Prigozhin: O líder do grupo mercenário estavam na aeronave juntamente com Dmitry Utkin, quem ajudou a fundar o grupo mercenário Wagner, e outros representantes (NATALIA KOLESNIKOVA/AFP/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 27 de agosto de 2023 às 15h33.
As autoridades russas disseram neste domingo, 27, que testes genéticos confirmaram que Yevgeny Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner, estava entre as dez pessoas mortas num acidente de avião na última quarta-feira, 23.
Os investigadores russos afirmaram que Prigozhin morreu na queda do jato Embraer de quarta-feira, um incidente que ocorreu dois meses depois de ele ter lançado um motim fracassado contra a liderança militar da Rússia e que autoridades dos EUA e ocidentais acreditam ter sido o resultado de uma explosão a bordo.
A agência de aviação russa já havia publicado os nomes de todas as 10 pessoas a bordo do jato particular, de fabricação da Embraer, que caiu na região de Tver, a noroeste de Moscou. Eles incluíam Prigozhin e Dmitry Utkin, seu braço direito que ajudou a fundar o grupo mercenário Wagner.
Svetlana Petrenko, porta-voz do comitê de investigação da Rússia disse em comunicado publicado no aplicativo de mensagens Telegram no domingo que as identidades de todos os 10 mortos foram estabelecidas e que correspondiam às listadas no registro de voo.
“Como parte da investigação da queda do avião na região de Tver, os exames genéticos moleculares foram concluídos”, disse o Comitê Investigativo da Rússia. “De acordo com os resultados, as identidades de todos os 10 mortos foram estabelecidas. Elas correspondem à lista constante da ficha de voo”, afirmou.
O presidente Vladimir Putin descreveu esse motim como uma traiçoeira “facada nas costas”, mas mais tarde encontrou-se com Prigozhin no Kremlin.
A morte do destacado líder do Grupo Wagner, da Rússia, lançou graves dúvidas em relação ao futuro da organização mercenária e reforçou a posição do presidente Vladimir Putin, dois meses depois de uma rebelião breve do Wagner ter deixado o líder russo mais enfraquecido do que em qualquer momento dos seus quase 25 anos de governo.
Yevgeni Prigozhin, líder do Wagner, morreu em um acidente de avião na quarta feira, ao lado do seu comandante operacional, Dmitri Utkin, e outros membros do alto escalão do grupo, quando a aeronave caiu misteriosamente na região russa de Tver, na prática decapitando uma força que tem combatentes mobilizados em boa parte da África e do Oriente Médio.
Os corpos dos mortos, incluindo os três tripulantes, foram transportados para uma unidade forense local em Tver para análise, e a polícia bloqueou o acesso ao local do acidente, perto do vilarejo de Kuzhenkino. Informes posteriores indicaram que material genético dos cadáveres foi levado a Moscou para a realização de testes.
O serviço de notícias de Prigozhin tem se mantido relativamente silencioso desde o breve motim promovido por ele em junho, no qual os combatentes dele ocuparam uma base militar no sul da Rússia e iniciaram uma marcha rumo a Moscou antes de um acordo negociado com a mediação do líder do Belarus, Alexander Lukashenko.
Prigozhin seguiu viajando entre Rússia e Belarus, onde suas forças estabeleceram uma base no exílio, e até para a África, surpreendendo membros da elite russa que esperavam um castigo rápido e decisivo para ele.
Analistas ocidentais disseram que a causa do acidente pode nunca vir a ser conhecida, levando em consideração a falta de transparência e a natureza política das investigações criminais na Rússia.
Com alguns propagandistas do Kremlin emprenhados em transferir a responsabilidade para a Ucrânia, o presidente Volodmir Zelenski disse na quinta feira que Kiev nada teve a ver com o acidente, indicando que o responsável seria Putin. “Todos sabem quem está envolvido”, disse ele.
