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Plano de paz para Gaza depende de 2 pontos principais para avançar

Proposta foi anunciada por Donald Trump na segunda-feira e aguarda resposta do Hamas

Comboio de tanques de Israel perto da fronteira com Gaza, em 16 de setembro (Menahem Kahana/AFP)

Comboio de tanques de Israel perto da fronteira com Gaza, em 16 de setembro (Menahem Kahana/AFP)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 30 de setembro de 2025 às 12h22.

O plano de paz proposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para encerrar o conflito entre Israel e Hamas depende atualmente de dois pontos principais para conseguir avançar: o Hamas aceitar a proposta e o governo de Israel conter resistências internas, especialmente de alas mais radicais.

A proposta foi montada sem consultas diretas ao Hamas. Assim, o grupo foi pressionado a aceitar o acordo por Trump e Benjamim Netanyahu, premiê de Israel. Os dois disseram que, em caso de rejeição, Israel aumentará os ataques contra Gaza, e Trump disse que dará apoio completo.

O Hamas recebeu o plano e o estaria analisando, segundo um representante do grupo disse à agência AFP. Não foi dado um prazo oficial para a resposta.

Nesta terça-feira, 30, Trump disse a jornalistas que o Hamas terá "três ou quatro dias" para responder, antes de tomar novas medidas.

A decisão do Hamas é difícil de prever. Por um lado, o grupo está enfraquecido após quase dois anos de guerra com Israel. Israel invadiu a Faixa de Gaza em 7 de outubro de 2023, após o Hamas, grupo que controla Gaza, fazer um ataque ao território israelense, que matou 1.219 pessoas e sequestrou 251.

Mais de 66.000 pessoas foram mortas em Gaza desde o início da guerra, segundo números do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Os dados são questionados por Israel e seus aliados, mas considerados confiáveis pela ONU.

O atual acordo de paz prevê que o Hamas devolva todos os reféns ainda vivos, que seriam cerca de 20, além dos corpos de outras vítimas. Em troca, Israel libertará centenas de palestinos presos.

A proposta prevê ainda que os membros do Hamas poderiam ter anistia e deixar Gaza se aceitarem deixar as armas. No entanto, isso significaria desistir da luta que o grupo trava há décadas. O Hamas defende não só a independência da Palestina, mas o fim do Estado de Israel.

O Hamas poderá também propor algum ajuste no plano, como o de tentar permanecer em Gaza de alguma forma. Neste cenário, os pedidos teriam de ser analisados novamente por Israel e Estados Unidos, embora Trump e Netanyahu pareçam pouco dispostos a concessões.

O presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do premiê de Israel, Benjamim Netanyahu, na Casa Branca, na segunda-feira, 29 de setembro (Saul Loeb/AFP)

Pressão dentro de Israel

Do lado israelense, a criação de um governo de transição em Gaza, sob supervisão internacional, como prevê a proposta (leia íntegra ao final da reportagem), gera temores em alas mais radicais de que esse movimento poderia levar ao avanço da ideia de estabelecer um Estado para a Palestina.

"Os ultraortodoxos, os mais radicais, não aceitariam de forma nenhuma qualquer aproximação à ideia de um Estado Palestino em Gaza", diz Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais na ESPM.

Assim, explica o professor, um avanço do plano de paz pode levar à queda do governo Netanyahu, que depende do apoio dos ultraortodoxos. No Parlamentarismo, o governo pode cair a qualquer momento se tiver perda de apoio da maioria. "A questão está mais dentro de Israel do que propriamente em Gaza", afirma Trevisan. 

As críticas ao plano em Israel já começaram. Nesta terça-feira, 30, Bezalel Smotrich, ministro das Finanças que integra um dos partidos mais linha-dura, disse que o acordo é um "fracasso diplomático ressoante", em um post nas redes sociais. Ele afirmou, no entanto, que não trabalhará para derrubar o plano.

Israel perdeu força no cenário internacional nos últimos meses, pela acusação de que estaria cometendo genocídio em Gaza, ao cortar o acesso a alimentos a milhares de pessoas e destruir casas e bairros inteiros. Em resposta, países europeus como França e Reino Unido passaram a reconhecer oficialmente o Estado da Palestina, algo a que Israel e os EUA são contrários.

