Itália: presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, condenou "a lentidão e a complacência" dos governos, "em particular na zona do euro (AFP/AFP)
AFP
Publicado em 12 de março de 2020 às 15h13.
Última atualização em 12 de março de 2020 às 15h14.
São Paulo — Os governos do mundo inteiro tentam reagir à propagação do coronavírus, mas cada um adota respostas divergentes e unilaterais, que oscilam entre a eficácia sanitária, a preservação da economia e interesses diplomáticos.
Previsões de crescimento mundial em queda, mercados financeiros no vermelho: o novo coronavírus obriga os governos do mundo todo a buscar um equilíbrio entre proteger suas populações e evitar a crise.
"China e Itália escolheram privilegiar o ponto de vista sanitário. Mas o equilíbrio econômico é uma coisa extremamente importante e nós o subestimamos", observa Anne-Marie Moulin, médica, filósofa e diretora de pesquisa do CNRS.
"A questão que se coloca agora é a extensão da recessão. Quando se congela uma economia, nunca se sabe quando ela vai se recuperar", afirma a analista econômica Juliette Declercq, fundadora da consultoria JDI Research, de Londres.
O caos em relação à organização dos eventos esportivos é um exemplo flagrante da pressão que pesa sobre as autoridades.
Em meio aos cancelamentos em série dos eventos esportivos, os jogos da lucrativa Liga dos Campeões ou o Grande Prêmio da Austrália de Fórmula 1 ainda estão mantidos e, até o momento, parece estar excluída a hipótese de não realização dos Jogos Olímpicos, em Tóquio, ou do Campeonato europeu.
"A realização dos eventos a portas fechadas é a menos pior das opções. Tem um aspecto de ópio do povo com o esporte. Mas, se isso começa a atingir os atores em campo, isso pode mudar o jogo", afirma Vincent Chaudel, fundador do Observatoire du Sport Business.
Para além dos interesses econômicos, em tempos de pandemia, a diplomacia também fica por um fio.
No mundo do livre-comércio de 2020, a tentação de medidas protecionistas e de se fechar é grande, frente à ameaça de um vírus.
Por trás da unidade de fachada da União Europeia (UE), que prometeu agir de maneira coordenada para salvar sua economia, as respostas continuam a diferir, segundo os Estados.
A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, condenou "a lentidão e a complacência" dos governos, "em particular na zona do euro".
No momento em que as máscaras e o álcool em gel somem das prateleiras, alguns países, como Alemanha ou França, proibiram, por exemplo, a exportação de material médico de proteção.
Já a Eslovênia decidiu fechar completamente sua fronteira com a Itália, enquanto a Eslováquia proibiu a entrada de estrangeiros, à exceção dos vizinhos poloneses.
Como proteger sua população sem irritar seus parceiros?
Talvez essa tenha sido, no início da epidemia, uma questão para o Irã, que demorou para tomar medidas em relação aos viajantes chineses.
"O regime fez de tudo para disfarçar a existência e a propagação desse vírus, enquanto o mundo inteiro sabia que a China era, naquele momento, o centro de propagação desse vírus. Os iranianos continuaram a fazer como se nada estivesse acontecendo em nome de suas relações com a China", comentou o professor de Ciência Política e especialista em Irã, Azadeh Kian, em Paris.
"A China é um parceiro crucial do regime iraniano. É seu primeiro comprador de petróleo. Isso explica porque eles não tomaram medidas", completa ela, acrescentando que, "graças aos veículos estrangeiros", a população pôde tomar conhecimento da envergadura da epidemia nos países.
Economia, diplomacia... e democracia: as autoridades também enfrentam um julgamento muito delicado entre o respeito das liberdades individuais e a luta contra a propagação do vírus.
"Existe uma democracia sanitária? Frente a uma epidemia, é um pouco antiético deixar as pessoas fazerem o que elas querem", afirma Anne-Marie Moulin.
"O risco faz parte de uma sociedade livre. Não podemos eliminá-lo e é preciso achar um equilíbrio. Nós fazemos constantemente essa escolha em políticas públicas e esse debate deve acontecer em uma democracia", diz o filósofo liberal Gaspard Koenig.
Com suas medidas de estrito confinamento, a China parece obter seus primeiros resultados para controlar a epidemia.
"A China é única, porque ela tem um sistema político que pode obter o consentimento da população, apesar das medidas extremas. Mas o controle social e a vigilância intrusiva não são um bom modelo para os outros países", concluiu Lawrence Gostin, professor de direito da saúde na Georgetown University, na revista "Science".