Protestos de moradores no Pavão-Pavãozinho: morte de dançarino do programa Esquenta foi estopim para revolta de jovens, que foram confrontados com disparos de armas de fogo (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 23 de abril de 2014 às 16h55.
A segurança foi reforçada nesta quarta-feira em Copacabana, um dos bairros mais turísticos do Rio de Janeiro, no dia seguinte a violentos enfrentamentos e cenas de destruição que deixaram pelo menos um morto a 50 dias da Copa do Mundo no Brasil.
A violência em uma das áreas mais ricas e turísticas da cidade desperta dúvidas sobre a capacidade das autoridades de garantir a segurança das centenas de milhares de pessoas que visitarão o Rio de Janeiro durante o Mundial, entre 12 de junho e 13 de julho, mas também sobre o sucesso da estratégia de "pacificação" das favelas, impulsionada pelo governo.
Dezenas de policiais militares, entre eles integrantes do Batalhão de Operações Especiais (Bope), patrulhavam nesta quarta-feira os acessos e a comunidade Pavão-Pavãozinho, localizada entre os bairros de Copacabana e Ipanema, constatou uma jornalista da AFP.
Após a violência na noite desta terça-feira, o clima era de aparente calma na região durante o feriado de São Jorge, padroeiro dos policiais, dos bombeiros e seguranças, entre outros, e muito venerado no Rio de Janeiro.
Surfistas chegavam à praia com suas pranchas caminhando entre policiais de elite fortemente armados e dezenas de garis que limpavam os destroços das barricadas que queimaram durante horas nos acessos à favela.
Tiros versus pedras
Ao anoitecer desta terça-feira, a morte violenta do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, de 25 anos, que se apresentava no programa Esquenta, da TV Globo, supostamente nas mãos da polícia, como acusaram alguns moradores do Pavão-Pavãozinho, foi o estopim para a revolta de dezenas de jovens, que desceram o morro em Copacabana e Ipanema e foram confrontados com disparos de armas de fogo, bombas de efeito moral e gás de pimenta pelas forças de ordem.
"A polícia disparava tiros de verdade e os moradores se protegiam como podiam, atirando pedras e garrafas, com caixotes de madeira", contou à AFP nesta quarta-feira uma testemunha dos protestos, um morador de Copacabana que se identificou como Fabio.
Este morador e outros vizinhos contam que um menino de 12 anos também teria morrido nos confrontos, mas a polícia não confirma.
Um jovem de 27 anos levou um tiro na cabeça e morreu durante o protesto na favela pela morte do dançarino.
A polícia informou, na noite de ontem, que Douglas foi encontrado morto, e que seus ferimentos indicavam que ele poderia ter "sofrido uma queda".
Mas o relatório dos médicos legistas, publicado nesta quarta-feira pela imprensa, destaca que sua morte foi causada por "hemorragia interna a raiz de uma laceração pulmonar", causada por ferimento perfurante do tórax. O ferimento poderia ter sido provocado por um tiro.
A violência começou "com manifestações violentíssimas por parte de moradores (da favela), certamente incentivados por marginais, o que culminou com cenas de violência, depredação, objetos queimados, carros queimados", disse nesta quarta-feira à AFP o coronel Frederico Caldas, coordenador geral das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), instaladas em favelas do Rio desde 2008.
Pacificação questionada
"Estamos muito longe de alcançar o ideal de que a comunidade se sinta protegida pela polícia. O objetivo das autoridades, de recuperar o controle do território (nas mãos de traficantes ou milicianos), está em questão em algumas favelas", disse à AFP Ignacio Cano, do Laboratório da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
"É preciso investigar estas mortes, mas é preciso uma avaliação maior do projeto, sobretudo do relacionamento dos moradores com a polícia, que, hoje, depende de cada comandante de cada UPP", afirmou.
Nos últimos meses, a estratégia de "pacificação" do governo tem sido posta à prova por uma série de ataques do tráfico a várias UPPs, assim como pela própria violência policial, com denúncias de torturas e assassinatos de moradores de favelas cometidos pelas próprias forças de ordem.
Para Cano, as UPPs em algumas favelas têm funcionado bem, enquanto há outras, como o Complexo do Alemão ou partes da Rocinha, onde o Estado não tem conseguido assumir o controle do território.
"A política das UPPs mudou a cara do Rio", embora em muitas favelas, como o Pavão-Pavãozinho, "existam desafios muito grandes, já que a venda de drogas ainda é muito lucrativa e a demanda só aumenta", afirmou o coronel Caldas.