O presidente Javier Milei, durante comício em Rosário, em 23 de outubro (Luis Robayo/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 25 de outubro de 2025 às 08h01.
Buenos Aires - Os argentinos têm uma relação intensa com o dólar e, mais uma vez, a moeda americana está no centro dos problemas econômicos do país. Agora, o presidente Javier Milei tenta desatar este nó e evitar que uma disparada do dólar após as eleições legislativas, marcadas para este domingo, 26, coloque todo o seu programa econômico em risco.
Desde setembro, o dólar teve várias altas e, em diversas ocasiões, bateu no teto da banda de flutuação estipulada pelo governo. Nesta sexta-feira, 24, último dia antes das eleições legislativas de domingo, 26, a moeda americana fechou a 1.491,72 pesos. O teto da banda, que varia ligeiramente a cada dia, está em 1.492,55 pesos por dólar.
Uma das grandes questões econômicas do país é que há um efeito de "atraso" no câmbio. De forma simplificada, a inflação acumulada nos últimos meses não está se refletindo na cotação do dólar.
Neste ano, Milei trocou o câmbio fixo, usado há anos, por um modelo de flutuação dentro de bandas. Assim, a moeda pode variar de preço, segundo a demanda do mercado, dentro de uma determinada faixa. Ao mesmo tempo, o governo faz uma desvalorização controlada do peso, que foi de 2% ao mês no início do governo e depois foi reduzida a 1%.
No entanto, a inflação tem ficado acima de 2% ao mês, o que faz com que a moeda americana não "suba" de preço na mesma velocidade que outros produtos e ativos financeiros.
Isso gera uma defasagem, que aumenta o poder de compra dos argentinos que possuem dólares, mas traz o risco de uma crise mais adiante, pois faltam dólares no país. Se a moeda estrangeira fica mais acessível, mais gente se dispõe a comprá-la, o que aumenta a demanda e leva os estoques a acabarem mais rapidamente.
"O câmbio atrasado dá aos argentinos uma sensação de riqueza e ajuda a estabilizar os preços. Mas é preciso ter reservas, e o Banco Central não tem conseguido se capitalizar", diz Ricardo Amarilla, economista sênior da consultoria Economatica na Argentina.
"O objetivo de Milei era reduzir a inflação muito rapidamente, mesmo sem reservas. Ele tinha pouca força no Congresso e não tinha muitas opções. Politicamente, tem sentido, mas economicamente não", diz o economista.
Ao tomar posse, Milei encontrou o BC quebrado, com reservas negativas (dívida) de US$ 11 bilhões. Em seguida, ele adotou medidas duras para tentar tirar o país da crise. Entre elas, cortou gastos para reduzir o déficit fiscal e suspendeu a emissão de pesos pelo governo.
Ao mesmo tempo, tomou medidas para reduzir o excesso de pesos no mercado, como a criação de títulos públicos com taxas de juros mais altas.
No entanto, o país ainda tem problemas graves, que dificultam a captação de dólares no mercado internacional, como outros países fazem. Como a Argentina tem uma reputação de má pagadora e um risco país elevado, seu acesso ao crédito é limitado.
"Em qualquer país do mundo, os países tendem a rolar suas dívidas. Tomam empréstimos, pagam, mas não estão pagando o tempo todo, como faz nosso Banco Central", diz Amarilla.
Para tentar encher os cofres, Milei adotou algumas medidas. Uma delas foi uma anistia: quem tivesse dólares guardados no exterior ou fora dos bancos poderia trazê-los de volta ao sistema formal sem dar explicações. Nisso, foram declarados cerca de US$ 32 bilhões em dinheiro vivo ou outras formas de patrimônio.
O outro caminho foi buscar mais empréstimos no exterior, agora com novos credores. Milei conseguiu renegociar os acordos com o FMI, mas também obteve dólares diretamente do governo dos Estados Unidos, que fez um swap cambial: trocou pesos argentinos por dólares. O acerto deve chegar a US$ 20 bilhões, que vai sendo liberado aos poucos, e os americanos já falam em um segundo pacote, de mais US$ 20 bilhões.
"Milei está trocando dívidas com os mercados, que são mais voláteis, por acordos com entidades e o governo americano, onde há mais espaço para negociações políticas", diz Amarilla.
Os dados mais recentes do BC argentino apontam reservas de US$ 40 bilhões. No entanto, este dinheiro acaba indo embora rapidamente, pois a Argentina tem dívidas de curto prazo a pagar e está vendendo milhões de dólares no mercado por dia para sustentar a taxa de câmbio.
"Assim, por mais que consiga muitos empréstimos, logo tem de devolver. É como um cartão de crédito. Se compramos, temos de pagar", afirma. “O tempo todo temos que estar acumulando reservas, porque o Banco Central não tem reservas.”
Manter o câmbio tão valorizado, sem dólares suficientes, levou o país a uma situação difícil. A medida seguinte de Milei, no começo de 2025, foi firmar um novo acordo com o FMI, que liberou mais parcelas do empréstimo em troca da adoção do regime de bandas cambiais, que entrou em vigor em abril.
Ao mesmo tempo, o Banco Central mexeu no sistema de títulos públicos e passou a oferecer taxas mais altas, de modo a captar mais recursos, o que também ajudou a esfriar a economia.
Houve ainda outro movimento que reduziu o crescimento: a abertura às importações. Com o peso valorizado e mudanças em regras, mais produtos de fora entraram no país, o que gerou queixas de empresários locais, acostumados a ter menor concorrência. Assim, muitos deles deixaram de investir e de contratar, diz Amarilla.
Além das empresas, crescem as demandas da população. "Daqui a pouco, a sociedade vai parar de demandar a redução da inflação, porque ela já está mais baixa do que antes, e passará a demandar outras coisas. as pessoas começam a se preocupar com seus salários e a perda de empregos", diz o analista.
Para o economista, Milei necessita de mais apoio dos demais partidos, especialmente dos governadores dos estados, para seguir com seu plano. "É preciso um acordo para seguir com mudanças tão transcedentais e de modo sustentável, como a redução dos gastos públicos", afirma.
Amarilla aponta, ainda, que a recuperação da confiança dos mercados na Argentina ainda levará bastante tempo e que a eleição deste domingo é mais uma etapa disso. Se o governo conseguir mostrar que tem apoio para seu plano, terá mais chances de seguir recuperando a confiança externa, mas ainda há muita estrada pela frente. "Resolver os problemas de nosso país requer vários governos", diz.