Agência de notícias
Publicado em 19 de abril de 2025 às 07h58.
Durante duas décadas após se formar em Harvard, Samuel Graham-Felsen nunca doou para sua alma mater. A universidade de 388 anos representava o elitismo, segundo ele. Dar ainda mais dinheiro para a escola mais rica do mundo não condizia com seus valores. "Por que eu deveria doar para esse lugar que tem bilhões de dólares?", ele se perguntava ao receber pedidos de arrecadação. Seu sentimento mudou esta semana, depois que a universidade rejeitou uma série de exigências do governo Donald Trump.
O governo pediu que Harvard fizesse várias coisas — como auditar o trabalho dos professores em busca de plágio e denunciar estudantes internacionais que quebrassem regras às autoridades federais —, o que indignou os líderes da universidade, outros membros do ensino superior e pessoas muito além de seus portões de ferro.
Em poucas horas, o governo federal respondeu com um congelamento de US$ 2,2 bilhões (cerca de R$ 13 bilhões) em financiamentos e, mais tarde na semana, disse que tentaria revogar o status de isenção fiscal de Harvard.
O governo Trump afirmou que está mirando Harvard porque a universidade não fez o suficiente para combater o antissemitismo. Isso não agradou Graham-Felsen, romancista e escritor freelancer em Nova Jersey, que é judeu.
Ele fez uma única doação de US$ 108 (R$ 632) à universidade. É um múltiplo de 18, um número simbólico no judaísmo que destacou sua rejeição à ideia de que as ações do governo contra Harvard estariam sendo feitas em seu nome.
"Quanto mais Trump punir Harvard financeiramente, mais eu vou doar. Não sou um cara rico", disse.
Não está claro quantas pessoas doaram para Harvard esta semana. A universidade não respondeu aos pedidos por dados sobre doações. Mas Graham-Felsen disse que tem muitos amigos, alguns dos quais nunca haviam doado para a instituição, que enviaram contribuições esta semana.
Entre alguns críticos de direita, as ações da escola nesta semana e ao longo do último ano frequentemente provocaram a reação oposta.
Há um ano, Kenneth Griffin, fundador de um fundo de hedge que já doou mais de meio bilhão de dólares para Harvard, disse que pausaria as doações devido à forma como a escola lidou com o antissemitismo.
Depois que Harvard enfrentou o presidente Trump esta semana, outro crítico vocal e ex-aluno, Shabbos Kestenbaum, expressou decepção com sua antiga escola. "Harvard está enfrentando o Trump com mais força do que jamais enfrentou o antissemitismo", escreveu Kestenbaum, que está processando a universidade pela forma como ela lidou com o antissemitismo, nas redes sociais.
O Clube Republicano de Harvard também criticou a resposta da universidade ao governo, dizendo em um comunicado que a universidade "se recusou a atender aos pedidos federais para reverter a captura ideológica".
Símbolo
Harvard tem atraído ressentimentos de todos os espectros políticos nos últimos anos. Alguns acreditam que a universidade reforça uma meritocracia falha. Em vez de "faculdades altamente seletivas", críticos passaram a chamar Harvard e suas congêneres de "faculdades altamente excludentes", por alardearem suas baixas taxas de aceitação como símbolo de prestígio.
No programa americano "The Daily Show" desta semana, o apresentador Ronny Chieng elogiou Harvard por se manter firme em seus princípios e resistir às exigências do governo, mas também fez uma piada:
"Finalmente encontramos uma força mais poderosa do que o ódio de Trump: o amor de Harvard por enviar cartas de rejeição", disse ele.
Ninguém que falou com o New York Times sobre doar para Harvard esta semana tinha ilusões de que suas pequenas doações fortaleceriam de forma significativa as finanças da escola em sua batalha multibilionária com o governo. Mas, para muitos, não era mais sobre Harvard.
Harvard agora é um símbolo.
Alguns ex-alunos mais famosos também se sentiram inspirados. O ex-presidente Barack Obama, também ex-aluno da Escola de Direito de Harvard, criticou recentemente universidades ricas por não adotarem uma postura mais firme contra Trump. Nesta semana, Obama, junto com os senadores Chuck Schumer, também ex-aluno, e Bernie Sanders, ex-professor em Harvard, elogiaram a universidade.
Laurence Tribe, influente professor emérito de direito em Harvard, disse que agora é o momento de enviar doações para a universidade.
"É um caso maior do que Harvard", disse Gil Pimentel, da turma de 1984, que doou US$ 100 (R$ 585) após ler uma reportagem sobre a mensagem desafiadora do presidente de Harvard, Alan Garber, na segunda-feira. "É uma questão de respeito ao Estado de Direito. Se o governo puder esmagar seus inimigos percebidos sem o devido processo ou respeito à legalidade, nossa democracia acabou", afirmou.
Ao longo dos anos, Pimentel montou uma lista de e-mails com cerca de 400 colegas de turma, entre eles o ex-secretário de Estado Antony Blinken, o advogado George Conway e a historiadora Heather Cox Richardson.
Depois de doar, ele enviou uma mensagem incentivando os outros a fazerem o mesmo, com o assunto "Lute Ferozmente, Harvard!". Ele observou que sua doação era "a menor fração de um erro de arredondamento no orçamento de Harvard", mas queria que Garber soubesse que contava com o apoio de ex-alunos.
Pimentel disse que recebeu mais de 50 respostas de pessoas dizendo "feito" e agradecendo por facilitar o processo (ele incluiu um link).
"Recebi e-mails de pessoas dizendo 'nunca doei' ou 'só doei uma ou duas vezes e estou doando agora'", contou.
Uma das pessoas que recebeu seu e-mail foi Mark Pelofsky, que doou US$ 250 (R$ 1,4 mil), seu primeiro presente de caridade para Harvard em muitos anos. Pelofsky disse ter ficado "horrorizado" com uma mensagem de Garber em 31 de março, que adotava um tom conciliador com Trump.
Ele escreveu a Garber dizendo que preferiria "que Harvard resistisse e gastasse cada dólar de seu fundo patrimonial a cumprir com o governo". Disse ter recebido uma resposta insatisfatória. Por isso, quando Harvard mudou de postura na segunda-feira, quis demonstrar apoio.
Até mesmo líderes universitários que costumam criticar Harvard ofereceram algum apoio qualificado esta semana. Lane Glenn, presidente da Northern Essex Community College, a cerca de uma hora ao norte de Harvard, já argumentou que a universidade deveria fazer mais para ajudar instituições mais pobres. Sua escola tem um fundo de US$ 9 milhões (R$ 52 milhões), em contraste com os US$ 53 bilhões (R$ 310 bilhões) de Harvard.
Mas Harvard, ele disse, está sendo tratada de forma injusta.
"É responsabilidade dela, com os recursos que tem, se levantar e se defender. E, mais amplamente, defender o ensino superior", disse ele. "Embora eu não vá abrir meu talão de cheques."