A Rússia reforçou a segurança na quinta feira, com policiais batendo à porta de famílias de integrantes do Grupo Wagner e interrogando-os a respeito da possibilidade de uma nova rebelião de acordo com o canal Baza, do Telegram, próximo às agências policiais russas. Em Rostov-no-Don, sul da Rússia, a guarda nacional e a polícia estavam em alerta, de acordo com a mídia local.
“Putin teria uma forte motivação para desejar a morte de Prigozhin”, disse a analista russa Tatiana Stanovaya, que mora em Paris, enfatizando que ainda não se sabe ao certo o que ocorreu.
“Agora, Putin parece alguém que se livrou do inimigo”, disse ela. “Acho que o Kremlin não fará nenhum esforço para convencer o público do contrário”.
Para muitos da elite russa, o desastre indicou a reafirmação do controle por parte do presidente e destacou as sombrias consequências da falta de lealdade em um estado cada vez mais autoritário, com um longo histórico de prisões, assassinatos e envenenamentos dos críticos e inimigos do presidente.
Muitos deles enxergavam como “lógica” a possibilidade de Putin se vingar de Prigozhin e removê-lo da cena, disse Stanovaya, conforme as lideranças do aparato russo de segurança, conhecidos como “siloviki”, ou homens fortes, buscam esmagar quem desafiou Putin e questionou a guerra dele na Ucrânia. “Os siloviki aprenderam a lição e entenderam que precisam agir mais energicamente”, disse Stanovaya.
Testemunhas dos acontecimentos de quarta feira descreveram duas explosões antes do avião despencar do céu, de acordo com a mídia local. A cauda do avião foi separada da fuselagem e caiu a pouco menos de 2 quilômetros do local do acidente.
Falta responder às dúvidas quanto à causa da queda, a trajetória do avião antes de cair e a razão de haver tantos membros do alto escalão do Wagner no avião.
Tudo parecia normal com o voo até segundos antes do acidente, quando a aeronave fez várias subidas e decidas súbitas, por cerca de 30 segundos, perdendo 2.400 metros de sua altitude de cruzeiro de 8.500 metros antes de mergulhar em direção ao chão, de acordo com o serviço de rastreio de voos Flightradar24.
Ross Aimer, piloto aposentado da United Airlines e diretor executivo da Aero Consulting Experts, disse ao Washington Post que um vídeo indicando uma nuvem de fumaça perto da aeronave mostra “provavelmente um míssil atingindo o avião a partir do solo”.
“Então vemos o avião pegar fogo e começar uma espiral descendente. Pelo que vi, a queda ocorreu por causa da tremenda força exercida sobre as superfícies de voo. Havia pedaços do avião se soltando até ele atingir o chão e explodir.” “Tive a impressão de que ele foi abatido”, prosseguiu.
Após semanas de hesitação na esteira do motim, Putin agiu para restaurar sua autoridade enfraquecida. Dispensou vários generais do alto escalão próximos a Prigozhin ou que tivessem comentado informalmente os fracassos do exército, incluindo o general Sergei Surovikin, conhecido como “general Armagedom” por suas táticas implacáveis na Síria e na Ucrânia.
Ele também perseguiu os nacionalistas mais radicais, incluindo o ex-oficial do serviço de inteligência e blogueiro militar Igor Girkin, detido no mês passado depois de atacar Putin por causa dos rumos da guerra.
Putin ficou ao lado de lideranças impopulares no ministério russo da defesa: o ministro da defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do estado maior, general Valeri Gerasimov, ambos desprezados pelas facções mais aguerridas.
A decisão de Putin de não castigar Prigozhin imediatamente por causa da rebelião chocou os membros da elite russa, muitos dos quais desprezavam o arrogante e desbocado líder dos mercenários Wagner, cuja brutalidade no campo de batalha e cujas conexões internacionais o presidente russo explorava.
Sem Prigozhin, Utkin e outro líder importante, é possível que o Grupo Wagner entre em colapso em breve, de acordo com especialistas, e suas operações restantes no Oriente Médio e acordos de segurança com governos africanos provavelmente cabendo a entidades leais ao Kremlin.
