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Da Redação
Publicado em 10 de dezembro de 2010 às 16h48.
São Paulo - A intenção da Advocacia Geral da União (AGU) era comemorar o Dia Nacional de Combate à Corrupção, nesta quinta-feira, com a divulgação de dados que mostrassem o aumento das ações de combate aos delitos contra o erário. E para isso divulgou um relatório com dados que saltam aos olhos: em 2010 foram ajuizadas 2.449 ações para reaver aos cofres públicos dinheiro desviado por políticos, servidores, militares e até empresários.
Analisados com mais cuidado, porém, os dados mostram que os prefeitos foram os maiores alvos das ações ajuizadas a partir de decisões do Tribunal de Contas da União (TCU). Nenhuma das ações tem como alvo ocupantes de alto escalão de poder como ministros, deputados, senadores e governadores. Como não faltam denúncias contra esses figurões na imprensa, parece que alguma coisa não anda funcionando bem no sistema de punição contra corruptos da AGU.
“O TCU adora condenar prefeito, mas é inútil com ministros, governadores, deputados e senadores, o que o torna pouco efetivo”, critica o cientista político Ricardo Caldas, que leciona Teoria e Análise Crítica da Corrupção na Universidade de Brasília (UnB).
De fato, o levantamento divulgado pela AGU indica que os prefeitos têm andado bastante fora da linha. Das 2.449 ações ajuizadas com base em condenações do TCU, 1.115 têm como réus prefeitos e ex-prefeitos (45,53%). Em segundo lugar estão os servidores públicos, com 354 (14,45%), seguidos de dirigentes de órgãos e entidades, com 283 (11,56%). Na lista de demais categorias, há ainda secretários de governo estadual e órgãos públicos. Mas nada de poderosos de verdade.
A AGU se defende afirmando que a efetividade das punições tem sido maior. Nos últimos dez anos, o número de ações civis ajuizadas pelo órgão executando condenações do TCU cresceu 87% - em 2001 foram 281 casos, número que em 2010 pulou para 2.147. Considerando todas as ações de 2010, inclusive as que partiram da União, espera-se que os cofres públicos sejam ressarcidos em 2,7 bilhões de reais. Desse total, 582 milhões já foram bloqueados ou penhorados.
Ainda assim, o professor Caldas volta à carga: “Mesmo quando há condenações, poucos punidos devolvem o que foi desviado porque ficam protelando isso com recursos”. Ele argumenta que os dados oficiais são estrategicamente divulgados para dar a aparência de que a corrupção está sendo combatida. “É uma forma de verniz, um jogo de aparência, mas a cultura não muda”, reclama.
Para Caldas, a corrupção no Brasil só vai deixar de ser regra quando houver uma agência independente que a combata, como acontece no Reino Unido, por exemplo. “Não há interesse de parlamentares e do governo em enfrentar isso. Do jeito que está, é como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”, compara.
Estados - Os dados da AGU baseados em condenações do TCU indicam outra peculiaridade. Em números absolutos, Minas Gerais e São Paulo são os estados com o maior número de casos. No entanto, se analisados proporcionalmente à quantidade de municípios, Amapá, Roraima e Amazonas lideram o ranking. “Minas e São Paulo têm muitas prefeituras e maior potencial de negócios e convênios, o que abre mais brechas para desvios, mas os altos índices dos estados do Norte são inexplicáveis”, comenta o diretor do Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa da AGU, André Mendonça.
Para ele, o simples fato de os processos cíveis chegarem a uma solução deve ser comemorado. “Como os processos criminais prescrevem rápido, não há condenações a tempo e a sensação de impunidade é maior”, defende. “O processo cível alcança o patrimônio do sujeito, que prefere ir preso do que perder dinheiro. E não tem prescrição, logo, o tempo não corre contra a sociedade e a pena vai ser aplicada do mesmo jeito.”
Mendonça reconhece que ainda há muito a fazer para reduzir a corrupção no país, mas aponta avanços. “Em 2009, criamos um grupo de 110 advogados da União que estão espalhados pelo Brasil atuando exclusivamente no combate à corrupção. Não se fazia isso antes por falta de prioridade”, destaca. “Tudo é um ciclo, não adianta atuar separadamente. Estamos trabalhando na consequência, mas, se o país quer erradicar a corrupção, tem que agir na raiz do problema: a educação.”