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Proposta de devolver TikTok aos usuários lotou painel em Davos. Entenda

Bilionário Frank McCourt, que defende portabilidade entre plataformas e que usuários sejam donos de seus dados, apresentou proposta de compra da rede social dias antes

Durante Fórum Econômico Mundial, novo contexto para plataformas sociais e futuro das redes pautou agendas paralelas disputadas  (Pascal Bitz/WEF/Divulgação)

Durante Fórum Econômico Mundial, novo contexto para plataformas sociais e futuro das redes pautou agendas paralelas disputadas (Pascal Bitz/WEF/Divulgação)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 26 de janeiro de 2025 às 11h00.

Última atualização em 26 de janeiro de 2025 às 11h03.

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*De Davos

Poucas semanas após manifestar interesse em comprar o Tik Tok, o bilionário Frank McCourt resolveu dar um pulo em Davos. Longe das salas de negociações multilaterais, o fundador do Project Liberty, uma organização sem fins lucrativos que defende uma infraestrutura digital mais segura e inclusiva na internet, participou de uma disputada conversa na Axios House.

Sob o tema "Proteção à liberdade de imprensa e à democracia", em painel que teve ainda a participação do ex-Google, Tristan Harris, especialista em ética e design, mais conhecido no Brasil por conta do documentário O dilema das redes, McCourt compartilhou sua visão sobre o futuro da internet e a perspectiva do que está por trás da proposta de aquisição da plataforma. E revelou ainda, os obstáculos práticos para a negociação.

Uma nova visão para a internet

Durante o encontro em Davos, McCourt reforçou suas críticas ao modelo atual do TikTok, especialmente quanto à falta de transparência no funcionamento da plataforma. "Alguns são até banidos silenciosamente porque podem estar fazendo algo que quem controla o algoritmo não gosta", afirmou, salientando como os criadores de conteúdo ficam à mercê de decisões arbitrárias.

"Em outras plataformas de mídia social, os indivíduos sabem como desenvolvem um seguimento, amigos, seguidores, curtidas etc.", disse. "Isso não é o TikTok. Os influenciadores do TikTok não têm a menor ideia de quem é seu público", completou.

Ex-proprietário do Los Angeles Dodgers e herdeiro de uma família de industriais de Boston, o bilionário vem se posicionando como crítico contundente ao modelo de negócios atual da internet, particularmente em relação a redes sociais. Em 2021, fundou o Project Liberty como um híbrido de think-tank e investidor, para operar uma reformulação radical na relação entre usuários e plataformas digitais.

"Imagine uma internet onde, se fizermos um péssimo trabalho administrando o TikTok, eles podem pegar e mover para outro lugar", propôs em Davos, numa defesa de um modelo de portabilidade de dados entre plataformas.

Frank McCourt: "Precisamos de uma internet onde o indivíduo é dono de seus relacionamentos digitais" (Axios House/Divulgação)

Do teste piloto à escala global

A viabilidade técnica do modelo proposto por McCourt já foi testada, porém em menor escala. Trata-se de uma experiência piloto com o MeWe, uma rede social alternativa que conta com aproximadamente 20 milhões de usuários, após um investimento de US$ 15 milhões liderado pela McCourt Global em 2022.

"Não é ciência espacial. É um problema que pode ser resolvido, e nós provamos isso porque já temos 2 milhões de pessoas usando", afirmou McCourt sobre a implementação inicial do projeto. No entanto, expandir esse modelo para uma base de 170 milhões de usuários do TikTok nos EUA representa um desafio técnico significativamente maior.

Quando questionado sobre moderação de conteúdo e liberdade de expressão, McCourt defendeu uma abordagem cautelosa: "Não estou em posição, nem qualquer outra pessoa que controla a plataforma deveria estar, de decidir por todos nós qual é nossa política de liberdade de expressão, nossa política de privacidade, nossa política de moderação". E completou que, para ele, a tecnologia deve ser otimizada para atender o que a sociedade deseja dessas políticas, não o contrário.

A questão dos direitos digitais

No mundo ideal proposto por McCourt, um usuário que possui maior controle sobre sua rede de conexões e dados pessoais poderia permitir ele mesmo, se certos anunciantes ou outros usuários pudessem ter acesso a essas informações, mantendo autonomia sobre como elas são utilizadas - e isso é muito mais do tornar um perfil público ou privado.

Por exemplo, alguém com interesse em determinado tema poderia compartilhar essa preferência com uma plataforma, que então só em função do que pede o usuário, personalizaria seu feed de mídia social com conteúdo relevante, mantendo e respeitando a autonomia individual.

No painel em Davos, o fundador do Project Liberty opinou também sobre direitos autorais e o uso de dados por modelos de IA. De acordo com ele, o modelo de propriedade individual dos dados poderia oferecer um caminho para o atual embate entre criadores de conteúdo e empresas de tecnologia.

Em sua visão, a tecnologia deve estar em harmonia com as políticas e leis já existentes, sem a necessidade de criar novos marcos regulatórios específicos para o ambiente digital.

O xadrez da negociação

O momento é particularmente decisivo para o futuro do TikTok nos Estados Unidos. Decisão da Suprema Corte americana manteve a lei bipartidária que força a ByteDance, empresa chinesa proprietária do TikTok, a vender suas operações nos EUA. O prazo inicial era 19 de janeiro e foi adiado por Trump por meio de uma ordem executiva que estendeu por 75 dias a aplicação da proibição do aplicativo.

O presidente norte-americano ainda declarou interesse em que "os Estados Unidos tivessem uma participação de 50% em uma joint venture" no TikTok, mostrando-se aberto a que bilionários como Elon Musk ou Larry Ellison, presidente da Oracle - ambos mais alinhados a suas convicções -, participassem da aquisição.

A complexidade da operação, estimada em US$ 20 bilhões sem incluir o algoritmo da plataforma, revela apenas parte dos desafios. Bill Ford, membro do conselho da ByteDance, afirmou que as negociações efetivas dependem de definições do Departamento do Tesouro americano. Além disso, questões técnicas sobre a implementação de um sistema verdadeiramente descentralizado em escala global permanecem sem resposta.

Futuro em disputa

"Podemos sentar e reclamar sobre os males da internet e das mídias sociais o dia todo, mas a questão é: o que vamos fazer a respeito?", provocou McCourt em Davos, para quem o interesse em torno da aquisição do TikTok precisa ser um catalisador para uma discussão mais ampla sobre o futuro da internet. "É possível consertar. Não precisa ser assim. Em vez de lidar com todos esses problemas incessantemente, precisamos de uma solução estrutural", completou.

Sua proposta parece representar uma tentativa de equilibrar privacidade individual, segurança nacional e viabilidade comercial em um novo modelo para a internet. No atual contexto de crescentes tensões geopolíticas e debates sobre soberania digital, foi consenso entre especialistas presentes ao painel em Davos, de que a visão apresentada por McCourt na conversa pode representar um momento de virada fundamental nas relações entre usuários e plataformas. 

Contudo, o sucesso de sua empreitada dependerá não apenas da capacidade de superar desafios técnicos e regulatórios, mas também de convencer uma ampla gama de stakeholders - desde usuários individuais até governos - sobre as vantagens de um sistema onde o poder sobre os dados retorna às mãos dos cidadãos. E que a melhor pessoa para fazer isso é ele.

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