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Putin, Abe e a diplomacia do judô

Lourival Sant’Anna Durante sua visita de dois dias ao Japão, o presidente russo, Vladimir Putin, foi a uma apresentação no Instituto Kodokan, em Tóquio, a meca do judô, esporte que praticou na juventude, do qual é faixa preta. Em contraste com sua visita em 2000, dessa vez Putin, 16 anos mais velho, não ensaiou golpes, […]

ABE E PUTIN: apresentação de judô antigo durante visita do líder russo ao Japão / Toru Yamanaka/ Reuters

ABE E PUTIN: apresentação de judô antigo durante visita do líder russo ao Japão / Toru Yamanaka/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 16 de dezembro de 2016 às 19h26.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h49.

Lourival Sant’Anna

Durante sua visita de dois dias ao Japão, o presidente russo, Vladimir Putin, foi a uma apresentação no Instituto Kodokan, em Tóquio, a meca do judô, esporte que praticou na juventude, do qual é faixa preta. Em contraste com sua visita em 2000, dessa vez Putin, 16 anos mais velho, não ensaiou golpes, mas apenas curtiu o espetáculo, ao lado do primeiro-ministro Shinzo Abe. Por dentro, no entanto, o presidente russo estava saboreando um de seus maiores ippons.

No momento em que o Ocidente condenava a Rússia como co-responsável pelo flagelo de centenas de milhares de civis em Alepo, Putin assinou 80 acordos de cooperação com Abe, 68 deles envolvendo comércio, na contramão das sanções impostas pelos EUA e pela União Europeia por causa da anexação da Crimeia em 2014 e do apoio aos separatistas russos na Ucrânia. O Banco do Japão para a Cooperação Internacional e o Fundo Russo de Investimento Direto vão criar um fundo de 1 bilhão de dólares para financiar projetos entre os dois países. De acordo com Abe, empresas japonesas ajudarão os russos a desenvolver sua indústria.

E o mais interessante é que Putin obteve isso sem ceder um milímetro na contrapartida que interessa tradicionalmente ao Japão: a devolução das ilhas Kuril, ocupadas pela antiga União Soviética no fim da 2.ª Guerra Mundial, em 1945. A invasão levou à expulsão de 17 mil japoneses das quatro ilhas. Por causa dessa disputa, Japão e Rússia nunca firmaram um tratado de paz, embora tenham posto fim ao estado de guerra em 1956.

Ativistas nacionalistas ocuparam as ruas ao redor do gabinete do primeiro-ministro em Tóquio, onde se realizou o segundo dia da cúpula, nessa sexta-feira, para protestar contra os acordos firmados sem a garantia da retirada russa, gritando “Devolva as ilhas” e “Putin, vá para casa”.

“Como essa cooperação econômica levará a uma solução da questão das ilhas?”, questionou Renho Murata, a líder do Partido Democrata, o principal de oposição. “As preocupações de que a cooperação econômica vai prejudicar o Japão continuam, e que nenhum caminho concreto para progredir na questão das ilhas tenha sido encontrado é realmente muito ruim.”
A aproximação de Abe, ele próprio um líder nacionalista, a Putin é um reflexo das novas realidades que se impõem com a eleição de Donald Trump. O futuro presidente americano deixou claro que não vai mais investir na proteção de seus aliados, e a hipótese de ameaça japonesa não é a Rússia, mas a China e sua aliada Coreia do Norte. Além disso, o próprio Trump manifestou o desejo de melhorar as relações com Putin, do qual se declara admirador. O secretário de Estado por ele nomeado, Rex Tillerson, cultivou boas relações com o presidente russo, como diretor da gigante do petróleo Exxon Mobil. E seu ex-coordenador de campanha Paul Manafort trabalhou pela eleição de Viktor Yanukovitch, ex-presidente pró-russo da Ucrânia.

Rússia e Japão vão descongelar as negociações sobre questões de defesa, que haviam sido interrompidas depois da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. Serão retomadas as reuniões chamadas de 2+2, que envolvem os ministros da Defesa e das Relações Exteriores dos dois paises.
Abe assegurou que ele e Putin haviam dado “um importante passo” na direção de um tratado de paz.“Essa questão não será resolvida se cada um de nós apenas defender sua própria posição”, argumentou Abe, em entrevista coletiva ao lado de Putin. “Precisamos fazer esforços em busca de um divisor de águas para não desapontarmos a próxima geração. Temos de colocar o passado de lado e criar uma solução ganha-ganha para ambos.”

