Mundo

Putin: se a Otan se rearmar, seremos obrigados a responder

Os presidentes das principais agências de notícias do mundo entrevistaram o presidente russo. Veja a íntegra da conversa


	Putin: "vamos trabalhar com quem for eleito presidente, independentemente da retórica eleitoral", disse sobre os EUA
 (Alexey Nikolsky / Reuters)

Putin: "vamos trabalhar com quem for eleito presidente, independentemente da retórica eleitoral", disse sobre os EUA (Alexey Nikolsky / Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de junho de 2016 às 16h10.

São Petersburgo - Reproduzimos a seguir, na íntegra, a entrevista realizada com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pelos presidentes das principais agências de notícias do mundo, entre elas a Efe:.

Pergunta: Recentes estatísticas mostram que os investimentos de capital na economia russa caíram 5% por ano no primeiro trimestre do ano. Continuam caindo e caíram nos últimos 18 meses. Tem pouca relação com a queda dos preços do petróleo, e acreditamos que as companhias russas não querem investir em seu próprio país. Isso não aponta para problemas estruturais que devem ser resolvidos?

Resposta: Acontecem ambas as coisas. Tem relação com a queda dos preços do petróleo, já que a rentabilidade dos negócios do petróleo e de energia em geral caiu. Boa parte dos investimentos em anos anteriores estava ligada ao petróleo, ao gás, às fontes de energia em geral e às infraestruturas relacionadas com o setor. 

Há uma relação direta, quanto a isso não cabe nenhuma dúvida. Nossas grandes companhias energéticas não podem investir em ampliar a extração agora que caiu a demanda. Em um país tão dependente da energia, isto traz consequências.

Mas, ao mesmo tempo, um dos objetivos principais de nossa política econômica é a diversificação. Ficamos muito tempo falando disso, e embora não possa dizer que sejamos muito eficientes, trabalhamos nisso. E, neste sentido, há males que vêm para o bem, como diz o ditado.

O que quero dizer com isto? Quando o setor energético não dá lucro, o capital busca tirar proveito de outros lados. E de fato o encontra, o que é algo que nos alegra muito. Nós, por nossa parte, devemos apoiar este processo para criar as melhores condições para a diversificação.

Devemos criar as condições para investir em outros setores. Atrair os investimentos, tanto próprios como estrangeiros, é uma de nossas prioridades.

De qualquer forma, diminuiu muito a fuga de capitais. Acho que até em nove vezes. Significa que o dinheiro fica no país. Além disso, há outros indicadores objetivos. Caíram nossas exportações em termos absolutos, incluindo o setor tecnológico e de equipamentos, mas em termos percentuais cresceu. Desta maneira, a estrutura das exportações melhorou. E esta tendência nós verificamos há vários meses.

Além disso, prevíamos uma pequena contração de nossa economia, mas atualmente vemos crescimento: na indústria transformadora, de 0,6%; na agricultura, 0,2%; e de média, 0,5%.

Por isso é preciso dizer que obtemos alguns sucessos, embora nossa intenção seja continuar nessa direção e, para isso, criamos toda uma série de instrumentos como, por exemplo, zonas econômicas de desenvolvimento prioritário ou o desenvolvimento de projetos relacionados com altas tecnologias.

Pretendemos não só produzir essas tecnologias no país, mas também levá-las aos mercados externos e fazer com que nossos produtos sejam competitivos. Devemos transformar (em aplicações tecnológicas rentáveis) nossos avanços científicos. Quando tentamos atrair investimentos externos para nosso país, pomos como condição a localização (na Rússia).

P: A Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) proibiu os atletas russos de participar dos Jogos Olímpicos. Considera que é justo?

R: É injusto. Existem princípios básicos no direito, e um deles é que a responsabilidade deve ser personalizada. Se alguém de sua família faltou à lei, não é injusto que toda a família responda perante a lei? Por que as pessoas que não têm nada a ver com as transgressões devem sofrer por outras? Isto não corresponde absolutamente com as normas civilizadas.

