O presidente do Líbano, Michel Aoun (ao centro), visita os escombros da explosão em Beirute (Anadolu Agency/Getty Images)
Carla Aranha
Publicado em 16 de agosto de 2020 às 13h12.
O presidente do Líbano, Michel Aoun, fez um pronunciamento histórico no sábado, 15, à noite, ao revelar que não descarta um acordo de paz com Israel. Em entrevista à rede de TV francesa BMF gravada no palácio presidencial em Beirute, Aon disse que o reestabelecimento das relações diplomáticas com Israel “dependeria” de alguns fatores, mas não negou a possiblidade de um acordo.
Na última quinta-feira, 13, o premiê Benjamim Netanyahu e o príncipe herdeiro Mohammed bin Zayed Al-Nahyan, dos Emirados Árabes, fecharam um acordo de paz histórico, intermediado pelos Estados Unidos. O governo americano chegou a dizer que outros países do Golfo Pérsico poderiam aderir à iniciativa, entre eles Omã e Bahrein. O Líbano, no entanto, não estava na lista.
Tel Aviv e Beirute mantém uma relação de animosidade, com raras tentativas de aproximação, desde a criação do Estado de Israel, em 1948. A última vez em que os dois países se enfrentaram foi em 2006, depois que o grupo libanês xiita Hezbollah capturou soldados israelenses. O conflito, mediado pelas Nações Unidas, durou apenas 36 dias, mas deixou marcas. O Hezbollah, por exemplo, saiu fortalecido.
Com boa parte de Beirute destruída pela explosão de 2.700 toneladas de nitrato amônia estocadas irregularmente no porto e cerca de 300.000 desabrigados (entre eles, 80.000 crianças), o grupo passou a se ver mais na berlinda. A difícil condição econômica do país também não tem ajudado.
O descontrole fiscal elevou a dívida para mais de 150% do PIB e a taxa de desemprego chegou a 30%. A lira libanesa, mantida artificialmente pareada ao dólar, se desvalorizou 80% nos últimos meses. As reservas do governo estão diminuindo e já falta dinheiro para pagar o salário dos funcionários públicos.
Gás para dar e vender
A exploração de grandes reservas de gás encontradas no Mediterrâneo, entre Israel e o Líbano, poderia aliviar a penúria econômica do país. Como os dois países nunca tiveram relações diplomáticas, a divisa marítima acabou não sendo demarcada. Ambos enviaram propostas de delimitação da fronteira para as Nações Unidas, mas há um impasse em relação a uma área oceânica de 860 quilômetros quadrados.
Mesmo sem um acordo, tanto o Líbano como Israel resolveram começar as prospecções de gás. Até o final do ano, a empresa francesa Total deve iniciar as operações em uma das reservas na parte do mar que indiscutivelmente pertence ao Líbano, por meio de um acordo com o governo libanês.
Israel, por sua vez, disse que pretende começar a exploração do bloco 9, bem próximo ao que seria a divisa marítima com o Líbano, até o final do ano. O presidente Michel Auon afirmou, em junho, que esse seria um movimento perigoso de Israel. As negociações entre o Líbano e Israel estão sendo intermediadas pelos Estados Unidos.
A reserva descoberta há dez anos nas águas marítimas da região contém mais de 736 bilhões de metros cúbicos de gás, suficiente para abastecer Israel de energia pelas próximas três décadas, e ainda sobrar.
Segundo fontes diplomáticas e da área econômica, a exploração dos campos de gás pelo Líbano e a francesa Total, no entanto, depende de novos investimentos -- e uma situação política e econômica mais estável no país não seria nada mau. Da mesma forma, manter uma postura de enfretamento com o país vizinho neste momento talvez não seja a melhor solução.