Protesto em Nova York: possibilidade de reversão da decisão Roe vs. Wade, que tornou aborto constitucional nos EUA em 1973 (Pablo Monsalve/VIEWpress/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 5 de maio de 2022 às 06h00.
Última atualização em 5 de maio de 2022 às 08h59.
O direito ao aborto como constitucional segue sendo o assunto da semana na política dos Estados Unidos. Dias após o vazamento de um rascunho mostrando que a Suprema Corte já teria decidido derrubar a lendária decisão do caso Roe vs. Wade, de 1973, mais protestos estão marcados em várias partes do país nesta quinta-feira, 5.
Atos massivos (contra e a favor ao tema) têm sido vistos em cidades americanas desde que a posição da fatia conservadora da Corte foi divulgada, diante de um vazamento obtido pelo site Político.
A Suprema Corte americana tem desde 2020 maioria de 6 juízes conservadores em sua atual composição, contra 3 considerados liberais ou progressistas. A composição foi alterada sobretudo no mandato do ex-presidente Donald Trump, que pode indicar dois juízes.
O aborto legal é um direito constitucional nos Estados Unidos desde 1973, quando a Suprema Corte julgou o caso de uma mãe que processou o Texas por leis que consideravam a interrupção da gravidez como crime até então.
O caso, conhecido como Roe vs. Wade, terminou com a Suprema Corte julgando que a Constituição dos Estados Unidos protege o direito de uma mulher de decidir, sem intervenção excessiva do Estado, sobre levar adiante uma gravidez recém-descoberta. A exceção seria para estágios avançados da gravidez, quando o direito da mulher à privacidade não seria absoluto, segundo entendimento da Corte.
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Nos últimos meses, no entanto, uma série de estados tem passado leis mais restritivas sobre direito ao aborto.
Cada estado tem direito a estabelecer suas próprias regras, mas não pode descumprir preceitos constitucionais. Os juízes terão de decidir, assim, se essas leis locais restringindo o acesso ao aborto são constitucionais - na prática, se o Roe vs. Wade seguirá valendo. O tema pode ser apreciado pela Corte no próximo mês.
Se os juízes decidirem por derrubar o direito ao aborto como constitucional, estados estarão autorizados a, cada qual, passar leis mais restritivas sobre o tema. A tendência, neste caso, é que estados progressistas mantenham suas leis atuais, enquanto conservadores restrinjam o acesso.
Um dos objetivos dos protestos massivos de mulheres que ocorrem nesta semana é tentar pressionar os juízes a mudar sua visão sobre o tema.
Mas a missão é difícil. Embora o entendimento jurídico sobre o aborto já exista nos EUA há meio século, a visão contra o Roe vs. Wade ganhou força nos últimos anos.
Reverter a jurisprudência é uma demanda antiga de parcelas mais conservadoras da população. Paralelamente aos protestos chamados de "pró-escolha", ativistas antiaborto também têm ido às ruas nesta semana.
O presidente americano, Joe Biden, também se manifestou sobre a situação, que se tornou central na discussão política americana nos últimos dias. O mandatário, que é católico, disse que a "justiça básica" exige que o Roe vs. Wade seja mantido.
"No nível federal, precisaremos de mais senadores pró-escolha e uma maioria pró-escolha na Câmara para adotar legislação que codifique Roe, que trabalharei para aprovar e sancionar", disse Biden, ligando o tema às eleições de meio de mandato que ocorrem neste ano nos EUA, e na qual seu Partido Democrata pode perder a maioria no Congresso.
A reversão das leis sobre aborto legal em alguns estados americanos vão na contramão das regras em países desenvolvidos, da Europa ao Canadá, que passaram medidas de direito ao aborto nacionalmente a partir dos anos 1970 e 1980.
Na América Latina, uma série de países também têm mudado a legislação nos últimos anos. O primeiro país a descriminalizar o aborto foi Cuba (1965). Recentemente, o Uruguai descriminalizou o aborto em 2012, seguido anos depois por Argentina (2021), Colômbia (2022) e partes do México (2022).
No Brasil, realizar um aborto pode render às mulheres pena de um a até três anos de prisão, em um arcabouço que, no geral, data do Código Penal de 1940.
O procedimento só é permitido em três casos: estupro, gravidez que oferece risco à vida da mulher e, segundo decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, em casos de anencefalia, quando há malformação do cérebro do feto.