Ruanda: parlamento ruandês, único do mundo com maioria feminina, se transformou em símbolo da ascensão da mulher que se projeta sobre todos os níveis da administração (MYCHELE DANIAU/AFP/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 7 de março de 2015 às 16h22.
Kigali - Um provérbio tradicional ruandês diz que 'as galinhas não cacarejam quando há um galo adiante', mas as mulheres deste país tornaram o ditado obsoleto para assumir a responsabilidade em muitos âmbitos da sociedade e da política.
A nova Ruanda foi erguida por suas mulheres, que chegaram a representar 70% da população após o genocídio de 1994, quando o país velava cerca de um milhão de mortos e tinha perdido outros dois milhões de foragidos para o vizinho Zaire (agora República Democrática do Congo).
O parlamento ruandês, o único do mundo com maioria feminina, se transformou em um símbolo da ascensão da mulher que se projeta sobre todos os níveis da administração, com exceção da presidência, ocupada por Paul Kagame há 15 anos.
'Antes, os ruandeses estavam divididos entre o norte e o sul, entre tutsis, twa e hutus. Já tiveram bastante e decidiram envolver todo o mundo', comentou a deputada e presidente do Fórum das Mulheres Parlamentares Ruandesas, Ignatienne Nyirarukundo.
O milagre que permitiu às mulheres passar de 33% das cadeiras em 1994 ao 64% atual se deve em parte à Constituição de 2003, que lhes reserva 30% dos assentos.
Também influenciou a elaboração de listas eleitorais com cotas reservadas a candidatas em alguns partidos, entre eles o governamental Frente Patriótica Ruandesa (RPF, em inglês), que governa desde 2003 e conta com 40 das 53 cadeiras de eleição direta.
'A vontade política de Paul Kagame foi um elemento-chave nestas conquistas', ressaltou o deputado Gatabazi Jean Marie Vianney, em um encontro durante uma viagem a Ruanda realizada com o apoio da International Women's Media Foundation (IWMF).
Kagame é citado sempre como um fator determinante nas políticas de igualdade, escoradas por uma ampla legislação que já permite às mulheres herdar as terras de seus pais, abrir contas bancárias e negócios sem a permissão de seus maridos e receber proteção contra a violência machista.
'Um homem podia fazer qualquer injustiça com uma mulher. Agora as mulheres conhecem seus direitos', assegurou a coordenadora da associação de viúvas AVEGA em Kigali, Umurungi Françoise.
No entanto, Ruanda tem uma das taxas mais altas de violência machista da África e duas de cada cinco ruandesas (41%) sofreram algum tipo de violência física, segundo a Pesquisa Demográfica e de Saúde de Ruanda de 2010.
Ignatienne, que entrou na política para 'defender as mulheres', admite que resta muito o que fazer, mas enfatiza a influência do parlamento.
'As mulheres se conformavam em ter uma vida em casa com seu marido. Agora são conscientes que podem aspirar algo mais', comentou.
A solidariedade entre ruandesas é uma estranha herança do genocídio, que obrigou meio milhão de viúvas que ficaram sós e sem recursos a se unirem para sustentar para tirar seus filhos.
'Não foi fácil, mas isso nos tornou mais fortes', opinou Mukankubiyo Epiphanie, diretora de uma cooperativa em Kinyinya, nos arredores de Kigali.
Neste bairro, 69 mulheres que perderam seus maridos há duas décadas se uniram para sobreviver, algo que conseguem com as rendas de uma pequena fazenda de porcos e com a caridade.
'Não é fácil conseguir comida', lamentou Epiphanie, lembrando que as viúvas de Kinyinya, como a maioria de mulheres que trabalha sozinhas no campo, são um dos coletivos mais pobres do país. EFE