Imigrantes venezuelanos no Brasil (Victor Moriyama/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 6 de março de 2018 às 13h00.
Mr. Saik pôs o dedo na ferida quando lançou “La Chama”. O sucesso da música do Panamá fala de uma venezuelana que “não tem medo de nada, só dos funcionários da imigração” e “era famosa no país dela, mas aqui faz outra coisa” -- a outra coisa seria supostamente a prostituição.
Centenas de milhares de venezuelanos que fogem do colapso econômico se apinham em cidades e acampamentos improvisados na Colômbia, no Brasil, no Equador e em toda a região, a maior emigração em massa da história moderna da América Latina.
A fricção resultante é um espelho do que acontece em vários países, desde os EUA, onde a imigração permeia o debate nacional, até a Alemanha, onde os refugiados de guerra transtornaram a política, e a Itália, onde um partido anti-migrante avançou de maneira impressionante no domingo.
No Panamá, a simpatia com que os primeiros venezuelanos que chegaram foram recebidos, muitos deles profissionais abastados, está dando lugar ao medo e ao ressentimento dos pobres e desesperados.
Prova disso são as explosões de insultos nacionalistas, o assédio e até mesmo a violência. Mr. Saik recebeu ameaças de morte de imigrantes ofendidos com sua música.
“A situação está tão tensa que as pessoas acabam reagindo”, disse Christian Maldonado, representante do cantor cujo nome verdadeiro é Fernando Cabrera. Ele ajudou a produzir a música, cujo título é uma referência à gíria dos venezuelanos. Ela toca em todos os táxis e bares da Cidade do Panamá.
A forte queda da Venezuela desde que o presidente socialista autocrático Nicolás Maduro assumiu o cargo em 2013 é a mais profunda da história recente da América.
A produção de petróleo, a base da economia, caiu muito à medida que a produtora estatal foi ficando sem dinheiro -- e que Maduro foi prendendo seus gerentes e substituindo-os por militares. A hiperinflação deixou a moeda sem valor e hoje a desnutrição é endêmica.
Quase 2 milhões de venezuelanos estão morando fora do país.
Os governos latino-americanos em geral têm reagido caridosamente, em alguns casos aprovando disposições para facilitar o estudo ou o trabalho, disse Tamara Taraciuk Broner, pesquisadora na Argentina e especialista em assuntos da Venezuela para a Human Rights Watch.
Os problemas surgiram nos países onde a avalanche de imigrantes criou concorrência pelos empregos, disse ela. “Eu separaria a reação dos governos da reação da população”, disse ela.
O Panamá, um país com 4 milhões de habitantes, atraiu aproximadamente 80.000 migrantes, segundo números oficiais, mas o número real é provavelmente mais alto.
Nos últimos 12 meses, o sentimento antivenezuelano cresceu porque os apresentadores de televisão e os políticos se uniram a grupos nacionalistas que pedem controles mais estritos em meio ao temor de uma alta da criminalidade e uma queda dos salários.
“Os grupos anti-imigração dizem que não é xenofobia, que é venefobia”, disse Humberto Bauder, cidadão com dupla nacionalidade e membro do comitê de migração da Associação Nacional de Advogados do Panamá. “Agora você vê imigrantes das classes econômicas mais baixas chegando e os panamenhos veem isso como uma ameaça.”
Foi nessa atmosfera carregada que chegou “La Chama”, com sua referência à “minha garota venezuelana (...) que é famosa na esquina”, lançada em dezembro. Maldonado disse que a intenção do cantor era fazer uma brincadeira inofensiva. Contudo, alguns venezuelanos dizem que a música exemplifica a relação desconfortável deles com o país adotivo.
“Até meus filhos têm que escutar outros alunos da escola cantando”, disse Yasmin García, ex-advogada de diretos humanos que solicitou asilo na Cidade do Panamá em 2016. “É humilhante.”