Medicina alternativa: governo indiano tem apoiado práticas de Ayurveda, apesar das polêmicas em torno de tratamentos duvidosos (SAM PANTHAKY /Getty Images)
Redatora
Publicado em 28 de fevereiro de 2024 às 06h59.
O sistema de medicina alternativa Ayurveda está ressurgindo na Índia, de acordo com uma reportagem da Bloomberg. Embora presente há séculos no país, o conjunto de práticas, que envolve remédios não testados, tem experimentado um pico de popularidade graças ao governo do ministro Narendra Modi.
Nos próximos cinco anos, o mercado de produtos ayurvédicos indianos deverá ultrapassar os U$20 bilhões, triplicando seu tamanho em 2022. Consumidores em mercados ocidentais estão ávidos para adquirir produtos rotulados como Ayurveda — uma categoria ampla que pode incluir desde medicamentos à base de ervas até yoga e meditação.
O governo indiano não quer perder a oportunidade, e está gastando centenas de milhões em pesquisa, divulgando práticas ayurvédicas para as audiências estrangeiras e apoiando convenções com medicamentos duvidosos. Uma delas, em dezembro, trazia um produto chamado Kan Killer que prometia eliminar o câncer sem quimioterapia — e custava $65 o frasco.
"Levou muito tempo para haver um consenso global e aceitação em relação à Ayurveda porque a evidência é considerada como a base na ciência moderna", disse Modi em um discurso, chamando a adoção mais ampla da medicina tradicional de parte fundamental de seu plano para fazer a economia da Índia crescer.
Logo após assumir o cargo, o primeiro-ministro criou a Ayush, um ministério dedicado a reviver "o conhecimento profundo de nossos antigos sistemas de medicina". No ano passado, o governo aumentou os gastos no ministério da Ayush em 20% e criou um visto especial para turistas médicos em clínicas ayurvédicas.
A Ayurveda tem raízes nos textos hindus e se traduz como "ciência da vida". Sua origem é vista por Modi como outra expressão do nacionalismo hindu de seu governo. No entanto, suas práticas são controversas. A Food and Drug Administration dos EUA não regula a prática da medicina ayurvédica, observando que alguns produtos não divulgam a presença de chumbo ou arsênio, e itens que se professam curativos podem ser comercializados ilegalmente.
Do outro lado, autoridades indianas e empresas ayurvédicas têm rebatido energeticamente críticos, aplicando pressão em alguns casos por meio de processos judiciais. O yogi Baba Ramdev, que tem status de celebridade e um império ayurvédico, chamou a medicina ocidental de "ciência estúpida e falida". Ele é um aliado do partido governante Bharatiya Janata.
O presidente da empresa de Ramdev, a Patanjali, acusou os céticos da Ayurveda de fazerem "parte de uma conspiração para converter o país inteiro ao cristianismo". No ano passado, várias pessoas morreram no oeste da Índia depois de consumir um xarope para tosse ayurvédico de venda livre contaminado com metanol, segundo relatos da mídia local.
Na terça-feira, a Suprema Corte da Índia proibiu temporariamente a Patanjali de comercializar seus produtos médicos, chamando os anúncios da empresa de "enganosos". Em 2020, o governo determinou à Patanjali cessar a comercialização de seu tratamento "Coronil" como uma cura para a Covid-19. A Patanjali não respondeu aos pedidos de comentário da Bloomberg.
O interesse por Ayurveda está passando as fronteiras da Índia. Vídeos sobre uma erva medicinal chamada ashwagandha — semelhante ao ginseng — estão se proliferando no TikTok, onde os usuários insistem que ela os ajuda a reduzir a ansiedade e dormir melhor. A empresa de bem-estar da atriz Gwyneth Paltrow, Goop, promove um spa ayurvédico em Santa Monica.
Para muitos médicos, a questão central não é que os remédios ayurvédicos sejam completamente ineficazes. Alguns estudos sugerem que os tratamentos ayurvédicos podem reduzir a dor, de acordo com o Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa dos EUA, embora os ensaios clínicos sejam limitados. Mas os produtos ainda não são regulamentados como medicamentos farmacêuticos.