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Quem se importa com os fatos?

Novo livro examina como a humanidade atingiu um pico de baboseiras ditas por políticos, comunicadores e empresários

DONALD TRUMP, PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS: suas mentiras refletiram a angústia de um eleitorado abandonado pelas elites políticas do país (Lucas Jackson/Reuters)

DONALD TRUMP, PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS: suas mentiras refletiram a angústia de um eleitorado abandonado pelas elites políticas do país (Lucas Jackson/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 5 de maio de 2018 às 08h59.

Última atualização em 5 de maio de 2018 às 09h15.

Post Truth: Why We Have Reached Peak Bullshit and What We Can Do About It

Autor:  Evan Davis

Editora: Little, Brown

368 páginas

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Desde que, em 2016, o Oxford Dictionary elegeu “post-truth” (pós-verdade) como a palavra do ano, sentimos que vivemos em uma nova época da história da humanidade. Uma época em que as pessoas não apenas mentem para enganar as outras, mas que simplesmente não se importam em conhecer os fatos; em que teriam se tornado indiferentes à verdade, e portanto pós-verdade. De agora em diante, emoções e crenças pessoais falam mais alto do que fatos comprovados.

Há evidentes exageros aí. Ao mesmo tempo, contudo, será totalmente infundado pensar que nos últimos anos algo mudou em nossa relação com a informação? O jornalista britânico Evan Davis argumenta que sim, em seu livro Post Truth: Why We Have Reached Peak Bullshit and What We Can Do About It. Vivemos, de fato, em um momento no qual a comunicação feita para enganar chegou a um ápice, e não está claro como vamos fazer para reverter isso.

Segundo Davis, a “bullshit” de que trata o título sempre esteve presente, e em generosas quantidades, em toda a história da humanidade. Em sua definição, ela compreende todas as formas de comunicação que não são tão claras ou breves quanto a crença do comunicador. Podemos incluir aí tanto uma propaganda política mentirosa quanto o aviso automático do SAC de uma empresa de que “sua ligação é muito importante para nós” ou ainda a mentira branca que um marido conta para sua esposa.

Há muitos motivos para se ficar aquém do padrão exigente da verdade pura e cristalina. Um deles, evidentemente, é o sucesso político e eleitoral. Mesmo com a dificuldade de manter uma mentira no longo prazo, o político precisa sustentá-la apenas por um curto período de tempo, até as urnas. Assim, os políticos têm um incentivo maior a mentir ou enganar. Alguns dos melhores momentos do livro ocorrem quando o autor analisa mentiras famosas das últimas campanhas – por exemplo, o uso que Trump fez de dados falsos sobre desemprego. Em outros casos, o político ou jornalista não mente, mas modifica sua mensagem para, sem afirmar nada literalmente falso, ainda assim dar a entender algo que não é real, ou que não está contido nas evidências que ele tem a apresentar.

Davis não faz uma análise moral da mentira, mas aponta que ela funciona muitas vezes porque tem finalidades outras do que comunicar a verdade. Mesmo mentindo sobre desemprego e sendo desmentido por órgãos de credibilidade, o discurso de Trump continuou a ressoar. Isso ocorreu porque a fatia do eleitorado a quem ele se destinava não estava em busca de fatos corretos sobre o estado da economia, e sim de um discurso que amparasse sua angústia quanto ao futuro incerto e o sentimento de ter sido abandonado pelas elites culturais e políticas. Apoiadores de Trump sabiam que muito do que ele falava não devia ser tomado literalmente, mas ainda assim servia para estabelecer um conexão com ele.

Um bom tanto do alarde feito em torno da ideia de pós-verdade, conclui Davis, deve-se ao fato de que em algumas questões a opinião pública deixou a resposta única tolerada pelo establishment progressista e agora considera outras possibilidades, antes vetadas de maneira enérgica. Um outro tanto, contudo, é próprio dos nossos tempos: quando saber em que lado meu interlocutor está se torna mais importante do que a análise de seu discurso, a quantidade de “bullshit” no discurso tenderá a crescer exponencialmente. Se o discurso é uma maneira de fortalecer os laços da tribo e desqualificar a tribo rival, sua verdade ou falsidade realmente será irrelevante. E como vivemos em tempos de polarização, isso é agora mais intenso do que em décadas passadas. Nossa percepção de que vivemos em tempos de pós-verdade não é de todo infundada.

Essa conclusão pode parecer um pouco trivial, mas ela dá suporte a uma consequência prática que poucos levantaram antes de Davis: se, num contexto polarizado, o discurso não serve mais para comunicar a realidade, então órgãos de checagem de fatos e de afirmações serão ineficazes para lutar contra a pós-verdade. Atuar nos efeitos (tentar refutar algumas das milhares de afirmações feitas a todo momento, sendo que qualquer uma delas pode ser abandonada sem grande prejuízo para a narrativa maior) é inócuo.

Embora critique o modelo do ser humano como um indivíduo racional, Davis tenta mostrar que, no longo prazo, isso vale. A humanidade corrige seus erros, a verdade prevalece. O problema é que esse prazo da racionalidade não bate com o prazo da política, e aí corremos o risco de cometer grandes equívocos baseados em informações falsas.

No final das contas, a resposta para a pós-verdade só será conseguida quando tivermos uma resposta para a polarização, para a política identitária e da divisão social, coisa que Davis não tem. Ele tenta, contudo, dar conselhos para os indivíduos, para que se tornem menos suscetíveis, menos crédulos, à “bullshit”. O mais importante de todos é não se deixar tomar por um dos lados e preservar, assim, a mente aberta. É justamente na mente fechada em torno de um grupo ou de uma causa que a pós-verdade tem mais facilidade de entrar.

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