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Rússia lucrou bilhões com grãos de áreas ocupadas na Ucrânia em quase três anos de guerra

Estimativas independentes obtidas pelo Wall Street Journal mostram que o valor pode chegar a R$ 35 bilhões; Kiev tem feito pressão diplomática para que países suspendam compras

Agência o Globo
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Publicado em 30 de setembro de 2024 às 07h26.

Última atualização em 30 de setembro de 2024 às 07h33.

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O governo da Ucrânia afirmou que as vendas de grãos vindos de áreas ocupadas pela Rússia, realizadas de forma ilegal, renderam aos cofres de Moscou quase US$ 1 bilhão desde o início da guerra, e estimativas independentes sugerem que o valor seria até seis vezes maior. Um dos principais produtos de exportação da Ucrânia antes da invasão, o destino dos grãos tem sido um tópico sensível desde fevereiro de 2022, e lideranças em Kiev denunciam seu uso pela Rússia como um “crime de guerra”.

De acordo com uma investigação do Wall Street Journal, os russos criaram uma complexa rede de contatos e empresas de fachada para conseguir vender os grãos no mercado internacional: os produtos, vindos dos férteis campos no leste e sul do país, são redirecionados para portos em áreas ocupadas, como Mariupol, ou levados para dentro da Rússia através das linhas ferroviárias restauradas após a consolidação das forças russas.

Para evitar a identificação dos grãos como vindos da Ucrânia, os exportadores os misturam com carregamentos de produtos vindos de campos russos, que teoricamente não estão sujeitos a sanções internacionais.

Com os grãos prontos para a exportação, é acionada uma rede de clientes e fornecedores de serviços que inclui, segundo o jornal, um estaleiro que também produz navios usados na guerra, uma empresa ligada à Guarda Revolucionária do
Irã e um empresário da Crimeia, anexada desde 2014, que faz negócios com a Síria e Israel. O produto então viaja através de navios pequenos, ou em embarcações que viajam com seus sistemas de reconhecimento desligados.

As rotas têm como destino preferencial portos na Síria e Irã, mas não raro os navios atracam em portos na Turquia, um país que diz não concordar com a venda de produtos vindos de áreas ocupadas na Ucrânia.

Em julho, houve uma rara apreensão de uma dessas embarcações, o Usko MFU, de bandeira camaronesa, que foi capturado quando navegava no rio Danúbio, dentro do território ucraniano. A embarcação foi vista algumas vezes carregando produtos no porto de Sebastopol, na Crimeia, local apontado como um dos terminais para o escoamento dos grãos obtidos de forma ilegal pelos russos.

"[A apreensão] deve ser um sinal claro para os países que ajudam a Rússia a contornar sanções e vender produtos agrícolas roubados nos territórios ocupados, de que pode haver responsabilidade por isso", disse, na ocasião, o chefe do escritório da procuradoria da Ucrânia para a Crimeia, Ihor Ponochovny.

Mas este foi um caso isolado, e os números comprovam isso: em comentários ao Wall Street Journal, Markiyan Dmytrasevych, vice-ministro da Agricultura, disse que cerca de 4 milhões de toneladas de produtos agrícolas vindos de áreas ocupadas foram enviados aos mercados internacionais, gerando uma renda de US$ 800 milhões (R$ 4,40 bilhões) para os cofres russos.

O valor pode ser bem maior: de acordo com análise do site de jornalismo investigativo ucraniano Texty, desde fevereiro de 2024 as exportações de produtos vindos de zonas rurais da Ucrânia, ocupadas pela Rússia, renderam até US$ 6,4 bilhões (R$ 35,24 bilhões).

Ainda de acordo com o jornal, as forças russas empregam violência na hora de coagir os fazendeiros a concordarem com a venda de seus produtos por preços menores do que os praticados pelo mercado, ou simplesmente os roubando mediante ameaça. Em relato, Bohdan Katerenyak, que gerenciava um silo de armazenamento em Kherson (Sul), disse que homens com balaclavas invadiram seu escritório, em agosto de 2022, se apresentando como agentes do FSB, alegando terem uma ordem para “assumir o controle”.

"Eles são bandidos", disse Katerenyak, que deixou Kherson pouco depois. Segundo ele, os silos foram esvaziados desde então.

A exportação de grãos dos campos ucranianos é um dos temas mais sensíveis da guerra. Um bloqueio aos portos controlados por Kiev elevou os preços dos alimentos nos mercados globais, em 2022, e trouxe o risco do agravamento de crises humanitárias em países da África, compradores habituais de alimentos da Ucrânia.

Um acordo mediado pela Turquia e pela ONU, em julho daquele ano, permitiu a retomada parcial das exportações, através de um corredor seguro pelo Mar Negro, mas o plano fracassou em 2023 — na ocasião, a Rússia afirmou que não houve garantias para que seus produtos agrícolas fossem protegidos, uma referência às sanções internacionais aplicadas a muitos de seus navios e empresas exportadoras. Ataques a embarcações comerciais voltaram a acontecer com alguma frequência: na quarta-feira passada, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que um navio carregando trigo ucraniano para o Egito foi atingido por um míssil russo.

Para quebrar a rede montada pelos russos, Kiev lançou uma ofensiva diplomática junto aos compradores. Segundo o Wall Street Journal, Israel, Líbano e Egito já cancelaram alguns dos carregamentos após serem informados sobre a origem dos grãos. Mas dois dos maiores compradores da Rússia, Irã e Síria, aliados próximos de Moscou, dizem que não mudarão seus planos tão cedo.

Além dos laços próximos, os descontos russos são interessantes, e chegam a até 35% do preço original, segundo analistas. Recentemente, uma embarcação associada à Rússia entregou grãos ao Iêmen, atracando em um porto controlado pela milícia Houthi, financiada por Teerã e que parece ter se tornado mais uma cliente do portfólio russo.

"Estas não são apenas violações da lei comercial, são crimes de guerra", afirmou, em entrevista ao The Moscow Times, Maximilian Hess, consultor e autor de “Economic War: Ukraine and the Global Conflict between Russia and the West”(“Guerra Econômica: Ucrânia e o Conflito Global entre a Rússia e o Ocidente”). "O Kremlin só consegue continuar com o apoio de compradores internacionais que estejam dispostos a comprar este grão".

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