Agência de notícias
Publicado em 3 de julho de 2025 às 07h32.
Desde que o presidente americano, Donald Trump, retornou ao cargo em janeiro, os Estados Unidos não emitiram novas sanções contra a Rússia, relacionadas à invasão da Ucrânia. Em alguns casos, o governo afrouxou as restrições. Sem novas medidas, as sanções existentes perdem sua eficácia, de acordo com analistas.
Como resultado, abriu-se espaço para novas empresas de fachada canalizarem componentes críticos e fundos para a Rússia. Registros comerciais e corporativos apontam que entre esses materiais estão chips de computador e equipamentos militares que, de outra forma, estariam vetados ao Kremlin.
As sanções se tornaram o ponto central dos esforços liderados pelo Ocidente para isolar Moscou após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Esse esforço evoluiu para um jogo internacional de "gato e rato", com esquemas de tentativa de evasão em prol da Rússia surgindo pelo mundo.
Enquanto esteve na Casa Branca, Joe Biden impôs milhares das chamadas "sanções de manutenção", visando impedir os novos esquemas. A administração Biden impôs, em média, mais de 170 novas sanções por mês a entidades ligadas à Rússia entre 2022 e 2024. Os alvos incluíam produção de petróleo e armas, aquisição de tecnologia e setor bancário.
No total, o governo democrata impôs mais de 6,2 mil bloqueios a indivíduos, empresas, embarcações e aeronaves ligados à Rússia. Nas semanas finais do mandato de Biden, os EUA aumentaram ainda mais a pressão, elevando o número de sanções para quase três vezes a média mensal, segundo análise do Times com base em dados do Departamento do Tesouro.
Sem novas sanções com a chegada de Trump, os efeitos dessa pressão começam a ruir. Uma revisão em registros de comércio, listas on-line e registros corporativos feita pelo New York Times identificou mais de 130 empresas na China continental e em Hong Kong que anunciam vendas imediatas de chips de computador restritos para a Rússia. Nenhuma dessas empresas está sob sanções — e se uma empresa for alvo de restrições, muitas outras estão prontas para ocupar seu lugar.
Uma das empresas identificadas pela reportagem, a HK GST Limited, anuncia chips essenciais para mísseis de cruzeiro russos, incluindo o Kh-101, recentemente usado em um ataque a Kiev que matou 10 civis. A empresa foi registrada em Hong Kong há nove meses, e seu site foi criado em fevereiro. Uma análise de dados de hospedagem, propriedade de domínio, padrões de código e informações de contato, vincula a empresa a uma rede de quatro distribuidores de eletrônicos semelhantes, incluindo a ChipsX, com sede em Cingapura, e a Carbon Fiber Global, uma fabricante de peças para drones de alto desempenho com sede na China. Todas essas empresas foram criadas nos últimos três anos.
Várias empresas da rede enviaram componentes restritos à Rússia em violação aos controles de exportação dos EUA, segundo registros comerciais, anúncios on-line e registros corporativos. Um representante da Carbon Fiber Global negou que a empresa ou a ChipsX tenham vendido bens sob sanção à Rússia, mas se recusou a comentar sobre as outras empresas da rede.
Para que as sanções funcionem, "é preciso continuar correndo só para permanecer no mesmo lugar", disse Elina Ribakova, economista do Peterson Institute for International Economics. Ela acrescentou que, sem uma "manutenção contínua" das restrições, as soluções alternativas da Rússia podem se consolidar, incluindo a criação de empresas obscuras como a HK GST Limited e a ChipsX.
A mudança repentina dos EUA em relação às sanções destaca a abordagem de Trump, de não se envolver com a Rússia, mesmo com o aumento dos combates na região.
Desde o início do ano, a Rússia intensificou sua campanha na Ucrânia, lançando ondas de ataques com drones e mísseis que deixaram dezenas de mortos e causaram grandes danos à infraestrutura civil. Analistas afirmam que o Kremlin aproveitou rapidamente o desengajamento crescente dos EUA para ganhar vantagem no campo de batalha.
A relativa inação de Trump gerou críticas de parlamentares tanto republicanos quanto democratas, que argumentam que o governo está minando o esforço ocidental para confrontar a agressão russa. Em comunicado, um porta-voz da Casa Branca disse que Trump estava incentivando os líderes da Rússia e da Ucrânia "a parar com a matança, mantendo todas as opções sobre a mesa".
O Departamento do Tesouro não respondeu aos pedidos de comentário.
