Parlamento: caos durante a sessão ilustrava as profundas divisões que minam o Iraque (AFP/Ahmad Al-Rubaye)
Da Redação
Publicado em 1 de julho de 2014 às 19h27.
Bagdá - O Parlamento iraquiano teve nesta terça-feira sua primeira sessão em meio a uma desordem generalizada depois de não conseguir iniciar o processo de formação de governo, essencial para acabar com a ofensiva jihadista que devasta o país.
A reunião foi marcada por trocas de acusações de curdos e sunitas contra o governo do primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki, presente na sala.
Al-Maliki tem cada vez menos chances de concorrer a um terceiro mandato diante do avanço dos insurgentes liderados pelos jihadistas do Estado Islâmico (EIIL) e do fracasso de seu Exército.
A Constituição estabelece que os deputados devem eleger no primeiro dia de sessão o chefe do Parlamento, o primeiro passo no processo de formação de um governo.
O caos reinava durante a sessão, ilustrando as profundas divisões que minam o Iraque, no momento em que a unidade das diferentes comunidades e religiões é mais importante do que nunca para evitar um colapso do país.
As últimas declarações do presidente da região autônoma do Curdistão iraquiano, Massud Barzani, também acentuaram os receios de uma divisão. Ele anunciou a organização de um referendo sobre a independência da região curda nos próximos meses.
"Vamos esmagar suas cabeças"
Durante a sessão, a parlamentar curda Najiba Najib exigiu que o governo de Al-Maliki transfira os recursos devidos ao Curdistão.
Kazem al-Sayadi, um deputado do bloco de Al-Maliki, respondeu: "Massud Barzani é um traidor e um agente. Quer exportar petróleo para Israel. Vamos esmagar suas cabeças e vamos mostrar o que vamos fazer depois de a crise terminar".
Os deputados sunitas saíram da sala quando o Estado Islâmico foi mencionado. A situação se tornou caótica, e a reunião foi encerrada.
Mais uma vez, os Estados Unidos pediram às lideranças iraquianas que formem um novo governo, "com toda urgência que a situação atual pede", alertando que "o tempo corre contra vocês".
O enviado da ONU Nickolay Mladenov denunciou a atitude dos parlamentares e insistiu em que "os políticos no Iraque deveriam compreender que o país não está vivendo uma situação normal".
Fazendo um apelo pela eleição do presidente do Parlamento na próxima sessão, prevista para 8 de julho, Mladenov afirmou que "qualquer atraso em relação ao prazo fixado pela Constituição acontecerá em detrimento da integridade do país".
Depois da eleição do presidente do Parlamento, os deputados elegerão um presidente da República. Caberá a este último escolher o candidato do bloco parlamentar que venceu a votação para formar um governo - no caso, o de Al-Maliki.
Mas, de acordo com um diplomata ocidental, mesmo dentro de sua coalizão xiita, discute-se a possibilidade de substituí-lo após dois mandatos consecutivos.
Enfraquecido pelo fiasco de seu Exército frente à ofensiva dos insurgentes, Al-Maliki, no poder desde 2006, é acusado há meses de concentrar o poder e de conduzir uma política de discriminação contra os sunitas.
Dessa forma, mesmo que as regiões de maioria sunita não tenham recebido os insurgentes de braços abertos, também não têm dado apoio ao Exército, incapaz de conter o avanço dos jihadistas nos primeiros dias da ofensiva lançada em 9 de junho.
Nesta terça-feira, depois de o EI proclamar no domingo um "califado" nos territórios conquistados entre a cidade de Aleppo (norte da Síria) e a província de Diyala (leste iraquiano), os jihadistas assumiram o controle de Albu Kamal, importante cidade síria na fronteira com o Iraque. Foram três dias de confrontos contra combatentes rivais.
"O Estado Islâmico tomou o controle de Albu Kamal na (província rica em petróleo de) Deir Ezzor, depois de violentos confrontos contra rebeldes apoiados pela Frente Al-Nusra, filiada à Al-Qaeda", segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.
Omar Abu Leyla, porta-voz dos rebeldes da província de Deir Ezzor, declarou à AFP que "a luta foi feroz... mas o EI venceu essa partida", após receber reforços do Iraque.
Meio bilhão de dólares sauditas
Para ajudar o governo iraquiano, Moscou forneceu cinco aviões Sukhoi que sobrevoavam o país nesta terça, enquanto Washington mobilizou quase 800 homens - 300 conselheiros militares e 500 soldados para proteger a embaixada e o aeroporto de Bagdá.
O Irã descartou o envio de efetivos militares, mas prometeu entregar armas da Bagdá, se o governo solicitar.
Os Estados Unidos, que também não pretendem enviar tropas terrestres, garantiram 36 caças F-16. A chegada das aeronaves pode demorar, porém, diante da situação de insegurança.
Já a Arábia Saudita anunciou hoje uma ajuda humanitária de 500 milhões de dólares para o povo iraquiano. Essa ajuda, decidida pelo rei Abdullah, será desembolsada por meio de agências da ONU, de acordo com o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores saudita, em nota divulgada pela agência oficial de notícias SPA.
"A ajuda beneficiará o povo iraquiano irmão, afetado pelos recentes acontecimentos dolorosos, incluindo os refugiados, independentemente de sua confissão religiosa, ou étnica", afirmou o porta-voz.
A situação humanitária no Iraque é alarmante. Mais de um milhão de pessoas já fugiram desde o início do ano e, segundo várias organizações humanitárias, é difícil ter acesso a elas.
A ofensiva jihadista também "criou uma situação bastante perigosa e precária para as crianças", alertou a representante especial da ONU para a Infância e os Conflitos armados, Leila Zerrougui, nesta terça-feira.
Em conversa com a imprensa, Leila disse ter recebido "informações preocupantes" sobre o recrutamento de crianças-soldados e lembrou que o EIIL figura desde 2011 em uma lista negra das Nações Unidas, devido a seus ataques a escolas, entre outros pontos.