Migrantes latinos descansam a caminho dos EUA nos arredores de Huixtla, México (Isaac Guzman /AFP)
Agência de notícias
Publicado em 29 de julho de 2024 às 15h03.
Última atualização em 29 de julho de 2024 às 15h21.
A Casa Branca foi alertada pelo menos quatro vezes em dois anos durante o governo do republicano Donald Trump (2017-2021) de que sanções severas contra a Venezuela poderiam acelerar o colapso econômico do país e aumentar o êxodo de milhões de migrantes para as nações vizinhas e também para os Estados Unidos, de acordo com três funcionários atuais e antigos do governo americano que falaram com o jornal Washington Post.
As análises confidenciais foram entregues pelo Escritório de Inteligência e Análise do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) ao Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca e aos dois principais funcionários do DHS em pelo menos quatro relatórios entre 2017 e 2019, disseram as fontes. O material integrava um documento mais amplo sobre como a implosão econômica da Venezuela poderia afetar a migração na América Latina.
Ao longo dos anos, os Estados Unidos impuseram sanções a vários líderes venezuelanos, mas foi durante o governo Trump que elas foram reforçadas significativamente. Em 2019, após os EUA acusarem Caracas de fraudar a eleição presidencial, Trump impôs diversas punições ao setor petroleiro do país visando a queda de Maduro. Na época, Washington reconheceu a autoridade de Juan Guaidó, ex-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela que se autoproclamou chefe de Estado do país.
As sanções às importações de petróleo da Venezuela causaram um enorme impacto na economia nos últimos anos e impulsionaram o êxodo de milhões de venezuelanos, muitos migrando para os EUA. Antes do impeditivo, Washington era o principal comprador do petróleo venezuelano, que representa a maior fonte de receita de exportação de Caracas.
Agora, com a suposta vitória de Nicolás Maduro para um terceiro mandato consecutivo na Venezuela, no domingo, e o não reconhecimento imediato dos resultados por parte de Washington, em meio a denúncias de fraude, o aumento do número de imigrantes venezuelanos nos últimos anos surge como um ponto de inflamação na eleição presidencial dos EUA, que tem Trump novamente como o candidato republicano — ele provavelmente enfrentará a atual vice-presidente, Kamala Harris.
"Esse é o argumento que eu fiz na época: eu disse que as sanções iriam transformar a economia venezuelana em pó e teriam enormes consequências humanas, uma das quais seria a emigração", disse ao Post Thomas Shannon, que atuou como subsecretário de assuntos políticos no Departamento de Estado durante o governo do presidente Donald Trump.
Para Shannon, “as sanções claramente ajudaram a gerar uma emigração mais rápida":
"Você sabia que seria apenas uma questão de tempo até que essas pessoas decidissem migrar para o norte", acrescentou.
As sanções impostas pelos EUA aumentaram nas últimas duas décadas e estão presentes em quase um terço de todos os países. No caso da Venezuela, as autoridades americanas se mostram divididas quanto à ofensiva financeira, com alguns defendendo que são um esforço extremamente importante, embora malsucedido, para forçar a saída de Maduro ou, pelo menos, limitar os fundos à sua disposição; e outros argumentando que agravam uma situação já terrível, com poucas vantagens claras.
Na prática, as sanções aceleraram uma queda de anos na produção de petróleo, a força vital da Venezuela. Atualmente, está em cerca de 900 mil barris de petróleo bruto por dia, menos de um terço dos 3 milhões de barris que eram produzidos diariamente em 1998, ano em que o antecessor e mentor de Maduro, Hugo Chávez, foi eleito pela primeira vez. As condições de vida afundaram junto com ele.
Entre 2012 e 2020, a economia da Venezuela sofreu uma contração de 71%, a maior queda na História moderna para um país que não está em guerra. Neste contexto, mais de 7 milhões de migrantes venezuelanos deixaram o país — inicialmente, foram para países vizinhos, como Colômbia e Peru; depois, muitos se juntaram às caravanas que se dirigiam aos EUA.
Desde 2021, as autoridades federais de fronteira dos EUA encontraram mais de 800 mil venezuelanos.
Em outubro de 2023, Maduro conseguiu obter uma trégua com o governo do presidente Joe Biden, que suspendeu algumas sanções por seis meses em troca de promessas feitas por Caracas de permitir uma eleição presidencial limpa. Mas o acordo acabou fracassando quando o governo venezuelano manteve a desqualificação de María Corina Machado, a figura mais popular da oposição, para a corrida presidencial.
Em abril, os EUA voltaram a impor sanções a todo o setor, mas mantiveram uma licença de operação para a Chevron, que atualmente está bombeando cerca de 200 mil barris de petróleo bruto venezuelano por dia. Outros produtores, como a Repsol e a Maurel & Prom, também receberam licenças.
A imigração é vista como o calcanhar de aquiles do governo Biden, devido ao aumento nos cruzamentos na fronteira — que em dezembro bateu recorde de 370 mil entradas. E o tema tem sido explorado pela campanha de Trump. Durante um evento paralelo à Convenção Nacional Republicana, em meados deste mês, um dos principais conselheiros do líder republicano relacionou a imigração irregular ao aumento da criminalidade nas principais cidades americanas, reforçando um discurso de grande adesão entre apoiadores de Trump.
A entrada de pessoas não documentadas no país hoje está em queda, mas em 2023, de acordo com a organização independente Federação Para a Reforma da Imigração nos Estados Unidos, chegou a 3,2 milhões de pessoas.