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Por que os ambientalistas odeiam a tilápia

Um dos peixes cujo consumo mais aumenta no mundo tem um lado obscuro pouco conhecido por quem aprecia sua carne branca e suave. No Brasil, projeto de lei traz polêmica à tona

Trazida para cá na década de 70, a tilápia é o peixe mais produzido pela aquicultura brasileira  (Wikimedia Commons)

Trazida para cá na década de 70, a tilápia é o peixe mais produzido pela aquicultura brasileira (Wikimedia Commons)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 18 de julho de 2012 às 20h47.

São Paulo – Conta uma famosa passagem bíblica que, com apenas cinco pães e dois peixes, Jesus alimentou uma multidão de cinco mil pessoas. Estudiosos acreditam que os pescados, capturados por Pedro, eram tilápias, por ser o tipo mais encontrado no Mar da Galileia, em Israel. Do “milagre da multiplicação” originou-se o termo “St. Peter’s Fish” (Peixe de São Pedro), que dá nome a um dos produtos cujo consumo mais aumenta no mundo, impulsionado pela popularização nos EUA, na União Europeia e na China.

Foi num lance prodigioso de avanços comerciais e técnicos que a produção global de Tilápia mais do que dobrou na última década, passando de 1,5 milhões de toneladas em 2003 para 3,2 milhões de toneladas em 2010, devido principalmente à expansão da aquicultura. Nativo da África, esse peixe “invasor” foi trazido para o Brasil na década de 70. O animal, de carne suave e firme, se adaptou tão bem em nossas águas que, atualmente, representa, ao lado da carpa, outra espécie exótica, mais de 60% do cultivo de pescados em viveiro em todo o país.

Apesar do sucesso indiscutível, a produção ainda está longe de ser sustentável – o que explica a repulsa que gera nos defensores das causas ambientais. Uma série de estudos associa a criação de tilápias à riscos potenciais ao meio ambiente, que vão desde a deterioração da qualidade das águas à disseminação de parasitas. Consideradas as “galinhas aquáticas”, por serem fáceis de criar e crescerem rápido, as tilápias são comumente mantidas em ambiente natural dentro de tanques-rede no meio de lagos e rios.

Para turbinar a produtividade, elas recebem uma ração especial à base de cereais (como soja e milho) e hormônios de reversão sexual durante os primeiros 20 dias de vida. Além de garantir aumento de peso, essa alimentação transforma a maior parte da população de peixes em machos - que crescem quase três vezes mais do que as fêmeas.

O problema reside no que vem depois da digestão. Segundo Nilton Rojas, do Instituto de Pesca de São José do Rio Preto, restos de ração, fertilizantes e excretas dos animais levam ao acúmulo excessivo de resíduos que aumentam o aporte de nitrogênio e fósforo na água, podendo desencadear o processo de eutrofização - quando corpos d´água adquirem uma coloração turva ficando com níveis baixíssimos de oxigênio pela proliferação de algas, comprometendo, assim, a estabilidade do ecossistema aquático.

"Esse processo de poluição também chamado de "adubação" impede a entrada de luz, facilita a proliferação de algas e dificulta a sobrevivência de outros seres vivos no meio", explica. A sedimentação da água também pode dar ao peixe um gosto ou sabor indesejável.


Como se resolve isso? Com regulamentações para uma produção sustentável da tilápia no Brasil, defende o pesquisador. Rojas ressalta que a ausência de regras nessa seara pode ameaçar não apenas o cultivo do pescado, mas as próprias comunidades que, em regiões como o semiárido, dependem dessa água para consumo próprio. "Se não tiver água de boa qualidade, muito além dos prejuízos à atividade, é o futuro dos recursos hídricos que fica comprometido", adverte.

Um projeto de lei polêmico

Pela Câmara dos Deputados corre um projeto de lei que promete apimentar a discussão sobre a produção dessa espécie exótica por aqui. De autoria do deputado Nelson Meurer (PP-PR), o PL 5.989/09 quer liberar a criação de tilápias e carpas em tanques nos reservatórios de hidrelétricas.

O texto defende que a medida - a ser adotada de forma compulsória para proprietários ou concessionários de represas - seria uma maneira de gerar renda para comunidades afetadas e compensar os impactos ambientais gerados pelas usina (entre eles o de reduzir a quantidade de peixes nas águas represadas).

A proposta atrai críticas de parte da comunidade científica, que adverte sobre os riscos dos peixes escaparem. "Não tem como confinar esses animais numa gaiola. Fizemos um levantamento em Furnas, que tem autorização para cultivar tilápia, e todos os criadores disseram que os peixes escapam", afirma Fernando Pelicice, especialista em ecologia dos peixes, da Universidade Federal do Tocantins.

"Se for aprovado, esse projeto pode disseminar mais um elemento de perturbação [uma espécie exótica] em áreas já extremamente sensibilizadas pelas próprias hidrelétricas", alerta. Há ainda o risco de introduzir a espécie invasora em regiões onde elas não estão presentes, como na Amazônia, acrescenta. Segundo o pesquisador, ao escapar das redes e invadir o ecossistema aquático, as tilápias podem levar parasitas estranhos e introduzir doenças no meio.

O especialista ressalta que o mesmo esforço e atenção dispensados à tilápia deveria ser dado a peixes nativos do Brasil, como os da Bacia Amazônica, que estão claramente em desvantagem. Segundo o boletim estatístico mais recente do Ministério de Pesca e Aquicultura, em 2010, a produção de tambaqui, tambacu, pirarucu e pacu somou cerca de 97,5 mil toneladas, enquanto a tilápia alcançou 155 milhões de toneladas, sozinha.

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