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Rota de 30% do petróleo, Estreito de Ormuz nunca foi fechado. E, para analistas, dificilmente será

Irã ameaça bloquear Ormuz após ataque dos EUA, mas risco de retaliação e prejuízo à China devem frear ação

Publicado em 23 de junho de 2025 às 08h27.

Última atualização em 23 de junho de 2025 às 11h20.

O bombardeio conduzido pelos Estados Unidos contra três instalações nucleares iranianas — Fordo, Natanz e Isfahan — reacendeu um alerta antigo no mercado energético global: o risco de fechamento do estreito de Ormuz, rota por onde trafega cerca de 30% do petróleo comercializado no mundo, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE).

O Parlamento iraniano aprovou uma resolução autorizando o bloqueio do estreito em resposta direta à ofensiva americana. Apesar disso, a decisão final cabe ao Conselho Supremo de Segurança Nacional e ao líder supremo, aiatolá Ali Khamenei. Autoridades iranianas afirmam que uma resposta militar será considerada antes de qualquer abertura à diplomacia.

O que está em jogo no estreito de Ormuz

Localizado entre o Irã e Omã, o estreito é uma faixa de apenas 39 km de largura que conecta o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã e, dali, ao oceano Índico.

Diariamente, transitam pela passagem cerca de 21 milhões de barris de petróleo cru e derivados, além de grande volume de gás natural liquefeito (GNL) e gás de petróleo liquefeito (GLP).

Segundo a Lloyd’s List, o tráfego energético na região soma até 33 milhões de barris de óleo equivalente por dia — incluindo exportações de Arábia Saudita, Kuwait, Iraque, Emirados Árabes Unidos e do próprio Irã.

Cerca de 20% do gás natural liquefeito (GNL) global também passa pelo estreito, especialmente exportado pelo Catar, um dos maiores produtores mundiais do insumo, segundo a AIE.

A importância da rota vai além da quantidade: não há alternativas logísticas com capacidade semelhante. Ainda segundo a AIE, três em cada dez barris de petróleo vendidos internacionalmente cruzam Ormuz diariamente, o que faz da região um ponto crítico para a segurança energética mundial.

Uma interrupção prolongada no tráfego de Ormuz poderia elevar o preço do barril de petróleo para acima de US$ 130, dependendo da duração do bloqueio e da resposta dos países consumidores, de acordo com a AIE. Isso refletiria em custos logísticos globais e aumento da inflação energética.

Um histórico de ameaças sem execução

Apesar da retórica repetida, o estreito de Ormuz nunca foi completamente fechado na história, mesmo nos períodos mais críticos de conflito no Oriente Médio.

Durante a chamada “Guerra dos Petroleiros” (1981–1988), travada paralelamente à guerra Irã-Iraque, ambos os países lançaram campanhas sistemáticas contra embarcações civis no Golfo Pérsico. O Iraque conduziu 283 ataques, enquanto o Irã realizou 168 ofensivas. Mais de 400 marinheiros civis morreram em consequência direta dessas ações, e centenas de navios-tanque e mercantes foram danificados ou afundados.

Ainda assim, o tráfego pelo estreito — por onde fluía a maior parte da exportação de petróleo da região — jamais foi interrompido. O temor de um colapso econômico global e o risco de retaliação direta das grandes potências mantiveram a rota ativa.

Diante da escalada, os Estados Unidos lançaram, em 1987, a Operação Earnest Will, mobilizando escoltas navais para proteger navios de bandeira americana e aliados. A operação também envolveu o rebatismo de petroleiros kuwaitianos sob bandeira dos EUA, como forma de estender a proteção militar. Desde então, a presença permanente da 5ª Frota Naval americana no Bahrein se consolidou como elemento-chave de dissuasão militar contra tentativas de bloqueio da região.

Além desse episódio, o Irã voltou a ameaçar o fechamento em várias ocasiões, como:

  • 2011–2012: em resposta às sanções impostas pelos Estados Unidos e União Europeia, o governo iraniano anunciou que “qualquer tentativa de sufocar a economia iraniana levaria ao bloqueio de Ormuz”. A ameaça, no entanto, não se concretizou.

