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Se resposta do Irã for desproporcional para EUA, haverá escalada militar, diz pesquisador de Harvard

Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, diz que o futuro do conflito dependerá da reação iraniana

Ataques dos EUA ao Irã: reação determinará próximos passos do conflito

Ataques dos EUA ao Irã: reação determinará próximos passos do conflito

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 22 de junho de 2025 às 13h32.

Última atualização em 22 de junho de 2025 às 13h38.

O dia seguinte aos ataques dos Estados Unidos contra três instalações nucleares do Irã gera preocupações sobre os próximos movimentos dos países envolvidos no conflito — e uma possível escalada com consequências militares e econômicas.

Desde o primeiro momento após as superbombas atingirem seu território, o governo iraniano prometeu uma resposta. Segundo Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, o futuro do conflito vai depender da proporcionalidade da reação iraniana.

“O Irã tem capacidade de retaliar diretamente. Possui mísseis balísticos com alcance suficiente para atingir instalações americanas em países do Golfo — como Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã. Também conta com drones de ataque e mísseis de cruzeiro”, afirma em entrevista à EXAME.

O professor afirma que as declarações do Irã indicam que o país se reserva o direito de responder da forma que considerar adequada. Isso inclui, de maneira implícita, o uso do terrorismo.

"Se o Irã fizer algo — como atacar cidadãos ou bases americanas — e a resposta for considerada desproporcional pelos EUA, pode haver escalada", diz.

Brustolin exemplifica que, em 2020, quando os EUA mataram o general Soleimani, o Irã atacou bases americanas no Iraque, mas a reação foi considerada proporcional e os EUA não escalaram o conflito. O pesquisador de Harvard diz ainda que o Irã poderá buscar apoio diplomático de outras potências, como China e Rússia.

“O Irã pode buscar apoio diplomático da China, da Rússia e de países do Sul Global — o Brasil, inclusive, está no meio, já que o Irã faz parte dos BRICS. Fóruns como a ONU e o próprio BRICS são palco para tentativas de condenar os EUA", afirma.

Veja a entrevista completa com Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard.

Como o senhor avalia a entrada dos EUA no conflito? 

Embora o Trump tenha chegado ao poder prometendo não repetir intervenções como no Iraque e no Afeganistão, esse ataque de 22 de junho — ocorrido na madrugada — indica, claramente, uma reversão dramática dessa orientação. Mas foi um ataque pontual. Ele deixou claro que não quer derrubar o governo iraniano, e só fez o pronunciamento depois que os B-2 saíram do espaço aéreo do Irã. Houve um contato diplomático entre Estados Unidos e Irã, com o aviso de que os EUA não escalariam a ofensiva, apenas atuariam na defesa de Israel. Foi uma intervenção cirúrgica. Claro que tudo depende da resposta do Irã: se atacarem os EUA na região, promoverem atentados ou atacarem bases e cidadãos americanos — como já chegaram a declarar que são alvos legítimos — pode haver uma escalada.

Por que você considera que os EUA entraram no conflito agora? 

Os EUA consideraram esse um momento estratégico. Trump avaliou que o Irã ultrapassou um ponto de não-retorno em seu programa nuclear, com enriquecimento de urânio a 60% e um estoque de 408 kg, segundo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica. Isso está muito acima dos limites para uso civil — que são até 20% para fins medicinais e entre 3% a 5% para geração de energia. Além disso, em fevereiro de 2023, a Agência encontrou em Fordow traços de urânio enriquecido a 83,7%, nível suficiente para produzir armamento nuclear. A gente fala em 90% para efeito em cadeia da fissão nuclear, mas com 83,7% já é possível gerar esse tipo de reação.

Qual impacto para o Trump internamente? 

Houve um debate sobre se Trump poderia ordenar o ataque sem autorização do Congresso. A Constituição americana, no Artigo 1º, exige aprovação do Congresso para declarar guerra. Já o Artigo 2º permite que o presidente, como comandante em chefe das Forças Armadas, ordene ações militares sem declaração formal de guerra, em casos de autodefesa ou crise. Se você ler o pronunciamento do Trump, ele argumenta que o Irã ameaça os EUA há mais de 40 anos. Está usando esse argumento para justificar uma ação pontual, sem declaração formal de guerra, sob o pretexto de autodefesa. Acredito que houve um cálculo legal por parte do governo, porque há uma ameaça bipartidária de barrar qualquer intervenção sem autorização do Congresso. Desde 11 de setembro de 2001, os presidentes americanos vêm usando esse artigo com interpretações cada vez mais sensíveis — e contestadas.

O que podemos esperar do conflito após o ataque das forças americanas? 