Nós mesmos nos queixamos quando nos deparamos com problemas de doping e tentamos colocar um freio, punir os culpados. Espero que possamos achar alguma solução, mas isso não significa que vamos nos ofender e deixar de lutar contra o doping. Ao contrário, reforçaremos essa luta. Já o disse antes, e também nossas forças da ordem e a Procuradoria Geral.

Lembremos o famoso meldonium. Antes nem sabia de sua existência, e isso que foi inventado na União Soviética. O que é o doping? Segundo a Agência Mundial Antidoping, uma substância dopante é aquela que dá vantagem na hora de competir. O meldonium não dá nenhuma vantagem.

Só ajuda na manutenção do músculo do coração quando se realiza um grande esforço. E nunca foi considerada uma substância dopante. Antes era usado e não acontecia nada. E se sabia bem que o meldonium tinha sido desenvolvido no território da antiga URSS e que é usado praticamente de forma exclusiva pelos atletas do Leste Europeu.

Além disso, ninguém investigou quão rápido esta fórmula é eliminada pelo organismo. Não há pesquisas clínicas a respeito. No começo, pensaram que demorava duas semanas ou um mês para sair do corpo, depois se soube que podia permanecer até meio ano. E até agora, ninguém sabe com toda certeza.

Acredito que as decisões que foram tomadas foram precipitadas. Teria que serem finalizados primeiro os testes clínicos para depois dizer a partir de que momento está proibido o meldonium. Bom, digamos que todos se equivocam e que nossos parceiros se equivocaram.

Voltando ao tema de hoje, é preciso dizer que no último um ano e meio, as amostras de nossos atletas foram extraídas por especialistas estrangeiros.

E essas amostras foram analisadas em laboratórios estrangeiros. Por acaso não confiam neles? Quem tem que extrair então as amostras para que todos confiem nos resultados?

Aceitamos cooperar com nossos parceiros estrangeiros e aceitamos as condições que nos propuseram. Como conclusão, repetirei o que disse no começo: a responsabilidade deve ser personalizada, e ninguém que não tenha faltado às normas deve sofrer as consequências.

P: Dentro de 6 dias o Reino Unido votará no referendo sobre a União Europeia. Dizem que a Rússia está a favor de que a deixe. Qual é a posição da Rússia e como influirá nas relações com a Rússia uma eventual saída do Reino Unido da UE?

R: Já disse, é como nossa culpa pelas inundações na Europa. É o mesmo tipo de brincadeira. Em geral, me parece pouco decoroso envolver a Rússia em problemas que não têm nada a ver conosco, fazer da Rússia um espantalho. Boa gente, pela minha maneira de ver, não age dessa maneira.

No que se refere ao primeiro-ministro do Reino Unido. Agora há o problema do "Brexit". E para que iniciou a votação? E o fez para quê? Para chantagear novamente a Europa? Para assustar alguém? Qual é o objetivo, se ele mesmo é contra?

Quero dizer que não é assunto nosso, é assunto do povo britânico. Tenho minha opinião a respeito. Não posso responder, não posso antecipar resultados, ninguém sabe, está 50% a 50%, dentro da margem de erro. Quem sabe. Ninguém pode sabê-lo.

Tenho minha própria opinião sobre se é bom ou não, mas me absterei de dizê-la. Considero que seria absolutamente incorreto de minha parte. Diga o que disser, seria interpretado em favor de uma ou outra decisão. Isto é um assunto da União Europeia e do povo do Reino Unido.

Diversos especialistas avaliam de diferentes formas como afetará a Europa unida a saída (do Reino Unido). A maioria opina que prejudicará a Europa, mas alguns dizem que não, que a Europa ficará mais forte e mais estável.

E o mesmo ocorre no Reino Unido. Por exemplo, seus pescadores. Navegam pelo Tâmisa em lanchas e se queixam de que vivem mal pelas limitações de pesca. Sim, têm problemas, mas há outros setores onde há vantagens.