Trevisan aponta ainda outro risco: o de que o acordo seja desfeito nas etapas seguintes, como ocorreu outras vezes.

No começo do ano, por exemplo, outro acordo entre Hamas e Israel foi anunciado por Trump. Ele previa entrega de reféns israelenses em troca de Israel se retirar de partes de Gaza que havia ocupado. A primeira fase do acordo foi implantada, mas houve desavenças, acusações mútuas e os ataques foram retomados em março.

Veja a íntegra do plano de Trump para Gaza

Plano Abrangente do Presidente Donald J. Trump para Acabar com o Conflito em Gaza

  1. Gaza será uma zona desradicalizada e livre de terrorismo, que não representará ameaça para seus vizinhos.
  2. Gaza será reestruturada para o benefício do povo de Gaza, que sofreu mais do que o suficiente.
  3. Se ambas as partes concordarem com esta proposta, a guerra terminará imediatamente. As forças israelenses se retirarão para a linha acordada para preparar a liberação de reféns. Durante este tempo, todas as operações militares, incluindo bombardeios aéreos e de artilharia, serão suspensas, e as linhas de batalha permanecerão congeladas até que as condições sejam atendidas para a retirada completa e gradual.
  4. Dentro de 72 horas após Israel aceitar publicamente este acordo, todos os reféns, vivos e mortos, serão devolvidos.
  5. Após a liberação de todos os reféns, Israel libertará 250 prisioneiros condenados à prisão perpétua, além de 1700 gazanos que foram detidos após 7 de outubro de 2023, incluindo todas as mulheres e crianças detidas nesse contexto. Para cada refém israelense cujos restos mortais forem liberados, Israel libertará os restos mortais de 15 cidadãos de Gaza falecidos.
  6. Após a devolução de todos os reféns, membros do Hamas que se comprometerem com a convivência pacífica e com o descomissionamento de suas armas terão anistia. Membros do Hamas que desejarem sair de Gaza receberão passagem segura para países receptores.
  7. Após a aceitação deste acordo, toda ajuda será imediatamente enviada para a Faixa de Gaza. No mínimo, as quantidades de ajuda serão consistentes com o que foi incluído no acordo de 19 de janeiro de 2025, sobre ajuda humanitária, incluindo a reabilitação da infraestrutura (água, eletricidade, esgoto), reabilitação de hospitais e padarias, e a entrada de equipamentos necessários para remover os escombros e abrir estradas.
  8. A entrada de distribuição e ajuda na Faixa de Gaza prosseguirá sem interferência das duas partes, através das Nações Unidas e suas agências, e do Crescente Vermelho, além de outras instituições internacionais não associadas de nenhuma forma a qualquer das partes. A abertura da passagem de Rafah em ambas as direções estará sujeita ao mesmo mecanismo implementado no acordo de 19 de janeiro de 2025.
  9. Gaza será governada sob um governo transitório temporário de um comitê palestino tecnocrático e apolítico, responsável pela administração diária dos serviços públicos e dos municípios para o povo de Gaza. Este comitê será composto por palestinos qualificados e especialistas internacionais, com supervisão e monitoramento de um novo órgão internacional transitório, o “Conselho da Paz”, que será presidido pelo presidente Donald J. Trump, com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados, incluindo o ex-primeiro-ministro Tony Blair. Este órgão estabelecerá a estrutura e gerenciará o financiamento para a reestruturação de Gaza até que a Autoridade Palestina tenha completado seu programa de reformas, conforme delineado em várias propostas, incluindo o plano de paz de Trump de 2020 e a proposta saudita-francesa, e possa retomar o controle de Gaza de forma segura e eficaz. Este órgão utilizará os melhores padrões internacionais para criar uma governança moderna e eficiente que atenda ao povo de Gaza e seja propícia para atrair investimentos.
