Gravidez: uma em cada três mulheres francesas abortou pelo menos uma vez no país, onde são praticados 220 mil abortos por ano (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 20 de janeiro de 2014 às 16h43.
Paris - O projeto do governo francês de transformar o aborto em um direito pleno das mulheres, que começou a ser analisado nesta segunda-feira pelos deputados, reabriu o debate no país, onde a oposição pede que o exemplo da Espanha seja seguido, onde está em jogo o aumento das restrições de interrupção da gravidez.
O exemplo espanhol mostra que "os direitos das mulheres nunca estão totalmente adquiridos", criticou a presidente da comissão de Direitos das Mulheres da Assembleia Nacional, Axele Lemaire, durante a abertura do debate sobre a lei de igualdade entre homens e mulheres.
Este projeto, que entre outras coisas prevê licença paternidade aos pais, é aceito em geral por todos os grupos, mas inclui duas emendas sobre o aborto que provocaram a irritação de setores tradicionalistas.
A primeira faz cair o último obstáculo entre a mulher e o acesso ao aborto. A atual lei francesa, aprovada em 1975, assinala que o aborto está reservado às mulheres em situação de "desamparo".
A emenda apresentada pelos socialistas estabelece que "uma mulher grávida que não queira prosseguir com sua gestação" pode pedir um aborto, que na França é coberto pela seguridade social.
"O direito ao aborto deve ser considerado um direito pleno, não condicionado a nenhuma justificativa imposta às mulheres", disse na rádio "RTL" a ministra de Direitos das Mulheres e porta-voz do governo, Najat Vallaud Belkacem, grande promotora da reforma.
Entre os opositores ao aborto, essa mudança joga por terra o espírito da lei de 1975, na qual fica estabelecido que o aborto deve ser "um último recurso, não um direito pleno".
"O aborto passa a ser, praticamente, a primeira opção para um grande número de mulheres. Se torna um método anticoncepcional a mais. É a banalização do aborto", criticou a porta-voz do coletivo "Juntos pela vida", que ontem convocou uma grande manifestação em Paris e reuniu, segundo ela, 40 mil pessoas, 16 mil segundo a polícia.
Uma em cada três mulheres francesas abortou pelo menos uma vez no país, onde são praticados 220 mil abortos por ano, e a taxa de nascimentos está estável desde 2006 em 800 mil nascimentos.
As críticas ao projeto socialista se intensificaram e têm colocado como exemplo o anteprojeto de lei apresentado pelo governo espanhol, que restringe o direito ao aborto as vítimas de estupro ou que correm risco de morte no parto.
O presidente da Fundação Jérôme Lejeune de crianças trissômicas, Jean-Marie Le Méné, considerou que o aborto é "um genocídio" para os afetados pela doença.
O outro cavalo de batalha está na emenda que procura reforçar o crime de "impedir" o aborto, punido com dois anos de prisão e 30 mil euros de multa.
Prevista inicialmente para perseguir todos os que organizassem atos contra as clínicas que praticam abortos, a emenda estende a punição também aos que desinformam sobre o acesso a este direito.
Para os opositores ao aborto se trata de "um atentado à liberdade de expressão" que busca ao fechamento de sites para impedi-los de acompanhar mulheres grávidas.
Vallaud Belkacem reforçou que se trata de "reprimir a desinformação, não a informação de alternativas ao aborto, é buscar uma informação equilibrada".
As emendas sobre o aborto contam com o respaldo dos socialistas e de seus aliados de esquerda.
A oposição conservadora da UMP aparece dividida, com alguns deputados favoráveis e outros, da ala mais democrata-cristã da formação, contra.
A principal contestação política vem do ultradireitista Frente Nacional, cuja líder, Marine Le Pen, criticou que o aborto "não deve ser um método contraceptivo como os outros".
Alguns de seus representantes, como o eurodeputado Bruno Gollnich, participaram da manifestação do domingo, enquanto seu fundador, Jean-Marie Le Pen, mostrou publicamente seu respaldo ao projeto do governo espanhol.