Argentina: entre os candidatos conservadores, está o veterano da Guerra das Malvinas, Juan José Gómez Centurión (Marcos Corrêa/PR/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 14 de julho de 2019 às 12h41.
Última atualização em 14 de julho de 2019 às 12h42.
Candidatos às eleições de outubro na Argentina têm se inspirado no sucesso do conservadorismo no Brasil e disputam o título de “Bolsonaro argentino”. Na briga pela presidência, Juan José Gómez Centurión é o candidato, um veterano da Guerra das Malvinas que já fez parte do governo do presidente Mauricio Macri. No interior, o deputado Alfredo Olmedo, pré-candidato ao governo de Salta (uma das províncias mais pobres do país), é quem levanta bandeiras contra a “ideologia de gênero” e a favor das “duas vidas”, ou seja, contra a legalização do aborto.
Militar reformado, Centurión tem como candidata a vice a diplomata Cynthia Hotton. Ambos tiveram, na quarta-feira, uma reunião por videoconferência com Steve Bannon, ex-estrategista de campanha de Donald Trump, agitador de uma onda nacionalista de direita em todo o mundo e com contato com a equipe de Bolsonaro. Foi a quarta reunião de Cynthia com o americano e a primeira de Centurión.
“Bannon está interessado em acompanhar o que está acontecendo na Argentina e lhe pareceu muito interessante nossa chapa”, disse Cynthia. Sobre a possibilidade de o americano trabalhar na campanha, a diplomata afirmou apenas que eles seguirão em contato. “Vamos continuar conversando. O que todos veem é que nossa chapa tem muita semelhança com a de Bolsonaro. Centurión é um católico muito comprometido com os valores. Eu sou evangélica. Há várias coincidências.”
Segundo Centurión, o principal ponto de convergência é que tanto ele como o presidente brasileiro expressam a “reconversão da identidade nacional” em cada país. “Temos muitas características em comum, que hoje me parecem características quase universais de um modelo de uma direita republicana moderna”, afirmou. “Cada país e seu povo têm a própria expressão de valores. Mas eu poderia ser o equivalente a Bolsonaro. Não exatamente igual, porque ele é um produto tipicamente brasileiro.”
Para Centurión, a falta de valores na sociedade argentina é responsável pelo fracasso do país. “Propomos assumir o governo porque a classe política, nos últimos 50 anos, nos levou a um nível alto de fracasso, de endividamento e de pobreza. Isso ocorre porque ela usou como base um modelo absolutamente afastado dos valores fundacionais da Argentina”, disse ele, que também já foi vice-presidente do Banco de La Nación e diretor da Aduana argentina.
O fim do debate para legalizar o aborto e da ideologia de gênero - “um modelo ditatorial e totalitário que avança desde alguns setores do Estado em detrimento dos direitos individuais das pessoas”, segundo Centurión - são as principais bandeiras da chapa.
A possível legalização do aborto - que foi aprovada pelos deputados no ano passado, mas derrubada pelos senadores - foi um propulsor para a formação da chapa, diz o militar reformado. “Estávamos em desacordo com a agenda do aborto, que havia sido impulsionada pelo governo.” Apesar de vários membros do governo Macri serem contrários à legalização do aborto, o presidente não bloqueou o debate sobre o assunto no Congresso e afirmou que não vetaria a medida se fosse aprovada.
Na área econômica, a Frente NOS, coligação dos candidatos, defende intervenção mínima do Estado e redução dos gastos públicos e dos impostos. O nome NOS é uma referência à primeira palavra que aparece na Constituição argentina.
Ao contrário de Bolsonaro, porém, o candidato afirma que houve, sim, uma ditadura em seu país, mas ela veio após um ataque de “organizações armadas, que eram parte da estratégia cubana para a conquista do poder do Estado na Argentina”. Cynthia diz ser “totalmente contra ditaduras”. Afirma, por outro lado, que a chapa defende os direitos humanos dos militares presos por crimes contra a humanidade cometidos na ditadura (1976-1983).
O assunto é sensível no país. Militares condenados e com mais de 70 anos querem cumprir suas penas em prisão domiciliar. Pela lei argentina, isso só não é permitido em casos de crimes contra a humanidade. Hoje, há 95 militares idosos presos, mas entidades de parentes de vítimas da ditadura (como as Avós da Praça de Maio, que tem forte apoio popular) se opõem à liberdade dos condenados.
Outra diferença entre a candidatura de Centurión em relação à de Bolsonaro é a expectativa. Enquanto o brasileiro começou apostando que chegaria ao Planalto, os argentinos têm uma ambição mais modesta. A ideia é que a campanha lhe dê visibilidade e ajude a eleger deputados conservadores, que possam, no futuro, montar uma espécie de bancada evangélica.
“Vamos fazer uma eleição muito boa e colocar uns cinco ou seis deputados na Câmara. Na Argentina, as eleições legislativas são a cada dois anos. Colocando essa quantidade agora, podemos triplicar em 2021”, diz o veterano de guerra.
