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) a entrar no Brasil em menos de 24 horas, em um ato de reconhecimento ao líder opositor,Juan Guaidó, como presidente encarregado da Venezuela.
Os outros dois, Jean Carlos César Parra e Jorge Luis González, o fizeram no sábado. Aproveitaram os distúrbios entre suas tropas e os manifestantes que chegaram apoiar a entrada à Venezuela de dois caminhões com ajuda humanitária, uma operação que acabou fracassando.
"Há muitos colegas que querem vir. Quem sustenta Maduro é alto comando militar porque são corruptos", afirmou Zapata.
"Mas não é fácil. De repente, um civil vem para o Brasil e pronto, não acontece nada, pede refúgio e acabou. Nós, os militares, se voltarmos, nos põem presos", acrescentou.
Um dos sargentos da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) que decidiu desertar na fronteira entre Brasil e Venezuela afirmou neste domingo que seus companheiros "têm medo", mas que ele disse basta porque não pode aceitar mais a "ditadura de Nicolás Maduro".
Jorge Luis González Romero desertou na noite do sábado junto com seu companheiro, Jean Carlos César Parra, também sargento da GNB, depois de participar dos incidentes entre forças venezuelanas e manifestantes antichavistas após a fracassada tentativa de entrar com ajuda humanitária no país caribenho.
"Não é fácil tomar essa decisão. Os meus companheiros têm medo. Nós também temos medo. Falta coragem. É preciso ter coragem. Deixamos nossa família. Nossos filhos estão em casa", disse Romero em entrevista coletiva em solo brasileiro, na cidade de Pacaraima.
Parra concordou ao destacar que não há uma deserção em massa porque os militares temem ser perseguidos pelas forças leais ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro.
Ambos estão sendo tratados como refugiados no Brasil e estão hospedados em um centro de abrigo da denominada "Operação Acolhida", iniciativa do Governo brasileiro para acolher os venezuelanos que fogem da crise econômica, social e política sofrida por seu país.
"Já não podemos aceitar mais a ditadura de Nicolás Maduro. Nos cansamos disso. Temos consciência da necessidade do povo da Venezuela e estamos dispostos a ajudar os companheiros que estão do outro lado para que venham aqui", declarou Romero.
Romero ressaltou, além disso, que não querem apoiar o que está acontecendo na Venezuela, com "crianças passando fome e doentes".
"Como venezuelano me desespera. Sou patriota. Sou a favor da ajuda humanitária, e queria que a ajuda tivesse entrado ontem", acrescentou o desertor. EFE