O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, no dia de sua posse, em 1º de junho de 2019 (AFP/AFP Photo)
AFP
Publicado em 16 de setembro de 2022 às 18h06.
Última atualização em 16 de setembro de 2022 às 18h08.
A decisão do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, de tentar a reeleição em 2024, atiçou o debate sobre se é constitucionalmente possível e legal, apesar de a Suprema Corte tê-lo habilitado, o que é rechaçado por seus detratores, que denunciam uma manobra para se perpetuar no poder.
O presidente, de 41 anos, fez o anúncio na noite de quinta-feira, acompanhado de sua esposa, Gabriela, aproveitando uma mensagem à nação em rede de rádio e televisão por ocasião dos 201 anos da independência.
"Depois de conversar com minha esposa, Gabriela, e com minha família, anuncio ao povo salvadorenho que decidi ser candidato à presidência da República", disse Bukele em tom sereno em um salão da casa presidencial e diante de embaixadores credenciados no país, que foram convidados para o evento.
Uma resolução da sala constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador habilitou o governante a tentar a reeleição, o que, no entanto, a própria Constituição proíbe.
Em setembro de 2021, essa sala da máxima corte ordenou ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) cumprir sua resolução e "permitir", neste caso, que Bukele "participe da contenda eleitoral por uma segunda ocasião", baseada em uma interpretação de um artigo da Constituição, que segundo os opositores à reeleição é o que a proíbe.
"Essa resolução não está apegada ao direito, o texto constitucional foi manipulado e foi feita uma interpretação errônea e sob medida (para o presidente), pois a reeleição não é permitida", avaliou Eduardo Escobar, diretor-executivo da organização Ação Cidadã, dedicada a fiscalizar a corrupção.
Ele lembrou que, em maio de 2021, com ajuda de seus aliados no Congresso, Bukele destituiu magistrados da sala constitucional da Corte Suprema, além do procurador-geral, o que foi considerado pelos Estados Unidos como um ato "antidemocrático".
Após o anúncio presidencial, segundo Escobar, "nos encaminhamos a transformar El Salvador em outra Nicarágua", em alusão ao longo governo do presidente Daniel Ortega. "Bukele quer se perpetuar no poder", advertiu Escobar.
Apesar de, segundo as pesquisas de opinião, desfrutar de ampla popularidade, o presidente também tem sido acusado de autoritário por opositores e organismos locais e internacionais de defesa dos direitos humanos.
"Se nos atermos à resolução da sala constitucional da Corte Suprema, o caminho para a reeleição está aberto, pois é a interpretação que a sala fez e sobre isso não há mais o que fazer, gostemos ou não", avaliou o analista político e advogado Julio Valdivieso.
Valdivieso destacou que atualmente "não seria possível fechar a porta à reeleição" de Bukele, pois "legalmente a sala (da Corte Suprema) estabeleceu precedente e o habilita, e além disso suas resoluções são de cumprimento obrigatório".
Segundo o analista político Marvin Aguilar, a "única maneira de que não se possa mais permitir a reeleição é que a mesma sala constitucional emita uma nova resolução onde corrija o feito", mas considerou que "isso não vai acontecer neste momento".
"Tudo isso é coisa de interpretação da Constituição, foi feita uma mudança jurisprudencial que talvez não tenha sido a mais correta. Não é ilegal, pois foi estabelecida pelo máximo tribunal constitucional", sustentou Aguilar.
A decisão de tentar a reeleição põe em evidência "a clara intenção de Bukele de reter o poder a todo custo", destacou Jaime Guevara, líder no Congresso da opositora esquerdista Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN).
Bukele fez parte da FMLN até ser expulso, em outubro de 2017, depois de ter sido acusado de insultar uma funcionária desse partido.
Para os salvadorenhos, a notícia de que Bukele tentará a reeleição não os surpreende, já a esperavam. Armando Rodríguez, um taxista de 54 anos, assegurou que "é a melhor decisão que (Bukele) podia tomar" .
"Este presidente é criticado porque trabalha, distribui a riqueza ao povo, dando muitas ajudas e isso não é assistencialismo, é devolver algo a seus governados", avaliou Rodríguez.
Organizações de direitos humanos têm acusado o governo de Bukele de violar direitos de pessoas mediante um regime de exceção decretado em março para combater as gangues. Sob este mecanismo, foram detidos pouco mais de 52.000 membros destas organizações criminosas.
Recentemente, a vice-diretora para as Américas do Human Rights Watch (HRW), Tamara Taraciuk, disse que o regime de exceção "terminou sendo um desastre na questão dos Direitos Humanos".
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