Vitelio Brustolin, pesquisador de Harvard: Por mais precisos que sejam os mísseis de Israel, haverá efeitos colaterais com muitos civis mortos (AFP/AFP Photo)
Repórter
Publicado em 10 de outubro de 2023 às 13h25.
Última atualização em 10 de outubro de 2023 às 13h28.
“O Hamas tem claramente uma estratégia com essa guerra. O grupo terrorista planejou esse ataque durante meses”, afirma Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense e pesquisador da Universidade de Harvard. “Sabemos que foi algo planejado pela quantidade de foguetes que foram utilizados e pelo uso da artilharia com incursão por terra, mar e ar em território israelense com muita munição, que resultou em mortes de civis e em reféns na região de Gaza.”
Israel está em uma situação muito difícil. De um lado, o governo precisa dar uma resposta contundente, porque a sociedade requer; do outro, há vidas inocentes em território tomado pelo inimigo:
“O atual governo já estava em uma situação política complicada com protestos por causa das reformas da suprema corte de Israel, inclusive com militares se recusando a seguir ordens do governo. Ao mesmo tempo é inédito em Israel um atentado terrorista desta magnitude – muito maior que os outros ataques promovidos pelo Hamas”, diz Brustolin.
Considerando a forma como os terroristas atacaram, se Israel atacar agora, ele dará o que o Hamas quer. “Quando o Hamas promoveu esse ataque terrorista e levou refém para dentro da faixa de Gaza, ele esperava chamar a atenção do mundo para aquilo que ele considera uma opressão de Israel contra a população palestina”, afirma o professor.
Um ataque do exército de Israel a uma área que tem 41 km de extensão, de 6 a 12 km de largura, com cerca de 2 milhões de pessoas pode ser catastrófico. “Por mais precisos que sejam os mísseis de Israel, haverá efeitos colaterais com muitos civis mortos”, diz.
Quando o grupo terrorista Hamas requer a autoria do atentado, ele diz que a primeira razão é para proteger a mesquita de Al-Aqsa, que é uma mesquita sagrada e que fica em Jerusalém oriental.
"Ao citar a mesquita, a intenção do grupo terrorista era de agregar aliados e chamar a atenção da comunidade palestina, porque é proibido o acesso de pessoas que não sejam muçulmanas nesta mesquita, mas Israel tem feito incursões policiais neste local," diz o pesquisador.
O segundo motivo do ataque, de acordo com Brustolin, é mostrar como Israel trata as mulheres muçulmanas, e o terceiro são as condições das pessoas na faixa de Gaza.
O Irã aparece como um dos principais patrocinadores do grupo terrorista Hamas, com o objetivo de afastar a Arábia Saudita de Israel, já que neste momento estavam em curso negociações para aproximar os dois países, intermediadas pelos EUA.
Além dessas relações comerciais, o professor reforça que a Guerra da Ucrânia também faz parte da estratégia. “O Irã também é um parceiro da Rússia e interessa ao governo russo tirar o foco do mundo da guerra na Ucrânia e dividir esse foco com Israel. Isso divide também os recursos dos EUA", afirma.
Os EUA já mostraram por meio de investimentos seu apoio a Ucrânia e Israel, mas no caso do país israelense a intensidade da colaboração foi muito maior. “O governo americano enviou um porta-aviões, que é um instrumento militar de projeção de poder, e isso intimida outros grupos a seguirem o Hamas, como o Hezbollah, porque está ali o maior exército do mundo apoiando Israel que é um exército muito maior que Hezbollah”, diz.
Os principais apoiadores desta guerra (EUA e Irã) tem uma rivalidade histórica. Em 1947, quem apoiava mais Israel era a URSS, mas depois os EUA firmou um tripé no Oriente Médio com boas relações com Israel, Arábia Saudita e Irã. Mas em 1979, um golpe de Estado no Irã rompeu com as relações diplomáticas com os EUA. Em 2018, durante o governo Trump, os EUA saiu do acordo nuclear firmado com o Irã realizado durante o governo do Barack Obama e baixou sanções contra o Estado iraniano, que segue enriquecendo urânio para bombas nucleares.
O momento também confirma que as ações do grupo terroristas foram programadas. “Além da relação com a data dos 50 anos do início da guerra do Yom Kippur, foi somado mais um dia, que caiu em um sábado neste ano, ou seja, atacaram Israel em um dia de descanso”, afirma o pesquisador.
Israel desde 2020 também tem estreitado relações com diferentes nações como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão - essas relações diplomáticas incomodaram o Irã e o grupo Hamas, que não reconhecem a existência de Israel.
"Para um país ser considerado nação, é preciso ter território, população, governo e ser reconhecido por outros governos, no caso de Israel, ele não é reconhecimento pelo Irã e pelo grupo terrorista Hamas e ver novas relações com outras nações incomoda", diz Brustolin.
Assim como a Palestina é reconhecida por 136 países dos 193 países do mundo, há nações e grupos que não reconhecem Israel. Essa guerra não começou agora, é histórica, mas se intensificou neste ano em uma data história, marcada por relações globais.
A principal e mais difícil decisão será negociar com os terroristas, porque há muitos cidadãos reféns, diz o professor. “Será difícil Israel negociar com um grupo que quer exterminar a nação, que não aceita Israel como Estado, mas o ideal seria uma negociação para a retirada desses reféns, tirar o máximo possível de civil de lá, cortar água, energia e linhas logísticas de suprimentos daquelas áreas”, afirma.
O professor ressalta que essa estratégia de logística pode levar muito tempo. Afinal, o Hamas planejou o ataque durante meses e certamente estocou suprimentos. “Sabemos que toda estratégia pode durar meses, mas o ideal seria retirar inocentes daquela região e só depois Israel poderia atuar cirurgicamente contra as lideranças do Hamas”, diz o pesquisador.