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Por que os americanos votaram em Donald Trump

Eleição do republicano mostra uma guinada conservadora e um ceticismo em relação aos políticos profissionais nos Estados Unidos

Apoiadores de Trump: comemoração da vitória do republicano em hotel em Nova York  (Chip Somodevilla/Getty Images)

Apoiadores de Trump: comemoração da vitória do republicano em hotel em Nova York (Chip Somodevilla/Getty Images)

RK

Rafael Kato

Publicado em 10 de novembro de 2016 às 18h16.

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play

MIAMI — A vitória de Donald Trump é resultado de dois grandes anseios que dominam boa parte da população americana, e que ele foi capaz de representar: uma melhora de vida, com melhores empregos e menos impostos, e uma guinada conservadora na Suprema Corte, que volte a proibir o aborto e o casamento entre homossexuais. Combinada com essas duas expectativas, está a identificação de muitos americanos com a forma espontânea de Trump se expressar, que provoca confiança nos eleitores, céticos em relação aos políticos tradicionais. A forte rejeição a Hillary Clinton e o menor ânimo dos negros, em comparação com as eleições de Barack Obama, também contribuíram.

“Os homens e mulheres esquecidos do nosso país não serão mais esquecidos”, assegurou Trump, em seu discurso da vitória às 3 horas da madrugada (6h em Brasília) desta quarta-feira em Nova York. De fato, uma parcela importante dos americanos se sente assim, tanto do ponto de vista econômico quanto cultural: suas profissões e suas convicções morais já não têm mais o valor que tinham em seu próprio país. E, ao fazer uma campanha para o americano “comum”, Trump capturou a maior fatia do eleitorado: os brancos representam 66% dos eleitores, e os que não têm diploma superior são mais da metade desse contingente. De acordo com as pesquisas, dois terços ou mais desses eleitores votaram em Trump.

A promessa de Trump de trazer de volta os empregos industriais, e de reduzir os impostos para incentivar a atividade econômica, atraiu muitos eleitores que sentem que seu padrão de vida está estagnado. Na Flórida, que com seus 29 votos no Colégio Eleitoral deu a Trump uma vitória crucial, muitos não se recuperaram ainda da crise financeira de 2008 e 2009. “Eleitores brancos suburbanos e rurais se sentiam deixados para trás na economia”, constata a cientista política Susan MacManus, da Universidade do Sul da Flórida.

As investidas do republicano contra o livre comércio tiveram enorme impacto no Rust Belt (“Cinturão da Ferrugem”), Estados industriais que sofreram com a chamada “exportação de empregos” para a China e para o México. Nessa região, Trump venceu na Pensilvânia, Virgínia Ocidental, Ohio, Indiana, Michigan, Iowa e Wisconsin, e perdeu apenas no Illinois, Estado do presidente Obama.

Trump promete acabar com o Obamacare. Ao obrigar todos os americanos a terem um plano de saúde, o programa acabou representando um fardo para muitos deles. Os preços dos convênios subiram 22%, com o aumento da demanda. O governo subsidia em parte aqueles que não podem pagar integralmente. As empresas têm de pagar uma outra parte, o que onera seus custos, tendo impacto sobretudo nas menores, que são importantes geradoras de empregos.

Pesquisas de boca-de-urna indicam comparecimento maciço dos eleitores evangélicos. De acordo com o site Five Thirty Eight, 81% dos evangélicos votaram em Trump e 16%, em Hillary. Em 2012, Obama teve 20% dos votos dos evangélicos. Em uma disputa tão acirrada, com margem de cerca de 1% entre Trump e Hillary, esse deslocamento faz diferença. Na Flórida, onde os evangélicos representam 20% dos eleitores, sua preferência por Trump foi ainda mais expressiva: 85% votaram no republicano, e 13%, na democrata. Hillary tem uma posição clara em favor da manutenção do direito ao aborto. Embora Trump assuma que não é religioso, esteja no terceiro casamento e tenha sido filmado falando de forma bastante explícita sobre como seduz as mulheres, ele se colocou contra o aborto. E isso parece bastar para esses evangélicos.

A morte, em fevereiro, do juiz conservador Antonin Scalia abriu uma vaga na Suprema Corte. Com isso, a composição ficou equilibrada: quatro conservadores e quatro liberais. Obama nomeou em março Merrick Garland, presidente da Corte Federal de Apelações do Distrito de Colúmbia. Mas o Senado, dominado pelos republicanos, não marcou sua sabatina — passo necessário para a aprovação de seu nome. Agora, o Senado, que continua nas mãos dos republicanos (assim como a Câmara), deverá referendar um juiz conservador indicado por Trump. O novo presidente terá ainda a oportunidade de nomear até dois juízes, garantindo uma Suprema Corte conservadora por décadas. Além do aborto, a Corte também pode reverter o direito ao casamento entre homossexuais, impedir a imposição de controles à venda de armas e acatar as medidas radicais que Trump possa vir a tomar em relação aos imigrantes e aos muçulmanos.

Os americanos estão na defensiva em relação aos estrangeiros, tanto porque consideram que eles “roubam” seus empregos e oneram o Estado ao receber benefícios sociais, como também por causa do terrorismo. Além de bloquear a entrada de muçulmanos, Trump prometeu ser mais duro contra o Estado Islâmico, e isso agradou parte dos eleitores. Em geral, os americanos que têm militares na família ou que se sentem mais identificados com as Forças Armadas já costumam votar nos republicanos.

Duas apostas de Hillary que não vingaram: o voto das mulheres e o dos latinos. Embora nas pesquisas as mulheres, que somam mais da metade do eleitorado, dessem clara preferência a Hillary, elas ou não compareceram em número suficiente para se contrapor à vantagem de Trump entre os eleitores homens, ou simplesmente não confirmaram seu voto na democrata.

Os negros, que são 13% do eleitorado, compareceram menos do que nas eleições anteriores. Parte deles se decepcionou com as expectativas frustradas durante o governo de Obama. Outra parte aprova o governo do democrata, mas não se identifica com Hillary. Houve um aumento dos votos dos latinos, que representam 16% dos eleitores. Mas não em número suficiente para compensar a perda dos eleitores negros. Até porque nem todos os novos eleitores latinos votaram em Hillary. Uma parte deles foi atraída pelas promessas de Trump de trazer mais prosperidade. Por definição, os 11,5 milhões de imigrantes ilegais ameaçados de expulsão por Trump não votam.

As apostas do bilionário em quem realmente decide foram mais certeiras.

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