A jurista Flávia Piovesan, representante do Brasil na CIDH (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Gabriela Ruic
Publicado em 10 de dezembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 10 de dezembro de 2018 às 06h00.
São Paulo - O mundo celebra nesta segunda-feira, 10 de novembro, os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A data vem em um momento delicado para o sistema internacional, que enfrenta sérios desafios no Brasil e no mundo em razão do fortalecimento do discurso de ódio e ascensão do populismo.
Na visão da jurista Flávia Piovesan, representante do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), agora, mais do que nunca, a Constituição brasileira terá um papel vital na proteção dos direitos e das liberdades. Para a especialista, caberá tanto ao Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à sociedade civil a tarefa de combatividade contra eventuais violações nessa seara.
“A democracia requer vigilância cotidiana”, pontuou a jurista durante entrevista a EXAME. Na conversa, Flávia Piovesan comentou a caminhada dos direitos humanos desde o nascimento da Declaração e também falou sobre as crises que o sistema interamericano está enfrentando em outros países da região. Abaixo, veja os destaques da entrevista:
Como a senhora avalia a defesa dos direitos humanos desde a assinatura da Declaração Universal, há 70 anos?
A história dos direitos humanos é marcada por luzes e sombras, processos complexos que trouxeram avanços e recuos nas lutas em prol da dignidade humana. A declaração inaugurou uma narrativa alicerçada na ideia da universalidade, na ideia de que a humanidade é o requisito único e exclusivo para o indivíduo ser titular de direitos. Um trunfo civilizatório. Hoje mais do que nunca, temos que tê-la com bússola, pois contempla os valores que nos movem e nos inspiram. Especialmente no momento em que o mundo vive o fortalecimento do discurso de ódio.
Há como ser otimista sobre o futuro dos direitos humanos?
Sim e cada vez mais vemos como isso é importante. Fala-se de retrocesso, mas se avaliarmos o mundo hoje e o compararmos com o mundo de 70 anos atrás, percebemos avanços notáveis.
A ascensão de governos com retóricas duras contra os direitos humanos mostra que existe uma crise?
O sistema está sendo desafiado e cada vez mais temos a ascensão do populismo autoritário. Creio que precisamos potencializar a declaração, estimular a sua mensagem como uma reação ao discurso intolerante.
Como isso pode ser feito?
É importante inovar. Precisamos mostrar que os direitos têm um alto custo, mas suas violações custam muito mais. Um exemplo é a recente decisão da corte institucional da Índia, que descriminalizou a homossexualidade. Ela trará impulsos à economia. Um estudo do Banco Mundial mostrou que a exclusão dos homossexuais chega a custar 1,7% do PIB indiano ao ano.
O presidente eleito Jair Bolsonaro já mostrou ser contrário a algumas pautas de direitos humanos. Isso é uma ameaça?
Nunca foi tão importante ter a Constituição como escudo para a proteção dos direitos e das liberdades. Temos que apostar na sua defesa e na institucionalidade democrática. O Supremo Tribunal Federal terá um papel crucial, assim como os demais poderes. Precisamos de uma sociedade alerta, combativa e atuante. A democracia requer vigilância cotidiana e esse é o papel que devemos ter, na minha visão.
Qual é o papel da Comissão em que a senhora atua para evitar abusos, como vistos na Nicarágua?
A Comissão teve um papel na Nicarágua, pois fizemos uma visita ao país durante os protestos no início do ano. Divulgamos um relatório que se tornou um instrumento fundamental para chamar a atenção do mundo e, com o documento, veio a pressão internacional. Temos esperanças de que boas mudanças virão.
O secretário geral da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro, sugeriu uma intervenção militar na Venezuela. Até que ponto essa medida pode solucionar a crise no país?
A Comissão entende que não há como se justificar uma intervenção militar na Venezuela. Temos de resolver a situação pelo direito e não pela força. É na institucionalidade democrática que essa situação deve ser resolvida.
Qual é o papel das empresas na defesa dos direitos humanos?
É fundamental. Das 100 maiores empresas do mundo, 70 são multinacionais. As empresas podem promover direitos humanos, mas também podem violá-los. Na Comissão, estamos impulsionando essa agenda e vamos lançar em 2019 um relatório com orientações refletindo as peculiaridades da América Latina.