Vista de Krugersdorp, África do Sul, onde entidade comprou terras para projeto social voltado aos brancos (JMK/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 19 de novembro de 2014 às 09h31.
Krugersdorp - Uma iniciativa social destinada a tirar as comunidades brancas das favelas provocou debate na África do Sul e acusações de racismo aos idealizadores, que se defendem e garantem que só querem ajudar "sua gente".
"Há obras de caridade para a educação, por exemplo, das crianças zulus, e não há nenhuma polêmica. No mundo há projetos de caridade para todo tipo de coletivo e grupos étnicos", argumentou Sunette Bridges, presidente da Boervrouliga, a organização promotora.
Sunette - responsável pela campanha "The Red October" (Outubro Vermelho), qualificada de racista na África do Sul e que sustenta que a minoria branca sofre um "genocídio" pelas mãos dos negros - adquiriu com financiamento de simpatizantes um pedaço de terra em Krugersdorp (oeste de Johanesburgo), onde em poucas semanas começará a colocar seu projeto em prática.
A primeira ideia era colocar na comunidade - na qual viverão 50 famílias e que tem como modelo os "moshavim", as cooperativas rurais autossuficientes dos pioneiros sionistas na Palestina - famílias brancas em risco de exclusão social, para evitar sua chegada a acampamentos ou favelas.
Contudo, a remoção promovida pelas autoridades de um grupo de 300 brancos do assentamento em que viviam para um antigo lixão em Krugersdorp obrigou a uma mudança de planos para oferecer a 25 famílias uma nova vida em Kleinvallei, o nome dado à comunidade.
Sunette sustenta, citando dados de organizações da sociedade civil africâner, que de 600 mil a 800 mil brancos sul-africanos, a maioria africâner, vivem em favelas devido à suposta impossibilidade de encontrar emprego por conta das ações afirmativas do governo para a maioria negra.
No entanto, conforme publicação recente do site "Africa Check", menos de oito mil famílias brancas vivem, segundo números oficiais, em assentamentos informais. Isso representaria, tomando a média nacional de quatro pessoas por família, que 31 mil dos cerca de 4,5 milhões de brancos sul-africanos vivem nestas condições.
Um deles é o engenheiro Jaap Jovner, de 68 anos, que há alguns anos perdeu seu emprego na central elétrica em que trabalhava e nunca mais voltou ao mercado formal. À espera do término da construção da comunidade, começou a trabalhar no jardim e nos campos de Kleinvallei, e com lágrimas nos olhos fala para Sunette de sua ansiedade para começar a viver ali uma nova vida.
A maioria dos vizinhos de Jovner no assentamento é africâner como ele. Muitos ali são antigos servidores públicos de baixo escalão, cargos antes reservados preferencialmente aos africâneres, e agora ocupados por negros.
Amigo do engenheiro Jovner, Pierre Potgieter não poderá morar em Kleinvallei porque sua mulher, Ruth Ngope, com quem é casado há 17 anos, é negra.
Sua história, ainda chocante para muitos mesmo 20 anos depois do fim do apartheid, apareceu na imprensa em inglês e em africâner, e provocou denúncias de racismo contra Sunette, que se justifica explicando que a iniciativa é para gente branca e que, se aceitarem alguém negro, não saberiam "onde traçar a linha".
A presidente do Boervrouliga e o partido nacionalista africâner "Freedom Front Plus" que a apoia defendem para a África do Sul um sistema federal que outorgue altos níveis de autonomia a blocos baseados em sua identidade cultural e étnica, um modelo pleiteado também por alguns grupos - igualmente minoritários - zulus e de outras tribos negras.
"Estruturas de liderança tradicional como os reinos tribais também foram formalmente reconhecidas (pela Constituição democrática). Os grupos que se isolam do resto do país sem interferir nos assuntos de ninguém são tolerados", explicou à Agência Efe o analista político sul-africano Ivo Vegter.