Javier Milei: presidente eleito da Argentina durante visita ao presidente Alberto Fernández (Maria Cerutti/Divulgação)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 24 de novembro de 2023 às 06h15.
O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, usou seus primeiros dias depois da vitória nas urnas para fazer dois movimentos: ganhar tempo para resolver os problemas da economia e se aproximar de países e líderes globais que criticou durante a campanha.
A economia argentina tem graves problemas a resolver, como a falta de dólares e inflação de 140% ao ano. Milei prometeu saídas radicais, como dolarizar a economia e fechar o Banco Central. Eleito, tem repetido que isso levará algum tempo. Nas primeiras entrevistas, já deixou claro que a queda da inflação para níveis aceitáveis pode levar até dois anos, e que antes de fazer mudanças mais profundas no câmbio precisa resolver a questão das Leliqs, títulos do governo usados para controlar a cotação do peso e que geram uma enorme dívida ao governo.
O governo de Alberto Fernández, que está de saída, ajudou Milei nisso: Sergio Massa, candidato derrotado na eleição, topou ficar até 10 de dezembro no cargo, mesmo após dizer que a responsabilidade da economia agora estava com o novo presidente.
Ao mesmo tempo, o governo prestes a sair não tomou medidas bruscas, como uma grande desvalorização do peso, que está travado em 374,70 na cotação oficial, a que poucos têm acesso. O dólar paralelo, chamado de "blue", está na faixa de 1.065 pesos. Há uma semana, antes da eleição, estava em 950.
O governo também renovou acordos com empresários para reduzir aumentos de preços. No entanto, altas acima do previsto têm surpreendido comerciantes e clientes. "São dias horríveis", diz Fernado Savore, vice-presidente da Federação de Mercearias de Buenos Aires, em entrevista à agência AFP. "Ainda que na semana passada tenhamos mudado os preços, descobrimos agora ao reabastecer a mercadoria nos fornecedores que houve aumentos [deste antes da eleição] de entre 25% e 30% em média."
"O preço do macarrão é desconcertante. Aumentaram mais de 50% e também não há reposição de óleo. Os produtos de limpeza subiram 30%", enumerou.
No entanto, o adiamento das medidas faz com que a expectativa de desvalorização do peso ocorra após a posse. Analistas apontam que a taxa oficial, para refletir a realidade, deveria estar mais próxima de mil pesos por dólar do que dos atuais 374 pesos.
"Espero uma forte desvalorização do peso. O Milei tem sido enfático sobre isso, e acredito que é do seu interesse “puxar o curativo” cedo em seu mandato. Isso claramente resultará em um peso mais fraco no curto prazo, enquanto converge para sua taxa natural, mas espero que a moeda se fortaleça depois disso, à medida que as taxas de juros aumentem e o governo ganhe confiança do mercado internacional", afirma Malcolm Dorson, gerente sênior de portfólio para ações de mercados emergentes na Global X Management Company.
Dorson avalia que uma boa gestão fiscal, com cortes de gastos públicos, pode ajudar Milei a atrair investimentos estrangeiros. Já a dolarização, outra promessa do novo presidente, deve demorar mais. "Não creio que a dolarização seja possível nos primeiros anos de mandato. Para que funcione, o país precisa primeiro atrair dólares. Este é um processo que levará tempo. Além disso, o presidente e o seu partido necessitarão de mais apoio no Congresso e no Senado para avançar com um plano tão radical", diz.
"Há uma tendência de amenização do discurso, e Milei não terá outra escolha além de fazer alianças para conseguir governar. O partido dele não vai ser a principal força política no Congresso e ele vai precisar de quadros para gerir o governo", afirma Livia Milani, pesquisadora de pós-doutorado em Relações Internacionais do programa San Tiago Dantas.
Nas relações internacionais, Milei teve gestos de aproximação com países importantes, especialmente Estados Unidos e China. O novo presidente recebeu uma ligação do presidente dos EUA, Joe Biden, na quarta, 22.
"Os dois líderes discutiram a importância de continuar a construir o forte relacionamento entre os EUA e a Argentina em questões econômicas, cooperação regional e prioridades compartilhadas", disse um comunicado da Casa Branca sobre a conversa. Em maio, Mlei chamou de Biden de "socialista moderado, mas socialista".
Biden não irá na posse, mas o evento poder ter a presença do ex-presidente Donald Trump, rival do atual presidente americano e que disputará as eleições americanas de 2024, segundo o próprio Milei. Trump gravou um vídeo para felicitar a vitória do libertário, mas não confirmou publicamente que irá a Buenos Aires.
Da China, atacada por Milei por ser comunista, veio uma carta do dirigente Xi Jinping, felicitando-o pela vitória. "Estou disposto a trabalhar junto com vocês para continuar a amizade entre os dois países, promover o desenvolvimento e a revitalização dos dois países com uma cooperação ganha-ganha e impulsionar o desenvolvimento estável."
Milei fez as pazes também com o papa Francisco. Em um telefonema, ele enviou um agradecimento especial e o convidou para viajar à Argentina. O novo presidente já havia chamado Francisco de "representante do mal na Terra".
Com o Brasil, o tom se abrandou, mas ainda há distância. O novo presidente, que já chamou o presidente Lula de comunista e corrupto, mas na quarta, 22, fez um gesto de reaproximação. “Se Lula quiser vir, será bem-vindo. Ele é o presidente do Brasil". Lula não telefonou para Milei para felicitá-lo e, mesmo após o gesto do líder argentino, não disse nada sobre a ir à posse.
O PT, partido de Lula, deu apoio a Massa, rival de Milei na eleição. O libertário teve apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro durante a campanha, e conversou com ele por vídeo na segunda-feira. Bolsonaro disse que irá à posse, em 10 de dezembro, junto com governadores aliados.
Nesta sexta, 24, Milei embarcaria para os Estados Unidos, mas não em viagem de trabalho. Ele iria a Nova York para orar em Ohel, um ponto de peregrinação judaico que abriga a sepultura do rabino ortodoxo Menachem Schneerson. Milei se converteu ao judaísmo depois de adulto, e fez outras viagens aos EUA por razões religiosas neste ano. No entanto, ele suspendeu a viagem na quinta à noite, para resolver embates internos na formação do novo governo.