LOJA EM QUÉBEC: políticos locais não querem mais que vendedores digam “Bonjour hi” e passem a dizer apenas “Bonjour” / Robert Wright/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 18 de dezembro de 2017 às 13h17.
Última atualização em 18 de dezembro de 2017 às 13h33.
Montreal – Uma vez, um cliente de um pet shop em Napierville, em Québec, ameaçou se queixar à agência de controle de língua francesa da província porque um papagaio chamado Peek-a-Boo se recusava a falar francês.
Em outro episódio, conhecido como “Pastagate”, a agência – que defende com firmeza o uso do francês em Québec – disse a um restaurante italiano de Montreal que o estabelecimento havia violado a lei ao usar a palavra “pasta” no cardápio em vez de sua tradução na língua de Voltaire.
O exemplo mais recente da longa guerra cultural que ocorre na região, porém, aconteceu quando legisladores da província aprovaram por unanimidade uma resolução que pede que os vendedores parem de dizer “Bonjour hi” (“Bom dia” em francês e “oi” em inglês) quando cumprimentam os clientes, e passem a dizer apenas “Bonjour”.
A reação foi imediata e ainda está reverberando.
Em Québec, uma antiga colônia francesa cedida à Grã-Bretanha em 1763, depois que o país derrotou a França na Guerra dos Sete Anos, as questões sobre linguagem e identidade são profundas. E a cidade de Montreal, que possui uma minoria importante de língua inglesa, há tempos vem sendo um ponto crítico.
Leis da província tornaram o francês o idioma oficial do governo, do comércio e das cortes de justiça. Propagandas e placas públicas precisam estar em francês e, se outra língua é usada, o francês deve aparecer de maneira “marcadamente predominante”, pelo menos duas vezes maior.
Para ajudar a proteger o idioma, as crianças de famílias de imigrantes precisam frequentar escolas francesas.
Ainda assim, Montreal se mantém como uma cidade orgulhosamente multicultural, onde em geral o francês e o inglês convivem bem. Entre a nova geração de moradores de Québec, vários foram criados com uma dieta farta de cultura popular norte-americana e de língua inglesa nas redes sociais, e transitam facilmente entre os dois idiomas.
É só entrar em uma loja ou em um restaurante no centro de Montreal, e há uma boa chance de ouvir o vendedor dizer “Bonjour hi”, um cumprimento híbrido que reflete o entusiasmo bilíngue da cidade cosmopolita.
Esse costume irritou os membros do Parti Québécois, partido que defende uma Québec independente do resto do país. Por isso, seus membros patrocinaram uma moção na legislatura de Québec convidando “todas as empresas e trabalhadores que entram em contato com clientes locais e internacionais a recebê-los calorosamente com ‘Bonjour'”. E apenas “Bonjour”.
A moção, que não é legalmente aplicável, passou por 111 votos a zero.
No entanto, quase que imediatamente, alguns lojistas atacaram o esforço para policiar a linguagem, mesmo depois que seus apoiadores disseram que o movimento era necessário para ajudar a preservar a identidade cultural da província.
Recentemente, em uma imensa loja de bicicletas, em um bairro bilíngue no oeste de Montreal, vários entusiastas do ciclismo, falantes de francês, discutiam os desafios de pedalar no inverno, com o francês e o inglês saindo de suas bocas com a facilidade de uma mudança de marcha na bicicleta.
“É um absurdo. O que eles vão fazer, entrar na minha loja e me prender por causa da maneira que eu cumprimento as pessoas?”, perguntou Olivier La Roche, que mora em Québec, fala francês e administra a loja, referindo-se à resolução.
Ele diz que normalmente cumprimenta os clientes com “Bonjour”, mas pode falar inglês dependendo do comprador.
“Sou um orgulhoso morador de Québec. Mas estamos em um país livre. Isto aqui é um negócio e tudo depende do cliente. Precisamos ter condições de cumprimentar
as pessoas da maneira que quisermos”, continua ele.
Outros, que gostam da combinação “Bonjour hi”, usaram as redes sociais para desabafar sobre suas frustrações.
“Sou uma hostess francesa-canadense bilíngue de um restaurante, e é a primeira coisa que digo quando cumprimento os clientes. Não é irritante, é respeitoso para todos. Parem de querer que a gente haja da maneira que vocês acham certo e vão encontrar coisa mais importante para fazer”, escreveu Maude Lussier-Racine no Twitter.
Os defensores da moção dizem que os canadenses franceses têm todos os motivos para se preocupar com a preservação do idioma francês em um momento de globalização, quando o inglês é a língua franca do mundo. Afinal, a geração mais jovem de moradores de Québec pode facilmente se ver tentada a dizer “e-mail” em vez de “courriel”, o equivalente em francês.
O Office Québécois de la Langue Française, a agência de vigilância, procura afastar os anglicismos que se infiltram de maneira insidiosa na linguagem francesa inventando alternativas. Mas, recentemente, permitiram que “grilled cheese”, “softball” e “drag queen” entrassem no uso diário em uma aparente aceitação da ideia de que a língua é algo orgânico e que evolui.
Agora já é considerado aceitável no uso diário falar “cocktail” em vez de “coquetel” e “baby boom” no lugar de “bébé-boum”.
Ao apresentar a resolução do “Bonjour”, Pascal Bérubé, líder do Parti Québécois, diz que o cumprimento “Bonjou hi” é “irritante” e que usar “Bonjour” é uma lembrança de que Québec é uma província que fala francês. Os políticos locais podem ter recebido inspiração do outro lado do Atlântico, da França, onde não cumprimentar um estranho com um caloroso “Bonjour” pode levar a um silêncio gelado.
Oficiais do partido também justificaram a moção citando dados de um censo recente que mostram que o uso do francês como língua principal no local de trabalho caiu 2,3 por cento na última década, mesmo com o bilinguismo nos escritórios crescendo – evidência, segundo eles, de que o idioma francês pode estar em perigo.
Em sua coluna no Le Journal de Montréal no dia que a resolução passou, Josée Legault argumentou que o fracasso da classe política de Québec na proteção da língua francesa era um “fenômeno revoltante” em um momento de imposição do bilinguismo. Ela afirmou que os políticos locais precisam acordar antes que seja tarde demais.
Em outra convulsão sobre a língua, um tumulto aconteceu recentemente quando a Adidas abriu uma loja de sapatos em Montreal e seu gerente francófono fez um discurso introdutório em inglês. O prefeito da cidade de Québec, Régis Labeaume, chamou o ato de “escandaloso”, e outros ameaçaram boicotar a loja. A Adidas pediu desculpas.
Bill Brownstein, colunista veterano do jornal de língua inglesa Montreal Gazette, afirmou que o uso da questão do idioma refletia um esforço desesperado do Parti Québécois de chamar a atenção em um momento em que o nacionalismo está diminuindo e o partido derrapa nas pesquisas para as eleições provinciais do ano que vem.
Ele enfatizou, no entanto, que os debates velhos e emotivos sobre linguagem estavam se dissipando à medida que os imperativos econômicos superavam o nacionalismo.
“O idioma é sempre uma caixa de Pandora em Québec. Mas os jovens de hoje estão mais interessados em ganhar dinheiro. As guerras de linguagem já foram ganhas”, afirma.