Agência de notícias
Publicado em 8 de dezembro de 2024 às 09h38.
Última atualização em 8 de dezembro de 2024 às 09h40.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que o presidente sírio deposto, Bashar al-Assad, deixou seu posto e o país após negociações com "outros participantes no conflito armado" e deu instruções para uma transferência pacífica de poder. Moscou, que disse estar em contato com "todos os grupos da oposição síria", afirmou que não esteve envolvida nessas negociações e que as suas bases militares na Síria estão em alerta máximo, mas não sob ameaça. A Rússia foi um aliado fundamental de Assad, oferecendo-lhe anteriormente assistência militar para permanecer no poder.
O anúncio russo foi feito após rebeldes sírios capturarem neste domingo Damasco, afirmando que a população do país estava "cheia de 50 anos do regime de [Bashar al-]Assad". O primeiro-ministro Mohammad Ghazi al-Jalali prometeu cooperar com os rebeldes que tomaram o controle da capital, Damasco, no fim de uma ofensiva relâmpago que durou menos de duas semanas.
"Depois de 50 anos de opressão sob o partido governista Baath, e 13 anos de crimes, tirania e deslocamento [desde o início do levante popular em 2011, que foi seguido por uma guerra civil], anunciamos hoje o fim dessa era obscura e o começo de uma nova era para Síria", afirmaram os rebeldes.
O líder do grupo jihadista Hayet Tahrir al-Sham (HTS), Abu Mohammed al-Jawlani, que dirige a coalizão rebelde, pediu a seus combatente que não se aproximem das instituições públicas, assegurando que permanecem sob a autoridade do primeiro-ministro até a "transferência oficial" de poder. No pronunciamento ao vivo, rebeldes disseram ter libertado prisioneiros que, segundo eles, haviam sido detidos injustamente pelo regime sírio.
As forças opositoras anunciaram ter entrado na cidade sem encontrar resistência militar, e dezenas de pessoas saíram às ruas de Damasco, segundo imagens da AFPTV, para celebrar a queda do regime, aos gritos de "Liberdade". Na praça de Omeyas, o barulho dos disparos em sinal de comemoração se misturava com os gritos de "Allahu Akbar" ("Deus é grande"). Também surgiram imagens de pessoas pisoteando uma estátua de Hafez al Assad, pai de Bashar que governo a Síria por 30 anos.
"Esperávamos por esse dia há muito tempo", disse Amer Batha por telefone à AFP desde a plaça. "Não posso acreditar que estou vivendo este momento".
"Assad saiu da Síria a partir do Aeroporto Internacional de Damasco antes de que os membros das Forças Armadas e de segurança abandonassem" o lugar, disse à AFP Rami Abdel Rahman, diretor do Observatório Sírio de Direitos HUmanos, uma ONG baseada no Reino Unido que conta com uma ampla rede de fontes dentro da Síria.
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, afirmou neste domingo que Assad "fugiu do país" depois de perder o apoio da Rússia. Paralelamente, a Casa Branca afirmou que o governo de Joe Biden acompanha "com atenção" os "extraordinários acontecimentos" en curso na Síria.
A queda de Damasco ocorreu um dia depois de as forças de oposição da Síria terem iniciado o cerco da capital, capturando inicialmente áreas da grande Damasco. Segundo informou o OSDH no sábado, as forças governamentais se retiraram de diversos subúrbios da grande Damasco, incluindo Moadamia al-Sham e Daraya, além do aeroporto militar de Mezzeh, localizado nas proximidades.
A queda também ocorreu apenas uma semana depois que insurgentes do HTS retomaram Aleppo, a segunda maior cidade do país, localizada ao norte, inspirando outras facções rebeldes a se mobilizar contra o Exército sírio. Desde 27 de novembro, quando a ofensiva insurgente teve início a partir da província de Idlib, na fronteira com a Turquia, o regime sírio também perdeu o controle de Hama, a quarta maior.
Durante a madrugada de sábado, opositores nas províncias de Daraa e Sweida, no sul, derrotaram as forças governamentais e assumiram o controlo de vastas áreas e, durante a tarde do mesmo dia, entraram em Daraya, a cerca de 8 km do centro da capital. Ao leste de Damasco, membros do Exército Sírio Livre assumiram o controle da antiga cidade de Palmira.
Enquanto rebeldes avançavam a partir do sul e do leste em direção à capital, o HTS entrava em confronto com o Exército sírio na região de Homs, a terceira cidade mais populosa do país e uma das áreas mais estratégicas: ela conecta Damasco à costa mediterrânea, onde estão localizadas duas bases militares da Rússia, nação aliada de Assad. Segundo a mídia estatal síria, as forças do governo enviaram reforços a Homs e lançaram pesados bombardeios para tentar impedir o avanço rebelde, mas em vão.
Com a queda de Homs, o governo ficou sitiado em Damasco, com forças rebeldes avançando pelo norte, sul e leste.
No sábado, o enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, pediu negociações urgentes em Genebra para garantir uma “transição política ordenada” no país. Falando a jornalistas no Fórum de Doha, no Catar, ele disse que a situação no território sírio mudava a cada minuto, e que o objetivo das tratativas deveria ser implementar a Resolução 2254 da ONU. Adotada em 2015, a resolução exige um processo político liderado pelos sírios, começando com a formação de um órgão governamental de transição, seguido pela redação de uma nova Constituição e, por fim, eleições supervisionadas pelo órgão internacional.
Ainda no Catar, os ministros das Relações Exteriores do Irã, Rússia e Turquia realizaram uma reunião conjunta para discutir a situação na Síria. Segundo a mídia estatal iraniana, eles teriam chegado a um acordo para encontrar uma solução diplomática para o conflito por meio de negociações com os rebeldes — o último sinal de que Teerã e Moscou não forneceriam um apoio militar significativo ao regime de Assad, como fizeram no passado.
Ao longo de 13 anos de conflito civil, que deixou estimados mais de 500 mil mortos, Assad conseguiu manter o controle das principais cidades do país por meio de um extenso apoio internacional, sobretudo da Rússia, Irã e do movimento xiita libanês Hezbollah. Mas, com cada um de seus principais aliados envolvidos em conflitos próprios, da Ucrânia a Gaza, o líder sírio, cuja família está há 50 anos no poder, enfrentou dificuldades para manter a mesma mobilização.
"Os aliados regionais da Síria e até mesmo alguns de seus oponentes esperam desacelerar os rápidos acontecimentos em Damasco para manter o país e suas instituições unidos. Eles temem o colapso total do Estado", disse o ex-diplomata sírio Bassam Barabandi ao The Guardian no sábado, antes da queda do regime. "Ninguém quer um vácuo de poder em Damasco. Eles não querem ver uma situação como a queda de Cabul [no Afeganistão] novamente."