Hotel em Paris: muitos trabalhadores na França foram colocados em programas de manutenção de emprego, com o governo bancando parte do salários (Dmitry Kostyukov/The New York Times)
Carolina Riveira
Publicado em 13 de março de 2021 às 08h01.
Durante quase seis meses, Philippe Boreal e 120 de seus colegas que trabalham em um hotel de luxo de Cannes receberam para ficar em casa, porque o estabelecimento foi forçado a fechar devido à pandemia.
Ele trabalha com serviços gerais há 20 anos e está grato pela ajuda, que é financiada pelo governo francês sob um plano abrangente para manter pessoas e empresas longe da calamidade econômica. Mas, à medida que a crise da Covid-19 se arrasta, ele se pergunta quanto tempo essa generosidade pode durar. "Em algum momento você se questiona: 'Como vamos pagar por tudo isso?'", declarou Boreal, que está recebendo mais de 80 por cento de seu salário, o que lhe permite pagar as contas essenciais e comprar comida para a esposa e a filha adolescente.
A maioria dos outros hotéis ao longo da orla de Cannes também está mantendo funcionários em licença financiada pelo Estado – assim como inúmeros negócios em toda a Europa. "A conta parece bem alta, e continua crescendo", afirmou Boreal.
Para as famílias que tentam equilibrar seu orçamento mês a mês, o fato de os países europeus estarem incorrendo em dívidas de trilhões de euros é atordoante. Só na França, a dívida nacional ultrapassou 2,7 trilhões de euros (US$ 3,2 trilhões) e em breve ultrapassará 120 por cento da economia.
Os governos, porém, estão longe de se preocupar em acumular dívidas agora, já que as taxas de juros baixíssimas os capacitam a não poupar despesas para proteger a economia da pandemia. E estão gastando.
Bilhões de euros são usados para nacionalizar a folha de pagamento, prevenir falências e evitar o desemprego em massa. Trilhões mais estão sendo destinados a estímulos futuros para garantir a recuperação necessária.
A União Europeia deixou de lado suas políticas para financiar as medidas, rompendo com décadas de limites rígidos do déficit e superando a visceral resistência alemã a grandes dívidas.
Mantras de austeridade liderados pela Alemanha dominaram a Europa durante a crise da dívida de 2010, quando os gastos na Grécia, na Itália e em outros países da zona do euro levaram o bloco monetário à ruptura.
A pandemia, que já matou mais de 450 mil pessoas na Europa, é vista como uma situação completamente diferente – uma ameaça que assola simultaneamente todas as economias do mundo. Embora as autoridades alemãs tenham inicialmente advertido sobre os gastos descontrolados na pandemia, os formuladores de políticas europeus concordam que seria loucura cortar gastos ou aumentar impostos para pagar dívidas contraídas para combater as consequências econômicas.
Essas dívidas estão aumentando a níveis não vistos desde a Segunda Guerra Mundial. Em alguns países europeus, ela cresce tão rapidamente que chega a superar o tamanho da economia nacional.
Mas as taxas de juros para muitas nações ricas estão em torno de zero por causa de anos de inflação baixa. Embora a dívida que os países assumiram tenha aumentado, o valor que os governos precisariam para pagar por ela, não.
Portanto, será que pode haver, afinal, uma espécie de almoço grátis? No atual mundo incomum de juro zero, talvez sim.
Os governos estão se endividando pesadamente, emitindo uma quantidade crescente de títulos. O Banco Central Europeu está ajudando ao comprar grande parte dessa dívida, empurrar as taxas de juros já baixas mais para baixo ainda e criar uma montanha de dinheiro barato para os países.
Na Europa, os gastos com a pandemia até agora têm se concentrado sobretudo em manter pessoas e empresas durante a crise. Para Boreal e milhões como ele na Europa, o apoio é vital para sobreviver a uma recuperação que agora ameaça se transformar em uma recessão profunda. "Sem a ajuda, as coisas seriam muito piores. Ela está nos permitindo enfrentar a pandemia, e espero voltar ao trabalho em breve", disse Boreal, que recebe um salário líquido de 1.700 euros (cerca de US$ 2.050) enquanto estiver em licença, financiado pelo Estado.
Por enquanto, esses gastos são acessíveis. E a dívida pública pode nunca ter de ser totalmente paga se os bancos centrais continuarem a comprá-la. Os países podem essencialmente rolar sua dívida a baixas taxas de juros, operação semelhante ao refinanciamento de uma hipoteca.
O Banco Central Europeu efetivamente emprestou aos governos da zona do euro cerca de 1,2 trilhão de euros no ano passado e se comprometeu a continuar até meados deste ano. A dívida pública desses países pode subir até quatro trilhões de euros até o fim de 2023, de acordo com o Institut Montaigne, think tank independente em Paris.
"Se não há risco de retorno da inflação, então o céu é o limite para a dívida", comentou Nicolas Véron, membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.
E isso indica o risco dessa estratégia. Alguns economistas temem que a inflação e as taxas de juros possam subir se o estímulo ao investimento gerar um crescimento muito rápido, forçando os bancos centrais a colocar um freio nas políticas de dinheiro fácil. Se os custos de empréstimos aumentarem, os países mais fracos podem cair em uma armadilha da dívida, lutando para pagar o que devem.
"Se a inflação ameaçar voltar, mas não houver crescimento, então a situação fica muito mais complicada", disse Simon Tilford, diretor da Oracle Partnership, empresa de planejamento estratégico em Londres.
E, se a dívida se acumular ano após ano, os governos terão mais dificuldade em estimular sua economia quando a próxima recessão vier.
Para as pessoas encarregadas de orientar a economia durante a pandemia, esses problemas parecem distantes. "Precisamos saldar a dívida, é claro, e elaborar uma estratégia para pagá-la. Mas não faremos nada antes do retorno do crescimento – isso seria loucura", declarou Bruno Le Maire, ministro das Finanças francês, em entrevista a um pequeno grupo de jornalistas.
Thomas Flammang, de 28 anos, engenheiro de materiais de uma empresa de consultoria aeroespacial em Rouen, não tem ilusões sobre a recuperação.
Durante seus primeiros meses de licença, ele continuou esperando que as coisas voltassem ao normal. Preso em casa, saía para longas caminhadas e lia bastante. Quando, entretanto, as semanas se transformaram em meses, as encomendas à empresa nunca chegaram a uma quantia suficiente para que ele pudesse voltar ao trabalho.
Sem uma reabertura completa da economia, é provável que as coisas piorem. "Por enquanto, a empresa salvou nosso emprego", disse Flammang. Mas, segundo ele, se as coisas não melhorarem, as demissões podem ser inevitáveis.
Ele vê pouca luz no fim do túnel: "Nossa geração vai ter de pagar por muitas coisas: os baby boomers que se aposentam, o custo da crise climática. E agora estamos emitindo moeda por causa da pandemia, e vamos precisar pagar por toda essa ajuda. É de enlouquecer quando você pensa nisso."
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