Prigozhin, Utkin e Valeri Chekalov, que acredita-se estar a bordo do mesmo voo, formavam a espinha dorsal do grupo. Prigozhin atuava como representante público e financiador, Utkin comandava as operações globais e Chekalov era encarregado da logística.
Parentes de combatentes a serviço do Grupo Wagner temiam pelo futuro da organização, especialmente quanto à remuneração, levando em consideração o controle pessoal de Prigozhin sobre as finanças e a natureza obscura do seu império comercial, que envolve uma teia de empresas de fachada.
“Toda essa confusão com a contabilidade, call centers, etc., era o começo de um grande desastre. O Grupo Wagner foi decapitado, o que será de nós agora?! Deus permita que a empresa tenha um líder digno”, publicou um parente em um canal do Telegram destinado a parentes de combatentes do Wagner. “Descanse em paz, Ievgeni Viktorovich”, comentou outro.
Foram vistas discretas manifestações de homenagem a Prigozhin nas instalações do Wagner na cidade dele, São Petersburgo, e outros locais, onde foram depositadas flores por pessoas de rosto oculto, algumas delas vestindo roupas camufladas.
Embora as pesquisas de opinião mostrassem que a aprovação de Prigozhin chegou a impressionantes 58% na semana anterior à rebelião, a propaganda do Kremlin passou então a retratá-lo como um criminoso ganancioso que se aproveita do governo russo. Na quinta feira, não havia sinais de uma nova rebelião nem de manifestações em apoio a Prigozhin, nem foi observada uma alta na indignação nas redes sociais russas.
A analista Stanovaya disse que o fato de Prigozhin viajar pela Rússia e até se reunir com Putin no Kremlin após o motim “foi questionado por muitos, e claramente foi algo visto como demonstração de fraqueza por parte de Putin. Pareceu que ele dependia de Prigozhin. E muitos me perguntaram se Prigozhin teria algum tipo de kompromat [material comprometedor] para chantagear Putin”.
Ela disse supor que as mortes de Prigozhin e seus comandantes significariam o fim efetivo da rebelião. “Foi uma situação desagradável para Putin, que pareceu humilhado aos olhos da elite. Acho que a situação toda deixou Putin muito desconfortável”.
O analista Sergei Markov, pró-Kremlin, lamentou o silêncio do governo em meio à enxurrada de comentários supondo um assassinato.
“A ausência de uma versão por parte dos russos é deprimente e é manifestação de um tipo de letargia política no poder”, escreveu ele. “No mundo inteiro essa é a principal notícia, mas, na Rússia, silêncio. Estão querendo que acreditemos na versão do Ocidente? Na versão do Ocidente, o assassinato de Prigozhin implica diretamente o presidente da Rússia, e não queremos acreditar nisso”.
Após o motim, Putin reconheceu pela primeira vez que o Grupo Wagner era totalmente financiado pelo governo. Não estava claro se Prigozhin conseguiria manter sua organização funcionando sem um significativo apoio do estado.
A notícia da morte de Prigozhin foi bem recebida por muitos na Ucrânia, que celebrou na quinta feira o aniversário de sua independência em relação à União Soviética. Os combatentes de Prigozhin têm sido uma força de combate letal no campo de batalha, deixando muitos soldados ucranianos mortos na longa disputa pela cidade de Bakhmut, no leste do país, tomada pelo Wagner em maio. Mas as autoridades em Kiev também celebraram nos meses mais recentes conforme Prigozhin começou a incomodar Putin.
Depois que os mercenários do Wagner foram transferidos para bases no Belarus, perto da fronteira norte da Ucrânia, como parte do acordo para encerrar a rebelião, os militares ucranianos não viram mais ameaças substanciais por parte do grupo.
Vladimir Osechkin, do grupo de defesa dos direitos dos prisioneiros russos Gulagu.net, disse que membros do Grupo Wagner confirmaram a morte de Prigozhin na queda. “Estão todos chocados. Os comandantes não sabem o que fazer nem o que dizer aos combatentes. Tudo girava em torno de Prigozhin e suas conexões”, disse Osechkin.