Avaliar tudo isto não é fácil. O importante é que as pessoas que vão votar tenham informações objetivas e que escolham sua opção entendendo o que faz e as consequências da mesma, tanto negativas como positivas. Isso é tudo o que quero dizer e o que tenho direito de dizer sobre este assunto.

P: Há informações sobre que os Estados Unidos pressionam o Canadá para que se some à iniciativa americana e da Otan para a ativação do escudo antimísseis na Polônia. Há quem acredite que é um meio para a contenção da Rússia caso queira conquistar novos territórios. O que o senhor tem a dizer a respeito?

R: Digo que o mundo está livre de grandes guerras, e todos o sabemos, graças ao equilíbrio estratégico militar conseguido depois que duas superpotências nucleares concordaram em conter o crescimento de armamentos ofensivos e dos sistemas de defesa antimísseis. Porque todos entendem que se uma parte tem mais sucesso no desenvolvimento de sua defesa antimísseis, obtém vantagem e sente a tentação de usar esse armamento primeiro.

Por isso se tenta uma pedra fundamental da segurança mundial. Não quero renhir nem culpar ninguém, mas quando nossos parceiros americanos saíram unilateralmente desse tratado, foi o primeiro golpe na estabilidade mundial da perspectiva de uma ruptura do equilíbrio de forças.

Então disse que nós não podemos desenvolver essas tecnologias, em primeiro lugar porque é caro, e em segundo porque não se sabe como vão funcionar. Nós escolhemos ir por outro caminho e modernizar o armamento ofensivo, para conservar o equilíbrio, não para ameaçar ninguém.

Nos responderam que seu sistema antimísseis não é contra nós, nem nossas armas são contra eles.

Acredito que nos disseram assim porque era o começo dos anos 2000, e a Rússia estava em uma situação muito difícil: economia fracassada, praticamente uma guerra civil e a luta contra o terrorismo no Cáucaso, a indústria de defesa decomposta, as Forças Armadas em um estado deplorável. Ninguém pensou que a Rússia seria capaz de aumentar seu armamento estratégico. E por isso nos disseram: 'façam o que quiserem".

Mas nós avisamos que o faríamos e o estamos fazendo. E posso garantir que hoje a Rússia alcançou grandes conquistas nesse caminho. Não vou enumerar tudo, mas modernizamos nossos complexos e desenvolvemos com sucesso novas gerações (de armamento nuclear ofensivo).

Nossos parceiros, apesar de todas as nossas propostas para cooperarem, não querem cooperar conosco. Rejeitam todas as nossas propostas e seguem seu próprio plano. No final chegamos a que construíram o sistema antimísseis na Romênia. Sempre nos diziam que era para se defenderem da ameaça nuclear iraniana.

Onde está agora essa ameaça iraniana? O acordo (sobre a política nuclear do Irã) já está assinado. E, de fato, os EUA tiveram a iniciativa para assinar esse acordo. Nós ajudamos, mas se não fosse pela postura dos EUA, não haveria acordo. É, claro, um mérito do senhor Obama. Acredito que é um acordo necessário, que aliviou a tensão em torno do Irã.

Já não há ameaça, mas o sistema antimísseis segue em andamento. Parece que tínhamos razão quando dizíamos que estão nos enganando. Que não são sinceros.

Agora já o construíram e estão colocando foguetes. Mas é necessário saber que esses foguetes são colocados em cápsulas usadas para o lançamento de foguetes de médio alcance 'Tomahawk' a partir do mar. Ou seja, agora essas cápsulas têm antimísseis capazes de derrubar alvos a uma distância de 500 quilômetros. Mas sabemos que as tecnologias avançam.

Sabemos aproximadamente perto de que ano os americanos terão um novo foguete com um alcance de mil quilômetros, que depois será maior. E isso já colocará em perigo nosso potencial nuclear estratégico.