  10. Um plano de desenvolvimento econômico de Trump para reconstruir e revitalizar Gaza será criado por meio da convocação de um painel de especialistas que ajudaram a criar algumas das cidades modernas prósperas do Oriente Médio. Muitas propostas de investimento bem elaboradas e ideias de desenvolvimento empolgantes foram formuladas por grupos internacionais bem-intencionados e serão consideradas para sintetizar os quadros de segurança e governança necessários para atrair e facilitar esses investimentos, que criarão empregos, oportunidades e esperança para o futuro de Gaza.
  11. Uma zona econômica especial será estabelecida com taxas preferenciais de tarifas e acesso a serem negociadas com os países participantes.
  12. Ninguém será forçado a deixar Gaza, e aqueles que desejarem sair terão liberdade para fazê-lo e para retornar. Encorajaremos as pessoas a permanecerem e lhes ofereceremos a oportunidade de construir uma Gaza melhor.
  13. Hamas e outras facções concordam em não ter nenhum papel no governo de Gaza, seja direta, indireta ou de qualquer forma. Toda infraestrutura militar, terrorista e ofensiva, incluindo túneis e instalações de produção de armas, será destruída e não será reconstruída. Haverá um processo de desmilitarização de Gaza sob a supervisão de monitores independentes, que incluirá a colocação de armas permanentemente fora de uso por meio de um processo acordado de descomissionamento, e apoiado por um programa de recompra e reintegração financiado internacionalmente, tudo verificado pelos monitores independentes. A Nova Gaza será totalmente comprometida em construir uma economia próspera e em coexistir pacificamente com seus vizinhos.
  14. Será fornecida uma garantia pelos parceiros regionais para garantir que o Hamas e as facções cumpram suas obrigações e que a Nova Gaza não represente uma ameaça para seus vizinhos ou para seu próprio povo.
  15. Os Estados Unidos trabalharão com parceiros árabes e internacionais para desenvolver uma Força Internacional de Estabilização (FIE) temporária para ser imediatamente implantada em Gaza. A FIE treinará e fornecerá apoio às forças policiais palestinas verificadas em Gaza e consultará com a Jordânia e o Egito, que têm vasta experiência nesse campo. Esta força será a solução de segurança interna de longo prazo. A FIE trabalhará com Israel e Egito para ajudar a garantir as áreas fronteiriças, junto com as forças policiais palestinas recém-treinadas. É fundamental evitar a entrada de munições em Gaza e facilitar o fluxo rápido e seguro de bens para reconstruir e revitalizar Gaza. Um mecanismo de desconflito será acordado pelas partes.
  16. Israel não ocupará nem anexará Gaza. À medida que a FIE estabelecer controle e estabilidade, as Forças de Defesa de Israel (IDF) se retirarão com base em padrões, marcos e cronogramas vinculados à desmilitarização que serão acordados entre as IDF, FIE, os garantidores e os Estados Unidos, com o objetivo de uma Gaza segura que não represente mais uma ameaça para Israel, Egito ou seus cidadãos. Na prática, as IDF entregarão progressivamente o território de Gaza que ocupam para a FIE, de acordo com um acordo que farão com a autoridade transitória, até que sejam retiradas completamente de Gaza, exceto por uma presença no perímetro de segurança que permanecerá até que Gaza esteja adequadamente segura contra qualquer ameaça terrorista ressurgente.
  17. Caso o Hamas atrase ou rejeite esta proposta, o acima exposto, incluindo a operação de ajuda ampliada, prosseguirá nas áreas livres de terror entregues pelas IDF para a FIE.
  18. Será estabelecido um processo de diálogo inter-religioso com base nos valores de tolerância e convivência pacífica, com o objetivo de tentar mudar as mentalidades e narrativas de palestinos e israelenses, enfatizando os benefícios que podem ser derivados da paz.
  19. Enquanto a reestruturação de Gaza avança e o programa de reformas da Autoridade Palestina for realizado de boa-fé, as condições poderão finalmente estar em vigor para um caminho credível para a autodeterminação e a criação de um Estado palestino, que reconhecemos como a aspiração do povo palestino.
  20. Os Estados Unidos estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinos para concordar sobre um horizonte político para a convivência pacífica e próspera.
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