Trump tem usado sanções de forma agressiva em outras frentes. O presidente impôs mais de 280 novas restrições ao Irã nos últimos seis meses, visando pessoas envolvidas no financiamento do terrorismo. Ele também saiu em busca de juízes do Tribunal Penal Internacional por investigarem possíveis crimes de guerra cometidos por Israel. E usou sanções para combater o tráfico de drogas e grupos cibernéticos criminosos.
"A abordagem de Trump à diplomacia econômica é impor pressão, obter vantagem e tentar conseguir o melhor acordo possível", disse Edward Fishman, pesquisador sênior do Centro de Política Energética Global da Universidade Columbia. "Por alguma razão, com a Rússia, ele não quer ter nenhuma alavanca sobre Putin".
Em contraste, o governo Trump relaxou algumas restrições à Rússia.
O Departamento do Tesouro — responsável por administrar e aplicar sanções — suspendeu em abril, silenciosamente, os limites impostos a Karina Rotenberg, esposa do oligarca russo Boris Rotenberg, que fez fortuna nos setores de construção e energia, e é amigo de infância e figura central no círculo íntimo do presidente russo, Vladimir Putin, há décadas.
O anúncio, escondido no final de um boletim rotineiro, não deu explicações sobre a retirada de Karina da lista de sanções. Foi uma exclusão incomum. Karina, cidadã americana, foi uma das primeiras russas a enfrentar sanções após a invasão da Ucrânia.
Os Rotenberg não responderam aos pedidos de comentário. O Departamento do Tesouro recusou-se a comentar a decisão e encaminhou as perguntas ao Departamento de Estado. Um porta-voz do Departamento de Estado disse, em comunicado, que a remoção "é independente dos nossos esforços contínuos para avançar uma solução negociada para a guerra", mas que o departamento "não pode comentar os detalhes dessa retirada".
Em fevereiro, o Departamento de Justiça encerrou a força-tarefa KleptoCapture, criada em 2022 para identificar e confiscar bens de oligarcas russos ao redor do mundo que estivessem sob sanções. A força-tarefa coordenava investigações entre agências, levando à apreensão de iates de luxo, imóveis e jatos particulares. O Departamento de Justiça criou recentemente uma força-tarefa com estrutura semelhante para se concentrar no Hamas, segundo Andrew Adams, ex-chefe da KleptoCapture.
O Departamento de Justiça se recusou a comentar o encerramento da força-tarefa.
A Rússia também foi excluída do decreto de Trump que impôs tarifas comerciais contra vários países ao redor do mundo. A omissão chamou a atenção de especialistas, especialmente porque o presidente se gaba de usar tarifas de importação para forçar países à mesa de negociação. Ele usou tarifas não apenas como ferramenta comercial, mas como "forma de sanção", segundo Fishman.
Juntas, essas ações indicam que os EUA agora estão mais dispostos a tolerar a guerra da Rússia e menos interessados em combatê-la, disse Maria Shagina, pesquisadora sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.
A retração americana deixou para a União Europeia a liderança na imposição de sanções à Rússia. As restrições da UE até agora têm sido muito menos abrangentes, especialmente no que diz respeito a empresas e indivíduos fora da Rússia que ajudam Moscou a contornar sanções, segundo análise do Times. Essas redes de "terceiros países" são canais importantes para o Kremlin manter suas cadeias de suprimento de guerra.
O número de sanções emitidas pelos EUA até agora supera o da União Europeia em mais de dois para um. Mas isso está começando a mudar, segundo especialistas.
"[No passado, Washington liderava esse esforço por razões geopolíticas] Mas isso mudou dramaticamente", disse Maximilian Hess, membro do Programa Eurásia no Foreign Policy Research Institute. "A Europa assumiu esse papel".
Membros do Congresso, porém, começaram a pressionar por esforços legislativos para enfrentar a Rússia. Um novo projeto de lei, co-patrocinado pelos senadores Lindsey Graham (republicano da Carolina do Sul) e Richard Blumenthal (democrata de Connecticut), pretende impor novas e abrangentes restrições. A legislação inclui uma tarifa de 500% sobre qualquer país que continue comprando energia russa, incluindo China e Índia.
O projeto tem amplo apoio bipartidário, embora seus críticos argumentem que ele poderia desestabilizar o comércio global e afetar aliados europeus.
Blumenthal, que recentemente retornou de Kiev, disse que autoridades ucranianas estão cada vez mais ansiosas por apoio dos EUA. Em entrevista, argumentou que as sanções dariam aos Estados Unidos a chance de reequilibrar a situação.
"Os ucranianos estão em menor número, com menos armas" disse ele. "Temos a oportunidade de corrigir esse desequilíbrio".