E nós sabemos, e eles sabem que nós sabemos. Eles só enganam os senhores (jornalistas), e os senhores, por sua vez, enganam seus povos. E as pessoas não percebem o perigo, que é o que me preocupa. Arrastamos o mundo rumo a uma nova dimensão. Esse é o problema.

Dão a aparência de que nada acontece. Nos dizem que se trata de parte de seu potencial defensivo, mas não é verdade. São parte de seu potencial ofensivo, que funcionam em cadeia com os complexos ofensivos.

Uns atacam preventivamente com armas de alta precisão (não nucleares), outros cobrem o possível ataque nuclear de resposta, e outros atacam com armas nucleares. Já disse que as cápsulas chegam de navios que são usados para o lançamento dos 'Tomahawk'. Assim, a qualquer momento podem mudar seus antimísseis pelos 'Tomahawk'. Não temos nem ideia do que eles têm lá. Nem os romenos vão saber o que acontece lá. Nem os romenos, nem os poloneses, ninguém saberá o que acontece.

Na minha opinião, é uma grande ameaça. Faz tempo que discutimos com os americanos sua ideia de desenvolver mísseis balísticos não nucleares. E nós lhes dissemos: imaginem que vocês lançam um foguete balístico e nós não sabemos se tem carga nuclear ou não. Até onde sabemos, cancelaram esse programa.

Mas seguem com o escudo. Aonde nos levará, não sei. Mas sei com segurança de que nós nos veremos obrigados a responder. E sei de antemão que vão nos acusar de comportamento agressivo, apesar de só ser a resposta.

Está claro que deveremos garantir a segurança, não só a nossa, mas o equilíbrio estratégico no mundo. Porque o equilíbrio estratégico está bom, porque embora se baseie na ameaça mútua, esta nos brindou a paz global durante décadas.

P: Sobre as eleições americanas, o senhor preferiria o senhor Donald Trump ou a senhora Hillary Clinton? E na Espanha, como vê o possível resultado do próximo domingo e a ascensão de partidos que têm boa relação de amizade com, por exemplo, seu amigo grego Alexis Tsipras?

R: Vamos trabalhar com quem for eleito presidente, independentemente da retórica eleitoral. É de lamentar que a carta russa seja utilizada como moeda de troca em cada campanha eleitoral nos Estados Unidos, o que da minha maneira de ver é completamente contraproducente. Mas seja qual for a retórica eleitoral, vamos julgar não pelas palavras, mas pelas ações quem for eleito presidente dos Estados Unidos.

E buscaremos vias para normalizar as relações, para normalizar as relações no âmbito da economia e a segurança. Temos muitos problemas que só podem ser resolvidos conjuntamente, como o problema ao qual o senhor se dedica profissionalmente, a luta contra o terrorismo. Mas vamos julgar pelas ações.

No que se refere aos assuntos pré-eleitorais na Espanha, não é um tema nosso. Já o disse hoje no debate, não é nenhum segredo. Há dez anos dizia a meus amigos europeus que este sistema, não sei se liberal ou não, o modelo liberal de edificação de uma sociedade com insistência nos interesses dos imigrantes soa bonito, mas no fim das contas pode irritar a população local. É bom fazer as coisas paulatinamente, sem pressa.

Só se pode receber a quantidade de estrangeiros que o país é capaz de adaptar às condições do mercado de trabalho, à língua e às tradições culturais locais.

Em Espanha há gente que vive lá há décadas e não fala espanhol. Por acaso é algo normal? O senhor tem que sabê-lo. Aumenta-se o número das pessoas que chegam, mas vivem 15 anos na Espanha e não falam espanhol. Me parece que isso, cedo ou tarde, leva a problemas. Como agora. Reajam e tomem decisões os senhores mesmos sobre como agir.

Nós temos problemas dessa índole e nem sempre os resolvemos com eficácia. Embora vivamos no contexto de um só país, durante mil anos formamos um Estado multinacional, e não foi fácil. Não é simples resolver o problema que representa o grande fluxo de imigrantes a partir das ex-repúblicas da URSS.