O que Trump pediu com o ataque foi que o Irã volte à mesa de negociação. Ele espera, na verdade, uma capitulação iraniana, que desista do seu programa nuclear. Provavelmente também vai exigir a redução do programa de mísseis, que ele já criticava no primeiro mandato. Mas o Irã afirmou que não vai recuar e que se reserva o direito de responder da forma que considerar adequada. Isso inclui, de maneira implícita, o uso do terrorismo.

Há espaço real para retomada da diplomacia ou a fase atual é de escalada militar?

O Irã financia abertamente grupos como os Houthis, o Hezbollah, o Hamas e a Jihad Islâmica na Palestina. Também apoiava o regime do Bashar al-Assad, junto com a Rússia. Se o Irã fizer algo — como atacar cidadãos ou bases americanas — e a resposta for considerada desproporcional pelos EUA, pode haver escalada. O Irã lançou 30 mísseis contra Israel agora há pouco, por exemplo. Como cientista, prefiro trabalhar com evidências e fatos. Temos que aguardar a resposta dos dois lados. Mas, sim, dependendo da reação iraniana, pode haver uma escalada militar.

Do ponto de vista militar, o Irã tem capacidade efetiva para retaliar diretamente bases dos Estados Unidos na região?

Sim, o Irã tem capacidade de retaliar diretamente. Possui mísseis balísticos com alcance suficiente para atingir instalações americanas em países do Golfo — como Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã. Também conta com drones de ataque e mísseis de cruzeiro. O Irã não tem capacidade de atingir o território continental dos EUA, mas pode promover atentados contra cidadãos, consulados e embaixadas americanas.

Qual seria a magnitude possível de uma resposta e o que ela poderia desencadear?

A resposta pode incluir ataques coordenados usando proxies — grupos armados aliados, que estão enfraquecidos atualmente, como Hezbollah, Houthis e milícias iraquianas. O Hamas está muito isolado, então nem o colocaria na equação agora. A resposta iraniana pode ser assimétrica: os EUA são militar e economicamente muito superiores. Se houver retaliação considerada desproporcional, o conflito pode se ampliar. Em 2020, quando os EUA mataram o general Soleimani, o Irã atacou bases americanas no Iraque, mas a reação foi considerada proporcional, e os EUA não escalaram. Agora, se for diferente, pode envolver outros países do Golfo, onde estão essas bases.

Além da retaliação militar, que outras opções o Irã ainda possui no campo político ou estratégico? 

O Irã pode buscar apoio diplomático da China, da Rússia e de países do Sul Global — o Brasil, inclusive, está no meio, já que o Irã faz parte dos BRICS. Fóruns como a ONU e o próprio BRICS são palco para tentativas de condenar os EUA.

A possibilidade de fechamento do Estreito de Ormuz é real? Quais seriam os efeitos dessa medida no comércio global e na geopolítica energética?

Quanto a ações navais, o Irã poderia tentar fechar o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo e de 25% a 30% do gás natural do mundo. Mas isso dificilmente duraria. Os EUA têm três porta-aviões na região, e a 5ª Frota está no Bahrein. Mesmo sem os EUA, países como Arábia Saudita não permitiriam o fechamento do Golfo Pérsico.

Como o senhor avalia a postura da China e da Rússia após condenarem os ataques americanos?

Ambas condenaram os ataques e pedem desescalada e retorno à via diplomática. Opõem-se à ação americana. A declaração de Putin soou quase sarcástica, considerando que ele está em guerra com a Ucrânia há mais de três anos. A Rússia, hoje, não tem capacidade de projetar poder no Oriente Médio. No ano passado, não conseguiu sequer ajudar o regime do Assad a se manter. O grupo HTS — Hayat Tahrir al-Sham — passou a enfrentar o Assad e se opõe ao Irã, que o apoiava.

Esses países devem atuar como mediadoras ou fornecedoras de apoio ao Irã?

A Rússia tenta se apresentar como mediadora, e a China já atuou como tal em 2023, aproximando o Irã da Arábia Saudita. Pode haver também apoio político e econômico ao Irã. A Rússia depende dos drones Shahed iranianos usados na guerra da Ucrânia, e os dois países firmaram um acordo de defesa estratégica em 17 de janeiro deste ano. Mas esse acordo não prevê defesa mútua. Tanto que a Rússia não ajudou o Irã agora — nem a Armênia, que também é aliada formal pela Organização do Tratado de Segurança Coletiva. A Armênia, aliás, protestou contra essa omissão. Tudo isso demonstra o enfraquecimento da Rússia, em função da guerra na Ucrânia.

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