Cynthia acredita que a chapa poderá conseguir cerca de 10% dos votos. “Com isso, podemos mudar a agenda, independentemente de quem seja o próximo governo.” Ela aposta em oferecer o apoio a algum candidato no segundo turno, desde que ele seja contra o aborto. Em troca do apoio, poderia conseguir algum ministério.
Alfredo Olmedo é um dos mais controvertidos deputados federais da Argentina. Ele conta com orgulho que já se encontrou com Jair Bolsonaro e diz que, na primeira manifestação de apoio ao brasileiro neste ano, no Rio de Janeiro, havia gente usando um boné que levava “Olmedo” escrito na frente. “Com Bolsonaro, conversei sobre ideologia de gênero e sobre a direita. Porque o presidente argentino, Mauricio Macri, não é de direita. Ele impulsionou o debate sobre legalização do aborto no Congresso”, afirma o deputado.
Olmedo pensava em concorrer à presidência, mas acabou desistindo. Diz que não confiaria no resultado por não haver estrutura no país todo para se combater fraudes nas urnas. Agora é pré-candidato ao governo da Província de Salta pelo partido Ahora Patria e disputará as primárias com o prefeito de Salta, Gustavo Saenz.
Evangélico há dois anos, ele se orgulha de dizer que foi o primeiro político na Argentina a apoiar Donald Trump, quando o americano não havia sido eleito, e acrescenta, brincando, que na verdade foi Bolsonaro quem copiou seu perfil conservador.
Entre as propostas de Olmedo destacam-se o serviço militar obrigatório para quem não trabalha nem estuda, controle de uso de drogas para políticos, castração química para estupradores e a pena de morte para casos de abuso sexual seguido de morte.
Sobre o tema mais delicado do país - a ditadura -, fala que foi uma guerra, apesar de usar com frequência a palavra “ditadura” para se referir ao período. “Sou o único que diz a verdade. Falam que houve 30 mil desaparecidos aqui, mas os dados oficiais contabilizam 6.876. Os direitos humanos na Argentina se transformaram em um negócio”, afirma, em referência às entidades de parentes de desaparecidos, como Mães da Praça de Maio e as Avós da Praça de Maio.
Até hoje, 35 anos após o fim da ditadura, o país lembra seus desaparecidos todas as quintas-feiras, quando as Mães voltam a seu ponto de encontro e leem o nome de seus parentes. Questionado sobre a receptividade na Argentina de um discurso que defende a ditadura, Olmedo afirma que há dois mundos distintos no país: “Um que dá a volta na Praça de Maio e outro que é todo o restante da Argentina”.
O deputado garante ter apoio da população e afirma que outros políticos não têm um discurso semelhante ao seu por “medo da pressão midiática”. Olmedo conta ainda que a imprensa argentina “fala mal de Bolsonaro o tempo todo”, mas que, para seu público, ter uma foto ao lado do brasileiro ajuda.
Filho de um dos maiores produtores de soja do país - seu pai tem cerca de 100 mil hectares de plantação - e sendo o maior produtor de azeitonas da Argentina, com 2.200 hectares, Olmedo já foi criticado por exploração de trabalhadores. Para a mídia argentina, seus funcionários afirmaram não ter recebido salários e serem obrigados a trabalhar sob chuva. Ao Estado, porém, o deputado afirmou oferecer instalações em suas fazendas “iguais às de um hotel”
A possibilidade de políticos conservadores avançarem muito nas eleições de outubro é questionada por especialistas. Sergio Berensztein, que estuda a influência evangélica na América Latina, afirma que ainda não há uma coordenação efetiva entre a classe na Argentina, como ocorre no Brasil. “Tenho dúvida se, na eleição, eles terão força. O apoio aos militares não é popular aqui. Eles são muito desprestigiados.”
Daniel Kerner, da Eurasia, lembra que a ditadura é um assunto mais delicado na Argentina do que no Brasil. Ele acredita, porém que o conservadorismo pode crescer entre os antikirchneristas, críticos a grupos de direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio. “Seria mais uma posição do eleitorado contra esses grupos do que a favor da ditadura. Parte do eleitorado antikirchnerista vê com ojeriza esses grupos”, afirma.
As Mães da Praça de Maio receberam apoio dos governos de Néstor e Cristina Kirchner e há denúncias de corrupção contra Hebe de Bonafini, uma das fundadoras do grupo. Sobre a candidatura de Alfredo Olmedo, Kerner diz que ela pode crescer em razão da debilidade do peronismo - corrente rival de Olmedo - na Província de Salta. Nas eleições em que Olmedo foi eleito, em 2015, sua coligaçãoteve a maior votação da província, com 23%. Na Argentina, não se vota em um candidato específico para a Câmara, mas em uma lista de deputados.