De acordo com Dmitry Peskov, porta-voz de Putin, os japoneses concordaram que a busca de uma solução para a disputa se dará de acordo com as leis russas em vigor nas ilhas. Esse era um dos pontos de discordância. Aparentemente, o Japão abrirá mão também de sua exigência de devolução das quatro ilhas, e aceitará os termos de um acordo preliminar de 1956, no qual a antiga União Soviética ofereceu entregar as duas ilhas menores, segundo apurou a agência Reuters.

Representantes dos dois governos passarão agora a explorar a possibilidade de atividades econômicas conjuntas nas ilhas, nos setores de pesca, turismo, cultura e medicina. O Japão proporcionará à Rússia tecnologia nas áreas de saúde e meio ambiente, e ajudará na industrialização do extremo leste russo. Em troca, os russos oferecerão sua experiência em desativar usinas nucleares — o que é crítico para o Japão, depois do desastre causado pelo terremoto de Fukushima —, e também nos segmentos de energia e segurança cibernética.

Os russos se consagraram como os mestres nessa última área, depois que o FBI atestou que hackers do país estão por trás do vazamento de emails da campanha de Hillary Clinton. Esses e-mails indicaram que o Departamento de Estado, sob sua gestão, foi usado para beneficiar doadores da Fundação Clinton. E que a direção do Partido Democrata se mobilizou para prejudicar a campanha de seu rival nas primárias, Bernie Sanders. Tudo isso prejudicou Hillary na disputa com Trump, reforçando a rejeição dos eleitores contra ela.

A CIA, segundo fontes citadas pela rede de TV NBC, avalia que Putin esteve diretamente envolvido nessa operação para influenciar o resultado da eleição americana. A revelação provocou uma reação do presidente Barack Obama. Em entrevista à rede pública NPR, na quinta-feira, ele prometeu retaliar: “Acho que não há dúvida de que, quando qualquer governo estrangeiro tenta impactar a integridade de nossa eleição, temos de entrar em ação. E o faremos, no momento e lugar de nossa escolha”.

Serguei Lavrov, chanceler russo, disse que os japoneses estão agora mais receptivos às preocupações dos russos com relação à instalação de sistemas de mísseis na região da Ásia-Pacífico. Ironicamente, a justificativa dos americanos é a necessidade de proteger seus aliados Japão e Coreia do Sul das ameaças norte-coreanas. Mas Lavrov chamou essas iniciativas de “inadequadas”. Assim como acontece no Leste Europeu, a Rússia se sente diretamente ameaçada por esses sistemas de mísseis que os americanos planejam instalar nos territórios de seus aliados.
O sensível tema da Síria, no qual o Japão está alinhado com os Estados Unidos e a Europa, assim como o da Ucrânia, também foram tratados no encontro, segundo Lavrov: “Naturalmente, eles trocaram visões sobre a solução para a Síria e a situação na Ucrânia. Aqui nossas posições quase coincidem”. A extensão desse “quase” que separa as posições de ambos é o que se verá a partir de agora.

Mas não há dúvida de que Putin agora é “o cara”, e Abe, primeiro chefe de governo a visitar Trump em seguida a sua eleição, foi rápido em perceber isso. No primeiro dia do encontro, na quinta-feira, Abe recebeu Putin em sua cidade ancestral, Nagato, um balneário de águas termais no sudoeste do Japão. O convite significa uma deferência e denota um alto grau de estima. Abe ofereceu a seu novo amigo — que há 11 anos não visitava o Japão — uma tradicional refeição kaiseku, que, segundo relatos, incluiu o fugu, prato preparado com peixe venenoso. E convidou o visitante russo a mergulhar em um onsen, espécie de ofurô natural, num gesto simbólico do descongelamento da relação entre os dois países. “Quando você se banha nessas fontes, todo o cansaço vai embora”, explicou Abe. “Por mais que isso pareça interessante, é melhor não cansar demais”, respondeu Putin. De fato, o russo está numa fase em que não precisa de muito esforço para conseguir o que quer.

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