  • 2018–2019: após a retirada dos EUA do acordo nuclear e a reimposição de sanções, novas ameaças de bloqueio foram feitas por comandantes da Guarda Revolucionária, com exercícios navais em torno do estreito. Ainda assim, nenhuma medida efetiva foi adotada.

Segundo analistas, essas declarações funcionam como bargaining chips — ou seja, moedas de pressão diplomática. O Irã utiliza a ameaça ao estreito para reforçar sua posição em negociações internacionais, sem ultrapassar o limite que provoque um conflito direto e de alta escala com os Estados Unidos e aliados.

Por que o bloqueio seria difícil de manter

Especialistas alertam que, caso Teerã tente fechar o estreito agora, enfrentaria obstáculos operacionais, militares e econômicos consideráveis.

Primeiro, a retaliação internacional seria imediata: os EUA mantêm vigilância constante na região, com presença naval permanente e capacidade aérea superior. Qualquer tentativa de bloqueio tornaria os portos iranianos e sua infraestrutura logística alvos diretos de uma ofensiva. Segundo Helima Croft, estrategista-chefe da RBC Capi ouvida pela CNBC, qualquer obstrução ao tráfego em Ormuz colocaria a costa do Irã na linha de fogo das forças americanas e aliadas.

Além da resposta militar, o impacto econômico sobre o próprio Irã seria direto e substancial. Segundo dados da consultoria energética Kpler, o país exporta atualmente cerca de 1,65 milhão de barris por dia de petróleo e condensado. Cerca de 90% dessas exportações têm a China como destino final, tornando Pequim o principal parceiro comercial de Teerã no setor energético.

Um bloqueio no estreito afetaria não apenas essa receita vital, mas também a cadeia logística que sustenta boa parte das exportações de hidrocarbonetos da região.

A China, como maior importadora global de petróleo, absorve mais da metade de todo o volume que cruza Ormuz — o que amplia o custo político e diplomático de qualquer interrupção. Para analistas do setor, seria extremamente difícil para o Irã sustentar um bloqueio prolongado do estreito com a China pressionando nos bastidores para manter o fluxo de petróleo.

Teerã já usou a ameaça ao estreito como ferramenta de dissuasão em momentos de alta tensão, mas sempre recuou diante do risco de isolamento econômico e reação militar — já que o custo de um bloqueio prolongado pode ser maior do que o de manter o estreito aberto mesmo sob conflito.

As alternativas regionais

Enquanto o Irã depende totalmente da rota, outros países têm opções de escoamento alternativo.

A Arábia Saudita pode usar o oleoduto leste-oeste, que leva até 5,1 milhões de barris por dia ao Mar Vermelho, de acordo com a Lloyd’s List. Os Emirados Árabes operam desde 2012 um duto que liga Abu Dhabi ao porto de Fujairah, no golfo de Omã — fora do alcance direto iraniano — com capacidade de 1,5 milhão de barris por dia.

Mesmo que um bloqueio completo seja improvável, ações pontuais de sabotagem, ataques a navios ou interferências de milícias ligadas à Guarda Revolucionária Islâmica não estão descartadas. Episódios semelhantes ocorreram nos últimos anos, incluindo tentativas de sequestro de embarcações e minas flutuantes.

O impacto no mercado

Com os preços do petróleo já em alta de 20% no último mês, analistas esperam mais volatilidade caso o Irã intensifique ações contra a navegação. O barril do Brent já ultrapassa os US$ 90, e projeções apontam possível disparada além dos US$ 100 caso haja interrupções no estreito.

Apesar disso, estudos históricos indicam que nenhum conflito anterior na região foi capaz de interromper mais de 2% da navegação comercial. O potencial de perturbação existe, mas os efeitos costumam ser localizados e temporários.

O estreito de Ormuz segue como um dos pontos mais sensíveis do mapa geopolítico global. A ameaça de bloqueio é uma poderosa arma diplomática usada pelo Irã em momentos de pressão internacional. No entanto, os custos econômicos internos, a dependência chinesa e o risco de retaliação imediata tornam improvável a execução de um fechamento total.

Em mais de quatro décadas de tensão, o estreito nunca parou — e, segundo analistas, isso dificilmente acontecerá agora.

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