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Quênia combate a prática da mutilação genital feminina

Quênia conseguiu reduzir para 11% o número de adolescentes submetidas à ablação do clitóris, sofrida por 140 milhões de mulheres em 29 países


	Duas mulheres no Quênia: O país africano aprovou em 2011 a norma que criminaliza a ablação e cria o Comitê Anti-MGF, dotado de uma unidade judicial
 (Ivan Lieman/AFP)

Duas mulheres no Quênia: O país africano aprovou em 2011 a norma que criminaliza a ablação e cria o Comitê Anti-MGF, dotado de uma unidade judicial (Ivan Lieman/AFP)

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Da Redação

Publicado em 20 de agosto de 2015 às 08h41.

Nairóbi - Muitas meninas do Quênia viajarão neste mês de agosto ao povoado de sua família para passar as férias escolares. Algumas não serão as mesmas quando retornarem à cidade: terão sido mutiladas em rituais de iniciação à idade adulta que porão fim a sua educação e a sua integridade como mulheres.

A nova unidade contra a mutilação genital feminina (MGF) criada pela procuradoria queniana enfrenta sua prova de fogo este mês, uma das "temporadas do corte", quando deve demonstrar que é capaz de fazer cumprir a lei que proíbe a ablação - nome técnico da MGF - e manter o país como líder mundial contra esta brutal tradição.

O Quênia conseguiu reduzir para 11% o número de adolescentes submetidas à ablação do clitóris, o que o transforma em um dos países onde mais se está abandonando esta aberração cultural, sofrida por 140 milhões de mulheres em 29 países do mundo.

A prevalência da MGF no Quênia era de 21% em 2014, 27% menor que nos últimos seis anos, queda que só a República Centro-Africana conseguiu equiparar, segundo o Unicef.

Assim, as quenianas entre 45 e 49 anos têm hoje três vezes mais probabilidades de terem sido mutiladas que as meninas de 15 a 19, segundo a última Pesquisa Demográfica de Saúde no Quênia.

"O fato de que a lei - que prevê penas de até cinco anos de prisão - esteja aí fez a diferença", assegurou à Agência Efe a chefe da unidade judicial anti-MGF, Christine Nanjala, perguntada sobre o sucesso do caso queniano.

O país africano aprovou em 2011 a norma que criminaliza a ablação e cria o Comitê Anti-MGF, dotado de uma unidade judicial para penalizar estas práticas que começou a trabalhar este ano.

A tarefa não é fácil, já que 37 dos 42 grupos étnicos que convivem no Quênia extirpam o clitóris de suas adolescentes após a chegada da menstruação.

Às vezes, visto que as meninas estão cada vez mais informadas, a ablação é antecipada para até crianças menores de cinco anos.

Os acusados de mutilar as meninas não se assustam com facilidade, alertou a procuradora Nanjala: "Para eles, as práticas estão tão arraigadas que não se preocupam".

"Em Nairóbi há famílias somalis que vão ao hospital e retornam apertando a buzina do carro. Você acha que é um casamento, mas não é. 'Cortaram a minha filha', dizem", relatou a especialista em proteção infantil do Unicef, Zeinab Ahmed, em um fórum sobre mutilação genital em Nairóbi.

Embora até agora as meninas tenham sido mutiladas principalmente por familiares ou líderes tradicionais, ultimamente aumentou o número de ablações realizadas por profissionais de saúde, que já são responsáveis por 40% dos casos.

"A 'medicalização' da MGF está crescendo porque houve ênfase nos efeitos - da ablação tradicional - sobre a saúde. Por isso as pessoas agora dizem: 'Bom, posso fazê-lo no hospital'. E isso é ilegal. Esses médicos deveriam ser julgados", disse a diretora do Programa contra a MGF da Equality Now, Mary Wandia.

Mas levar os médicos aos tribunais é complicado porque nenhum quer testemunhar contra seus colegas, dizem fontes da Justiça consultadas pela Agência Efe.

Apesar destes empecilhos, governo e ativistas comemoram o grande avanço na luta contra a MGF, na qual o apoio político foi essencial, segundo a ativista.

Durante muito tempo, os líderes políticos locais "tinham medo de perder votos por ir contra uma prática cultural, ou mal chamada prática religiosa, que não o é", especificou.

O exemplo das meninas que evitaram a ablação e inclusive chegaram a se transformar em líderes de suas comunidades são o melhor trunfo nesta batalha: "Veem que podem ser responsáveis e não precisam ser mutiladas ou dadas em casamento", ressaltou Mary.

Agora se trata de comprovar o que funciona e o que não na aplicação da lei para continuar a avançar, mas o Quênia já abriu um caminho promissor nos lugares da África e do Oriente Médio onde a MGF é prática cotidiana.

"O Quênia está fornecendo um modelo possível a outros países", concluiu a ativista da Equality Now.

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