Não nos alegramos da desgraça alheia, por nenhum motivo. Não acusamos ninguém, nós mesmos temos dificuldades. Mas me parece que o problema dos senhores é mais grave, porque os fluxos migratórios que chegam aos senhores é de gente completamente alheia, o que não é nosso caso.

O povo que vem das ex-repúblicas soviéticas é de pessoas que de um ou outro modo estiveram ligadas ao país comum no qual antes vivíamos. Como regra, bem ou mal, falam russo, têm uma compreensão comum dos mesmos valores, etc. Embora também ocorram problemas.

Precisamos trabalhar melhor neste âmbito, mas os senhores têm uma tarefa mais difícil. Os senhores mesmos devem decidir o que fazer. Nisto nós não temos nenhuma preferência. Como no caso dos Estados Unidos, trabalharemos com todos os partidos, com qualquer líder que venha a governar.

P: Rússia e Itália mostraram um forte interesse em um gasoduto ao sul da Europa. Talvez devêssemos encontrar algum equilíbrio entre o gasoduto Nord Stream II e o gasoduto do sul. A Rússia tem algum interesse estratégico no Mediterrâneo, levando em conta que o gasoduto do sul da Europa tem agora uma alternativa pelo norte?

R: Devo lembrar como começou o projeto South Stream pelo fundo do Mar Negro, através da Bulgária. Nossa premissa era que um gasoduto ao sul da Europa diversifica as provisões. Mas primeiro foi o Parlamento Europeu que decidiu que esse gasoduto não se correspondia aos interesses da UE.

Depois, a Comissão Europeia enviou uma carta ao governo da Bulgária confirmando essa decisão do parlamento e exigindo ao governo búlgaro cessar todos os trabalhos preparatórios.

E o governo búlgaro assim o fez. Era por acaso lógico começar trabalhos para tirar os encanamentos pelo fundo do mar, afundar 9 bilhões de euros de metal sem ter direito de entrar em território búlgaro? Obviamente, quando nos demos conta, deixamos de lado o projeto. Não nos deixaram fazê-lo.

Depois o consórcio internacional (que administra o Nord Stream) propôs (à UE) construir a segunda parte desse gasoduto, o Nord Stream II. Certamente que não é uma alternativa ao gasoduto do sul e não concorre com ninguém, porque sua razão de ser se encontra na minguante extração (de gás) nos países do norte da Europa e a crescente demanda das economias desses países.

Também não podemos esquecer que a Alemanha tomou a decisão e anunciou publicamente sua renúncia progressiva à energia nuclear. Se não me falha a memória, 34% da energia gerada na Alemanha é nuclear. E como pode ser substituída? Por mais atrativos que sejam os geradores eólicos e a energia solar, em primeiro lugar são insuficientes, e em segundo, são por enquanto muito caros.

Entendo a preocupação da Alemanha por seu futuro energético. Em geral, não está no interesse da Alemanha nem da UE reduzir a competitividade de suas economias. Não se trata de nada além de um projeto russo-alemão.

Também participam dele parceiros franceses, holandeses, inclusive há interesse do Reino Unido. Há tempo, entre especialistas, falou-se sobre a possibilidade de fazer uma ramificação (do gasoduto) para o Reino Unido.

As reservas caem, enquanto a demanda cresce. Seria possível confiar no gás de xisto dos Estados Unidos. Mas primeiro é preciso extraí-lo, algo que, por si, é bastante difícil e caro, porque o custo de extração supera o da Sibéria. Depois, é preciso liquefazê-lo, transportá-lo pelo oceano, regasificá-lo e levá-lo até o consumidor.

Não sei se será competitivo no mercado europeu. Se assim for, melhor, porque dará alegria à economia, não tememos. Não acreditamos que o Nord Stream II seja uma alternativa ao South Stream.

