O presidente russo, Vladimir Putin, cercado por líderes africanos na cúpula Rússia-África em São Petersburgo em 28 de julho de 2023 (AFP/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 29 de julho de 2023 às 14h57.
O presidente russo Vladimir Putin não faz mais questão de esconder seus ambiciosos planos, pelo menos em relação à África. Na sexta-feira, último dia da cúpula Rússia-África em São Petersburgo, o chefe de Estado anunciou a assinatura de acordos de cooperação militar com mais de 40 países do continente — um símbolo dos seus esforços por mais influência na região, que também incluiu a doação de até 50 mil toneladas de grãos a aliados na quinta. Segundo Putin, "uma ampla gama de armas e equipamentos de defesa" será fornecida, alguns com entrega gratuita.
"A fim de fortalecer as capacidades de defesa dos países do continente, estamos desenvolvendo a cooperação nas esferas militar e técnico-militar", declarou o chefe do Kremlin no fórum, destacando que as nações poderão participar de exercícios militares em território russo para se familiarizar com armamentos de nova geração.
Na última edição da cúpula, em 2019, a Rússia já havia assinado contratos de cooperação militar no valor de US$ 10 bilhões (R$ 47 bilhões). Sistemas de defesa aérea do consórcio militar russo Almaz-Antéi também foram expostos aos líderes na ocasião.
Graças ao apoio do Kremlin, alguns países africanos abdicaram da aliança que tinham com a França — que possui um longo histórico de colonização no continente — em favor de Moscou. Desde 2020, ano seguinte ao fórum Rússia-África, quatro países sob influência russa sofreram golpes militares: Mali, Burkina Faso, Guiné e, nesta semana, o Níger, último aliado do Ocidente no Sahel.
Uma figura central para a estratégia de Putin na África também marcou presença na cúpula: Yevgeny Prigojin, líder do Grupo Wagner, que na semana passada disse às suas tropas para se prepararem para uma viagem ao continente africano. O ex-chef do Kremlin, que havia sido enviado para a Bielorrússia após mobilizar um motim fracasso rumo a Moscou em junho, parecia à vontade nos bastidores. Discursou ao lado do presidente interino de Burkina Faso nesta sexta e reuniu-se na quinta com representantes do Níger, Mali e República Centro-Africana — onde os mercenários desembarcaram esta semana para reforçar a segurança no referendo constitucional do país, marcado para domingo.
Em um suposto áudio vazado de Prigojin, divulgado pela associação russa Comunidade dos Oficiais para Segurança Internacional (COSI, na sigla em inglês), ele expressa apoio ao recente golpe no Níger, onde bandeiras pró-Rússia e anti-França foram içadas em manifestações favoráveis ao levante militar — em cenas similares às insurgências no Mali e em Burkina Faso. Na visão do chefe do Wagner, a ação simboliza a "luta contra os colonizadores".
"[A ação representa] a luta do povo nigerino contra os colonizadores, que tentam impor suas regras de vida a eles", disse no áudio, cuja autenticidade não pôde ser verificada de forma independente ."Para controlá-los, os ex-colonizadores enchem esses países de terroristas e grupos armados, criando eles próprios uma grande crise nas questões de segurança.
A retórica anti-colonial tem servido à Rússia e seus tentáculos na expansão da influência no continente africano. A tese do Ocidente, em particular da França, é que jihadistas que operam no Sahel alimentam o sentimento antifrancês que está na raiz dos golpes em Burkina Faso, no Mali e agora no Níger. Segundo Prigojin, o apoio militar fornecido pela França, com "dezenas de milhares de soldados", não é capaz de defender a população dos grupos armados.
— E é aí que surge o amor pela sociedade privada Wagner e sua eficácia, porque mil combatentes do Wagner são capazes de estabelecer a ordem e destruir os terroristas — defende Prigojin.
A cúpula, que contou com a presença de 49 delegações de países africanos e 17 chefes de Estado — menos da metade do número de líderes que participaram da última edição —, é a primeira desde que a Rússia revogou o Acordo de Grãos, que permitia a exportação de commodities ucranianas pelo Mar Negro. Desde então, as tropas de Moscou realizam ataques maciços contra infraestruturas agrícolas de Kiev, cuja produção é amplamente consumida por países do continente africano.
Em contrapartida, a Rússia disse que iria fornecer gratuitamente de 25 a 50 mil toneladas de grãos a seis aliados na região: Burkina Faso, Mali, Somália, República Centro-Africana, Eritreia e Zimbábue — para o presidente desta última, Emmerson Dambudzo Mnangagwa, Putin também prometeu um helicóptero. A quantia de cereais é significativa para tais nações, mas é apenas uma pequena fração das exportações russas.
Sem criticar diretamente a Rússia, vários líderes expressaram a profunda preocupação africana com as consequências da guerra, especialmente com o aumento dos preços dos alimentos.
"Essa guerra precisa acabar. E ela só pode terminar com base na justiça e na razão", disse o presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat.
Em resposta a esses apelos, Putin defendeu novamente a posição da Rússia e culpou a Ucrânia e seus aliados ocidentais pela guerra. Em resposta a Mahamat, o líder russo argumentou que a Rússia expressou repetidamente sua disposição para o diálogo, recusado por Kiev.
Na declaração final da cúpula, a Rússia e os países africanos rejeitaram as sanções unilaterais e a "chantagem" de terceiros países. Os participantes da reunião concordaram em "se opor ao uso de medidas restritivas unilaterais ilegítimas, incluindo (sanções) secundárias, bem como à prática de congelar o ouro soberano e as reservas cambiais" dos países afetados, de acordo com o documento divulgado pelo Kremlin.
Ao final do fórum, a Rússia e os países africanos concordaram em se opor a "acusações infundadas de violações de direitos humanos como desculpa para interferir nos assuntos internos" de países soberanos. Putin também anunciou no fórum que aumentará sua presença diplomática na África com a retomada das atividades nas embaixadas de Burkina Faso e Guiné Equatorial (Com El País).