É um projeto puramente comercial, com o qual o Estado não tem relação direta. Os acionistas do Nord Stream II acertaram a construção do segundo trecho ao iniciar o projeto Nord Stream I. E após executarem a primeira parte do projeto, começaram a segunda parte. Claro que lamentamos que não nos tenham deixado construir o South Stream.

Hoje perguntei a meus colegas por que não brigaram antes pelo gasoduto do sul. Por que a Bulgária mordeu a língua? E outros países? Poderiam ter ido ao Parlamento Europeu, explicar a importância do projeto para eles. Não digo que houvesse que manifestar agressividade, mas poderiam explicar a situação.

Poderiam ter ido à Comissão Europeia. Nós não deixamos de escutar que se a Rússia isto ou a Rússia aquilo. Inventaram outra conjuração dos russos. Um colega meu fez a piada de que parece que até temos culpa da inundação que houve na Baviera. Isto não pode continuar sempre assim.

Quanto ao interesse em relação ao Mediterrâneo, não desapareceu. A Gazprom, uma companhia italiana e outra grega assinaram um protocolo de cooperação. Não renunciamos ao trânsito parcial (de gás) pelo território da Ucrânia. A prática mostrou que os monopólios são coisa ruim. E quando alguém tem em suas mãos um monopólio, em seguida começam os abusos.

Se a Ucrânia entender que não tem monopólio sobre o trânsito do gás russo à Europa, acabará a chantagem de alguns líderes com as provisões. Passaremos então a uma cooperação normal. Estamos inclusive dispostos a participar da rede de gasodutos da Ucrânia. Já oferecemos.

Mais ainda, inclusive chegamos a assinar um memorando para criar um consórcio internacional com a participação de parceiros europeus. E para não violar as leis ucranianas, propusemos alugar a rede ao invés de comprá-la. No final, o acordo terminou no lixo. Depois chegaram as crises dos anos de 2008 e 2009.

Quiseram que reduzíssemos o preço do gás abaixo do mercado com a ameaça de que, em caso contrário, não transportariam o gás (à Europa). Depois nos cortaram o trânsito.

Devemos garantir nossa segurança e, ao mesmo tempo, cooperar com a Ucrânia. Certamente, se nossos parceiros ucranianos nos oferecerem agora um projeto rentável no qual seja garantido o fornecimento à Europa, trabalharemos com a Ucrânia.

Certamente não suspendemos nem por um dia o fornecimento à Turquia, apesar de todos os problemas. E continuaremos buscando projetos atrativos, sobretudo do ponto de vista econômico.

P: O que pensa da cooperação entre Rússia e China?

R: Avaliamos altamente o nível de cooperação entre nossos países. É preciso dizer que a Rússia e China precisam de novas tecnologias, mas podemos nos completar um ao outro. As possibilidades de transferir os desenvolvimentos técnicos da ciência pura à ciência aplicada e sua posterior introdução na (os mercados da) Rússia são bastante altas.

Falamos com nossos colegas sobre trabalhar em âmbitos muito diversos. No âmbito da energia nuclear, das tecnologias de foguetes, aviação, com aplicações tanto nas esferas civis como militares. Temos um nível de confiança muito alto com a China neste campo, e certamente vamos cooperar.

O que me alegrou é que após muitos anos de conversas sobre a necessidade de mudar a estrutura de nossas exportações à China, agora as vendas de tecnologia e equipamentos por parte da Rússia a esse país cresceram, apesar de o volume total das exportações ter caído. E cresceram substancialmente. Isso significa que há notáveis possibilidades de crescimento nesses âmbitos.

No que se refere à cooperação em ciência, a consideramos uma das prioridades e confiamos que depois possamos transformá-la em indústrias de altas tecnologias. Nos demos conta perfeitamente de que nas próximas décadas vão ocorrer mudanças colossais no âmbito da produção, baseadas nas conquistas técnicas e científicas. Todos sabem como são feitas as coisas, como sempre foram feitas.

Miquelângelo ou Rodin diziam que é preciso pegar uma pedra e cortar tudo o que sobra, e então surge uma obra de arte. Por outro lado, existe a produção em molde. E agora aparecem tecnologias incríveis que simplesmente agregam o que se precisa. A transformação da produção será colossal, será uma verdadeira revolução, absoluta e real.

Hoje debatemos sobre o transporte. Nosso colega dos EUA falou de trens que circulam por um túnel a mais de 1.000 km/h. Será outra história, outra vida, outros âmbitos de aplicação. Desaparecerá uma grande quantidade de postos de trabalho desnecessários. E as pessoas, certamente, terão que ter um trabalho. Nisto devemos trabalhar hoje em dia com a China. Esse deve ser nosso objetivo.

P: A Índia pediu para ingressar no grupo de países que fornecem materiais nucleares. A Rússia está a favor, a China, contra. O que opina?

R: Nossas relações com a Índia são de grande confiança e, o que é muito importante, todas as forças políticas de nosso país e, pelo que sei, todas as forças políticas da Índia defendem o fortalecimento das relações russo-indianas.

Como vemos, a oposição e os partidos que estão no poder estão em confronto, mas se pronunciam pelo desenvolvimento das relações com a Rússia. Nós vemos e elogiamos isso, e quero lhes garantir que em nosso país existe o mesmo consenso político interno em relação ao desenvolvimento das relações com a Índia.

Mas, sem dúvida, necessitamos transformar este capital histórico-político em cooperação concreta. O nível de troca comercial, por enquanto, é muito pequeno. Não corresponde ao potencial. Que ajudemos a Índia a desenvolver seu programa nuclear pacifico está bem, mas é insuficiente. Precisamos diversificar nossas relações. É preciso desenvolver e ampliar os projetos e fluxos de investimentos.

Por exemplo, em matéria nuclear a Rússia coopera com a Índia exclusivamente no marco do direito internacional. Mas acreditamos que um país como a Índia, com tanta população, com vários problemas econômicos, que enfrenta desafios nos campos da energia e da segurança nacional, não pode ser tratada como um Estado qualquer. Devemos agir conforme o direito internacional, mas também buscar a possibilidade de garantir os interesses indianos.

No que se refere à aproximação de Índia e EUA, consideramos que se trata de um processo absolutamente natural. Não sei quem se aproxima mais de quem: a Índia dos Estados Unidos ou os Estados Unidos da Índia.

Ao senhor (Narendra) Modi impuseram sanções pessoais e o proibiram a entrada nos Estados Unidos, e depois, quando foi eleito primeiro-ministro, apagaram tudo e suspenderam as sanções. Isto mostra que nos Estados Unidos, às vezes, as decisões são tomadas de maneira espontânea, sem levar em conta as consequências e os resultados a longo prazo.

Mas os Estados Unidos têm desejos de desenvolver as relações com a Índia e nós consideramos como algo bom. Além disso, seria absurdo da nossa parte pretender certo monopólio nas relações com um grande país que tem mais de 1 bilhão de habitantes. A Índia tem seus próprios interesses e tem direito a eles, e nós os respeitamos.

P:E sobre o grupo de países fornecedores de materiais nucleares, falará com a China?

R: Certamente, não podemos evitar assuntos desta natureza. falamos de tudo, abertamente. Não temos segredos com os amigos chineses. Como regra, debatemos com as cartas sobre a mesa.

Claro, é preciso levar em conta as preocupações de todos, porque se isto não for feito oportunamente, não serão resolvidos os problemas, mas serão criados novos. Se é possível resolver assim os problemas? Acredito que sim, caso se aja cuidadosamente e chegando a acordos com os demais.

Acompanhe tudo sobre:ÁsiaEntrevistasEuropaPolíticosRússiaVladimir Putin

Mais de Mundo

Israel deixa 19 mortos em novo bombardeio no centro de Beirute

Chefe da Otan se reuniu com Donald Trump nos EUA

Eleições no Uruguai: 5 curiosidades sobre o país que vai às urnas no domingo

Quais países têm salário mínimo? Veja quanto cada país paga